(Marjan Apostolovic/Thinkstock)
Talita Abrantes
Publicado em 20 de abril de 2017 às 14h30.
Última atualização em 20 de abril de 2017 às 18h05.
São Paulo – A cada 44 minutos, uma pessoa coloca fim à própria vida no Brasil. Fato que coloca o país em oitavo no ranking de nações com maior número absoluto de suicídios no mundo. Entre 2000 e 2012 anos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de mortes desse tipo cresceu 10,4% no país*.
Na maior parte desses casos, a pessoa do lado de lá da estatística tinha um transtorno mental – pelo menos no momento da ocorrência. Em outros termos: essas mortes poderiam ter sido evitadas com um bom sistema de apoio à saúde mental.
O problema: o Brasil tem falhado em fornecer o básico para estancar essa onda de mortes. Essa é a avaliação da psiquiatra Alexandrina Meleiro, doutora pelo Instituto de Psiquiatria da USP e coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Nas últimas semanas, ao menos sete estados registraram casos de suicídio supostamente ligados ao jogo Baleia-Azul, que incentivaria as mortes. Para a professora, pais e professores devem estar atentos a qualquer mudança de comportamento dos adolescentes.
Veja trechos da entrevista que ela concedeu a EXAME.com:
EXAME.com: Qual o perfil dos brasileiros que cometem suicídio?
Os homens se suicidam mais do que as mulheres na proporção de 3 para 1. Mas, conforme a profissão, as mulheres chegam a se igualar ou até ultrapassam. Esse é o caso da profissão médica. Em termos de faixa etária é mais comum na população jovem e no idoso. Há os desempregados, pessoas com isolamento e desesperança.
Sem dúvida, dois perfis são importantes: tentativa prévia e transtorno mental. Segundo a OMS, 96% das pessoas que se suicidaram tinham um transtorno mental pelo menos na época da ocorrência. Se a gente pensar que a doença mental é passível de tratamento, então a gente poderia ter evitado essas mortes.
Por que o Brasil não consegue evitar essas mortes?
O Brasil não tem uma política de prevenção para a saúde em todos os campos – desde um programa de pré-natal que acompanhe a vida da criança e previna uma série de doenças, inclusive o comportamento suicida, até a prevenção e tratamento de fatores de risco, como abusos físicos, bullying.
Também se falha em oferecer ajuda e tratamento de doença mental. Não há unidades básicas de saúde com um número suficiente de médicos psiquiatras. Se há um caso grave de suicídio, não há vaga, nem hospitais que recebam essas pessoas que precisam de internação ...
O Conselho Federal de Medicina afirma que, em 11 anos, o Brasil perdeu mais de 38% dos leitos de internação psiquiátrica graças a lei 10.216/01 que privilegia a atenção ambulatorial e um tratamento mais humanizado. O descompasso entre oferta e demanda é, então, um efeito colateral dessa medida?
Quando a gente fala em tratamento humanizado, eu sou favorável que realmente se feche os hospitais ou manicômios que não davam assistência nenhuma. Mas isso não quer dizer que a gente deve fechar hospitais onde as pessoas recebam atendimento.
Fechou-se aquele modelo que a gente não aprovava, mas também não abriu mais nada. E aí também não há oferecimento de ambulatório. É como se por decreto se determinasse o fim da loucura. É o mesmo que determinar por decreto o fechamento de todas as UTIs coronarianas, então, ninguém mais pode enfartar.
O Brasil instituiu, em 2006, uma lista de diretrizes para prevenção do suicídio em todo o território nacional. O que foi feito até agora?
O Brasil se comprometeu, foi colocado no papel, mas está até hoje no papel. A prevenção tem que sair do papel.
O que é urgente implantar dessa lista de diretrizes?
A política em escolas porque adolescentes são vulneráveis. Além disso, formar professores e religiosos, que às vezes desestimulam a pessoa a procurar tratamento. E implantar políticas de acesso à saúde mental com profissionais capacitados para que os pacientes não cheguem ao extremo de pensar no suicídio.
Diante do jogo da Baleia Azul, o que familiares e professores deveriam fazer para prevenir mais casos de suicídio em adolescentes?
Esse assunto tem que ser levado a sério. Pais e professores tem que estar atentos aos seus adolescentes e alertas para qualquer sinal de depressão e isolamento. E atenção se o adolescente começar a usar roupas compridas mesmo com o calor.
*Segundo o Atlas da Saúde Mental de 2014, da OMS, com dados de 2012.
O QUE O MINISTÉRIO DA SAÚDE TEM A DIZER SOBRE ISSO
Questionado por EXAME.com, o Ministério da Saúde afirma que criou, no final do ano passado, um Comitê de Enfrentamento do Suicídio, que deve operacionalizar as diretrizes para prevenção ao suicídio, instituídas em 2006.
O Ministério da Saúde afirma que, entre 2014 e 2015, certificou 1.990 profissionais que atuam no SUS em um curso à distância sobre Crise e Urgência em Saúde Mental, feito em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.
Ainda segundo o ministério, o país possui 2.458 CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em funcionamento. Além disso, a pasta afirma que a meta é oferecer, até abril de 2020, ligação gratuita ao Centro de Valorização da Vida (CVV).
De acordo com o ministério, em 2014, foram registrados 10.653 suicídios no Brasil.