Casamento homoafetivo: promotor já pediu 8 anulações de união estável em 2018 (AFP/Alejandro Pagni/AFP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de junho de 2018 às 20h34.
Florianópolis - Casadas há seis meses, a engenheira civil Adrieli Nunes Schons, de 30 anos, e a médica Anelise Schons, de 30, foram surpreendidas na última segunda-feira, 18, com uma intimação do Ministério Público de Santa Catarina pedindo o cancelamento da união estável das duas.
O pedido é do promotor Henrique Limongi, que recorreu no processo judicial que autorizou a união. Desde 2015, o mesmo promotor já fez outros 68 pedidos idênticos contra casamentos entre pessoas do mesmo sexo na capital catarinense. Ele chegou a ser denunciado no Conselho Nacional do Ministério Público, mas o caso foi arquivado.
"Não esperávamos isso, casamos em 9 de dezembro do ano passado. Já mudamos nossos documentos e compramos um apartamento juntas com a certidão de casamento", contou Adrieli ao Estado.
Em setembro do ano passado, quando Adrieli e Anelise entraram com pedido no cartório, Limongi negou a habilitação (autorização para casamento que é expedida pelo Ministério Público) e as duas só conseguiram se casar depois que uma juíza derrubou o veto Limongi, a duas semanas da festa.
Agora, com o novo recurso do promotor, o casal terá que nomear um defensor para acompanhar o processo, que será julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Elas têm 15 dias para protocolar as contrarrazões. A 13.ª Promotoria da Capital, onde Limongi é titular, é responsável pela autorização ou impugnação de todos os casamentos nos cartórios da cidade.
As impugnações e os pedidos de cancelamento do promotor Limongi ocorrem de forma sistemática desde 2013, quando o Supremo Tribunal federal (STF) acolheu recurso que permitiu união entre pessoas do mesmo sexo, criando uma jurisprudência. Após a decisão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também emitiu determinação para que os cartórios de todo o país oficializassem os casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O Ministério Público de Santa Catarina, no entanto, só tem os registros das negativas do promotor de forma estruturada a partir de 2015, quando os novos processos passaram a ser totalmente eletrônicos.
Em 2015, o promotor entrou com 17 pedidos de anulação de casamentos homoafetivos, em 2016 foram mais 17 pedidos e em 2017 ele se manifestou contrário 27 vezes. Neste ano, com o caso de Adrieli já são oito pedidos.
"Esse novo pedido será indeferido, como ocorreu com os outros casos. O promotor faz uma interpretação da Constituição ao dizer que ela só permitiria casamento entre homens e mulheres. No recurso julgado pelo Supremo foi analisado o efeito da norma negativa, que nós juristas conhecemos como Lei de Kelsen, que aponta justamente que a Constituição não proíbe em nenhum momento o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nós já nos manifestamos e vamos novamente nos manifestarmos contra essa postura do promotor", afirmou Margareth Hernandes, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB/SC.
Para Margareth, a situação ocorre devido a falta de legislações que explicitem o direito de pessoas do mesmo sexo em constituir família e casarem. "Hoje o que temos é uma jurisprudência do Supremo, mas se tivéssemos regulado a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou o Estatuto da Diversidade aprovado essa situação seria mais improvável. O que temos aqui é um promotor desrespeitando a hierarquia do nosso ordenamento jurídico com base no que está na Constituição", disse.
O promotor não quis conceder entrevistas, mas emitiu nota onde se diz "devoto do Estado de Direito" e que no Brasil, casamento, só "existe entre homem e mulher". Leia a íntegra:
"O promotor de Justiça signatário não 'conversa' com ninguém sobre os processos - quaisquer que sejam - que lhe caem às mãos. Atua nos autos, só 'fala' nos autos. Nesta esteira, não concede entrevistas e não 'defende' os pareceres - autoexplicativos, de resto - que emite. Devoto do Estado de Direito, só presta contas - e o faz, diuturnamente - à Constituição e às Leis. No caso em tela, a Carta da República (art. 226, § 3º) é de solar clareza: no Brasil, casamento somente existe entre homem E mulher. E Resolução - nº 175 do CNJ, que autorizou o enlace entre pessoas do mesmo sexo - não pode, jamais, se sobrepor à Lei, notadamente à Lex Máxima. Daí, e somente daí, as impugnações que oferta. Daí os recursos que interpõe. Com a palavra - à derradeira -, o foro próprio, o Congresso Nacional!"