(Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Divulgação)
Agência O Globo
Publicado em 1 de setembro de 2021 às 13h59.
Os incêndios florestais que ocorreram na Amazônia desde 2001 reduziram em ao menos 5% a área hábitat para pelo menos 62% das espécies de plantas e animais que vivem na região. Entre as espécies que já estão sob risco de extinção, o impacto foi ainda pior: 85% foram afetadas.
Os novos números preocupantes estão em um estudo publicado nesta quarta-feira na revista "Nature". Um consórcio de pesquisadores americanos, chineses e brasileiros analisaram o impacto do fogo na biodiversidade amazônica cruzando dados de incêndios capturas por satélite com mapas detalhados da distribuição de espécies na floresta.
Segundo os pesquisadores, liderados pelo geógrafo Xiao Feng, da Universidade da Flórida, estimar o risco da degradação ambiental na floresta olhando apenas para o desmatamento com corte raso resulta numa subestimativa. O fogo, que também está na maioria dos casos associado a atividades humanas, degrada uma parte maior de floresta destruindo vegetação abaixo da copa das grandes árvores, e afeta uma área muito maior.
No período analisado pelos pesquisadores, mais de 190 mil km² de floresta amazônica queimaram em algum momento, uma área maior que o Uruguai. Apesar a Amazônia ter mais de 5 milhões de km², o impacto em diferentes tipos de plantas e animais foi desigual.
— Muitas espécies de plantas e animais da Amazônia possuem distribuições restritas, o que aumenta as chances desses incêndios florestais causarem grandes perdas em biodiversidade —, afirma Paulo Brando, cientista do Instiuto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), que participou do estudo.
No estudo, os cientistas citam como exemplo a Remijia kuhlmannii, um arbusto silvestre da família do café, que corre o risco de sumir e já perdeu mais de 60% de sua área de hábitat. Não por coincidência, a planta ocorre justamente na transição entre o Cerrado e a Amazônia onde a agropecuária mais se expande, no Mato Grosso.
Os pesquisadores também constataram no estudo que existiu uma grande correlação de área queimada com a existência de leis e políticas para coibir o uso do fogo em áreas adjacentes à floresta. A maior parte do bioma foi afetado depois do meio da primeira década do milênio, quando as queimadas passaram a ficar mais regradas no Brasil.
"Apesar de a regulação ter sido efetiva em desacelerar a queima e o desmatmento, relaxar essas regulações — como se viu no Brasil em 2019 — pode rapidamente anular os ganhos obtidos", escrevem os pesquisadores.
A análise feita pelos pesquisadores no estudo partiu de uma base de dados com mais de 11.000 espécies de plantas e 3.000 espécies de vertebrados. Destas, foram selecionadas 520 para as quais a distribuição é conhecida com mais precisão. Os números foram cruzados então com o mapeamento dos satélites Aqua e Terra, da Nasa, que estimam a área atingida pelas queimadas.
As porcentagens listadas acima se referem ao limite superior da conclusão dos cientistas, dada a margem de erro. Os dados, mesmo assim, tendem a estar subestimados, porque não se considerou no trabalho os danos anteriores a 2001, e os dados de sensoriamento remoto tendem a subestimar as áreas degradadas de floresta.
Além disso, afirmam os pesquisadores, não foram incluídos na análise insetos e outros invertebrados, que representam uma porção significativa da biodiversidade amazônica. A linha de corte de 5% de perda de hábitat usada pelos cientistas, se fosse baixada, significaria que quase toda a biodiversidade da floresta já foi afetada pelo fogo.
"Até 95,5% das espécies de plantas e vertebrados podem ter sido impactas pelo fogo, ainda que em um grau menor", escrevem os cientistas.