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Frente ampla difícil e Bolsonaro próximo do Centrão: o saldo das eleições

Partidos de direita e centro saíram com números ampliados da eleição, enquanto a "nova esquerda" também mostra força. Que lições 2020 pode deixar para 2022?

Presidente Jair Bolsonaro: resultado das eleições pode reforçar sua aproximação com o Centrão para 2022, dizem analistas (Ricardo Moraes/Reuters)

Presidente Jair Bolsonaro: resultado das eleições pode reforçar sua aproximação com o Centrão para 2022, dizem analistas (Ricardo Moraes/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 22 de novembro de 2020 às 08h05.

Última atualização em 22 de novembro de 2020 às 09h24.

A eleição municipal traz outro debate para além dos buracos nas ruas, os hospitais, as leis municipais e a discussão bairro a bairro: as alianças que se costuram para daqui a dois anos.

No último ciclo eleitoral, entre 2016 e 2018, muita coisa mudou. Partidos como o PSDB e o MDB, que saíram vitoriosos daquele pleito municipal, decaíram até a eleição nacional que levou à vitória do presidente Jair Bolsonaro.

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Ainda assim, alguns traços de 2016 permaneceram na eleição presidencial seguinte: o voto no antipetismo e a queda do PT no cenário nacional, o papel da Lava-Jato, a ascensão das redes sociais como ferramenta de campanha e a rejeição à política tradicional que delineou parte dos resultados de 2018.

Desta vez, quais lições 2020 pode deixar para o cenário político a partir de agora? E o que realmente mudou nos resultados deste ano? A EXAME conversou com analistas e cientistas políticos para entender, uma semana depois do primeiro turno, qual é o saldo que pode ficar desse pleito — das coligações e união dos partidos (ou falta dela) à renovação política e aos apoios ao presidente Jair Bolsonaro.

O “Biden brasileiro”

Os primeiros meses de pandemia trouxeram o jargão do "somos 70%" e algumas frentes de crítica -- da direita à esquerda -- contra o presidente Jair Bolsonaro. Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria de análise de risco Tendências, a grande questão era como isso se mostraria na eleição. E uma das principais interpretações é que será difícil a criação de uma frente de oposição ao presidente, ao menos logo no primeiro turno.

“A questão antes da eleição era se essa percepção do governo Bolsonaro como um risco democrático se transformaria em uma candidatura única de oposição, o que ficou conhecido no debate como ‘frente ampla’ ou o nosso ‘novo Biden’”, diz Cortez, fazendo referência à união do centro à esquerda no Partido Democrata que elegeu Joe Biden nos EUA (e levou a debates sobre o tema no Brasil). “Me parece que as eleições municipais mostraram um cenário de difícil construção dessa unidade”, diz.

O maior exemplo foi o Rio, onde as candidatas mais à esquerda Benedita da Silva (PT) e Martha Rocha (PDT) dividiram votos e ficaram fora do segundo turno, dando lugar ao atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. Do outro lado, a direita foi “punida” pela falta de unidade em Recife, onde foram para o segundo turno João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT).

No saldo nacional, partidos médios de centro e direita — como PP, PL, PSD e DEM -- avançaram nos vácuos deixados pela crise de MDB e PSDB, que perderam prefeituras ante 2018. Na esquerda, mostraram alguma força os partidos menores, que antes orbitavam em torno do PT. E quanto mais partidos ganham espaço, mais difícil é chegar a uma redução de candidaturas.

“Ao fazer esse encontro de forças, não é trivial encontrar quem vai organizar essa frente ampla, nem mesmo dentro dos próprios campos. E nesse sentido as eleições municipais não ajudaram a ter uma balança de poder”, diz Cortez. Só no segundo turno as coalizões avançaram. Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) angariou apoios do PSL ao Republicanos, e Guilherme Boulos (PSOL) exibiu em seu horário eleitoral neste sábado, 21, sua “frente ampla" de esquerda, incluindo o PSB e o PDT, com os quais houve troca de farpas no primeiro turno.

O próprio sistema eleitoral é um dificultador no primeiro turno: a partir deste ano, houve pela primeira vez uma eleição sem coligações para cargos legislativos, o que incentiva o lançamento de cargos no Executivo para chamar atenção para vereadores da legenda.

Eleitores de Valparaíso, Goiás, vão ás urnas para as eleições municipais 2020.

Eleições 2020: alianças ficaram para o segundo turno (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Vitórias da direita

No geral, apesar de algumas vitórias da esquerda e um potencial de organização como oposição em 2022, partidos de centro-direita e de direita são numericamente os grandes vencedores de 2020.

"Foi notável especialmente o crescimento da direita tradicional: DEM, PP, PSD, por exemplo. Esses partidos são diferentes do bolsonarismo, ainda que possam ser seus aliados momentâneos no Congresso", diz o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Internamente no campo da direita e centro-direita, os partidos também divergem: o DEM, do presidente da Câmara Rodrigo Maia, não necessariamente pode ser considerado como parte do Centrão, tendo sido oposição aos governos petistas e alguma oposição ao bolsonarismo, ao contrário do PP e do PSD, mais próximos do governo.

O PP foi o partido com maior alta de vereadores eleitos e virou o segundo com mais vereadores do Brasil, seguido por PSDB (que caiu também em vereadores), DEM e PSD, segundo levantamento do portal G1 com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral.

"Alguns desses partidos sempre são fortes na disputa municipal, em que a identidade partidária conta menos, sobretudo nos municípios menores. No plano nacional, padecem da falta de uma espinha dorsal programática", diz Couto. Para o professor, somente nomes como DEM ou PSDB seriam capazes de alguma liderança nacional em 2022.

Dentre os partidos menores, Republicanos, PSL e Avante, todos mais à direita, também cresceram; o Novo, o segundo partido com menos vereadores no Brasil (atrás do PCB), aumentou o número de vereadores, mas terminou sem nenhuma prefeitura (em 2018, o partido havia conseguido até mesmo o estado de Minas Gerais com Romeu Zema).

Na esquerda, só o PSOL cresceu em vereadores eleitos, além de ter chagado ao segundo turno em São Paulo e Belém mesmo com poucos segundos de TV. Já nomes como PDT, PT e PSB caíram em vereadores eleitos, embora ainda possam garantir prefeituras importantes no segundo turno.

O caminho é longo até 2022, e não necessariamente os resultados municipais refletirão o que acontece nas eleições nacionais, uma vez que a política municipal ainda tem muitos elementos distintos. Uma pesquisa EXAME/IDEIA mostrou que quase um terço dos eleitores ficaram indiferentes à eleição, e a abstenção foi recorde.

Como fica Bolsonaro

Após os resultados, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter dizer que não foi derrotado na eleição. Para os analistas, o resultado não é necessariamente uma derrota do presidente, mas o cenário pode levá-lo a se aproximar mais desses partidos que saíram fortalecidos -- como já vem fazendo nos últimos meses na aliança com o Centrão.

"O resultado aumenta a probabilidade de o presidente não criar o Aliança pelo Brasil e optar por concorrer dentro de um partido tradicional, que já tenha recurso eleitoral", avalia Cortez. "E um segundo ponto é que pode ficar a leitura que, se eventualmente o presidente não caminhar pra uma visão mais pragmática de político profissional de fato, a chance de repetição do quadro de 2018 é menor."

Se essa frente de direita e centro se unirá para lançar algum nome em 2022 para além de Bolsonaro, como Luciano Huck, Sergio Moro ou Luiz Henrique Mandetta? "A política nacional precisa de outros subsídios [para além da vitória nas municipais]. Esse campo deve procurar estruturar uma candidatura, mas os nomes ainda são apenas testes", diz a cientista política Rachel Meneguello, professora da Unicamp.

Ainda podem surgir outros nomes dentro dos campos tradicionais, diante da dificuldade dos partidos que são numerosos, mas não conseguem se coordenar para viabilizar uma candidatura presidencial de âmbito nacional. Já para Bolsonaro, embora os candidatos diretamente apoiados por ele não tenham se saído bem no geral, a ver se esses braços do Centrão alinhados ao presidente podem ser alguma força de mobilização para 2022.

"Independentemente de qual nome a política tradicional apresentar, à direita ou à esquerda, ainda precisará se debruçar sobre a incógnita de Bolsonaro e sua rede de militantes", diz o professor Carlos Machado, da Universidade de Brasília (UnB). O presidente segue favorito para 2022: pesquisa EXAME/IDEIA nesta semana mostrou que a aprovação do presidente está em 41%, a mais alta em dois anos.

Uma nova cara da política?

Um diagnóstico comum nos últimos dias sobre a eleição foi sobre uma volta do que se chamou de política tradicional — com menos candidatos vencendo baseados em uma plataforma de negação da política organizada.

Mas algumas mudanças dos últimos anos não irão embora, e as quedas do PSDB e do PT são os principais símbolos desse movimento. O PSDB passou de mais de 700 prefeituras em 2016 — um ano em que surfou como nunca a onda do antipetismo — para pouco mais de 500 neste ano, perdendo o segundo lugar em prefeituras para PP e PSD.

"Isso mostra que os eixos organizadores do sistema durante mais de 20 anos estão se alterando. Esse movimento teve início em 2018 e, em 2020, mostrou seu impacto local", diz Meneguello, da Unicamp.

Assim, mesmo com a queda de alguns partidos tradicionais, a leitura geral é que o leitor esteve mais "vacinado" contra discursos de negação da política. "Mesmo o crescimento do PSOL faz parte disso, pois o PSOL está longe de ser um representante da anti-política. Nisto, o Partido Novo, que teve desempenho sofrível, encaixa-se muito melhor, com sua ideia de negação da política como profissão", diz Couto, da FGV.

Os clamores por renovação e mudanças na política, desta vez, tentam encontrar espaço dentro da própria máquina partidária -- com uma série de candidatos jovens, minorias raciais, mulheres e LGBT eleitos neste ano, sobretudo no Legislativo.

Ana Flávia Silva de Paula, coordenadora nacional do movimento Acredito, que forma e apoia políticos em diversos partidos, avalia o aumento da diversidade como uma “grata surpresa” do pleito de 2020. O Acredito elegeu 16 vereadores e 2 prefeitos, alguns deles as primeiras mulheres, LGBT e negros eleitos em suas cidades em décadas.

“Ainda são poucos em termos da representatividade que a gente quer, de realmente representar a cara do Brasil. Mas o resultado mostra que a participação de jovens, periféricos e LGBT na política está ganhando muita força”, diz.

Na visão de Ana Flávia, muita coisa mudou na comparação com 2018, que foi a primeira campanha do movimento. “Em 2018, as pessoas não acreditavam que a política poderia ser uma plataforma de mudança, havia uma grande desesperança. Sentimos que, nesses últimos dois anos, essa visão ficou mais favorável”, diz. Para o segundo turno, os líderes nos estados estão discutindo se apoiam ou não algum candidato, ainda que de fora do movimento. Em São Paulo, a deputada Tabata Amaral (PDT), uma das lideranças do Acredito, declarou neste sábado, 21, seu apoio ao psolista Guilherme Boulos, se somando à “frente ampla” progressista da candidatura.

O segundo turno acontece no próximo domingo, 29. Mas o debate não se limitará somente às 57 cidades que vão às urnas — e vai ajudar a definir como Brasília agirá nos próximos dois anos.

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