Rubens Ricupero: Para diplomata, maiores desafios do próximo presidente serão fazer o ajuste fiscal e liderar uma pacificação nacional (Fernando Silveira/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de setembro de 2018 às 09h54.
São Paulo - A eleição presidencial de 2018 tende a ser uma etapa a mais na crise brasileira. Essa é a avaliação do diplomata Rubens Ricupero, diretor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e ex-ministro de Meio Ambiente (1993-1994) e da Fazenda (1994)no governo de Itamar Franco.
Segundo ele, os maiores desafios do próximo presidente serão fazer o ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas e liderar uma pacificação nacional. Nesta entrevista, o ex-embaixador do Brasil nos EUA e na Itália fala ainda sobre as regras que dificultam a entrada de novos nomes no setor político, critica o funcionamento das instituições e relativiza a imagem negativa do País no exterior.
O que as eleições 2018 representam para o País?
Acho a equação política e econômica complicada e vejo pouca esperança na eleição. Há ilusão em pensar que as eleições forneceriam uma saída da crise brasileira, porque ela é muito profunda. Ela começa a se manifestar com as grandes manifestações de 2013, que revelaram o mal-estar que existia. Depois, se agrava com o fracasso do segundo governo Dilma, que teve a recessão, o desemprego e o impeachment. Além disso, tivemos revelações espantosas de corrupção sistêmica, o agravamento da criminalidade, do número de homicídios e revoltas em presídios. Até o momento, a escolha dos candidatos e o decorrer da campanha não permitem muita esperança. O provável é que essa eleição seja apenas uma etapa no desenvolvimento da crise brasileira.
Quais os principais desafios para o próximo governo?
O quadro atual é preocupante por várias razões. No debate eleitoral, não se verifica consciência da premência desses problemas e do pouco ou nenhum espaço de manobra que o governo terá. O segundo problema é que estamos com uma polarização e uma radicalização muito grandes. A prisão do Lula compõe um quadro que, do ponto de vista jurídico, é legal. Mas isso não significa que politicamente não haja a percepção de que um candidato importante está excluído. Vai ser preciso apoio da maioria das correntes para normalizar o País, porque hoje em dia não é um país normal.
Quais seriam as medidas mais urgentes?
Todos os governos, desde Collor até hoje, aumentaram os gastos continuamente. Todos são obrigados a aumentar porque isso é um gatilho automático que está na Constituição. Essa situação vai continuar, ainda mais com o agravamento do teto dos gastos. Vai chegar momento em que governo não poderá pagar. E aí vai apelar para quem?
Em entrevista ao Estado, o filósofo Roberto Romano disse que a democracia corre risco permanente no Brasil. Qual sua opinião?
As instituições públicas brasileiras são muito deficientes. Se fossem adequadas, não estaríamos mergulhados na crise que estamos. Existem pequenos núcleos que funcionam, pequenas ilhas num mar de incompetência e de instituições disfuncionais. O sistema é disfuncional e produz decisões com custo cada vez mais alto, moral e financeiro. Ele funciona na base de transferência maciça de dinheiro da economia para os partidos políticos, a um ponto que impede o País de crescer.
Quais as consequências?
Isso não significa que se caminhe para suspender a democracia. Pode haver, isso sim, um impasse grande que leve a catalisar um movimento para melhorar instituições, no sentido de uma reforma da Constituição e aperfeiçoamento do que não está funcionando.
A legitimidade das eleições já foi questionada na campanha. Qual sua avaliação sobre isso?
Legítima é a eleição que ocorre de acordo com as normas vigentes. Não quer dizer que as normas sejam as melhores. Elas foram elaboradas para perpetuar grupos partidários, elas têm que ser aperfeiçoadas. Mas não é o caso de dizer que o processo não é legítimo. Ele é. O problema é que as normas foram aprovadas pelo Congresso. Causam um congelamento do sistema político e a dificuldade que surjam novos líderes, porque as leis são fortemente enviesadas em favor de quem já está no coração do poder. Isso explica o envelhecimento do setor político brasileiro.
Qual a imagem do Brasil no exterior?
A imagem é péssima porque houve o incêndio no Museu Nacional e um atentado contra um candidato a presidente. Mas a imagem é um falso problema. Melhora quando as coisas vão bem e piora quando vão mal. Nunca é irreversível. A imagem dos EUA com o Barack Obama era muito boa em 2015, quando fez o esforço de retomada de relações com Cuba, acordo nuclear com o Irã e acordo sobre o clima em Paris. Agora é ruim com o Donald Trump. Por que oscila? Porque a realidade oscilou.
Qual seu balanço da diplomacia do governo Michel Temer?
Os ministros, tanto José Serra quanto Aloysio Nunes, se empenharam em circunstâncias difíceis, em um governo contestado. Eles têm feito um trabalho de contenção de danos, uma diplomacia de um governo em transição. Eles não dispõem de condições internas para muita projeção.
Qual deve ser o papel do Brasil no mundo?
O Brasil não é potência nuclear ou militar. O eixo da política externa brasileira deve ser sempre a defesa dos princípios da lei e da cooperação. A gente deveria ajudar a defender toda essa ordem que está ameaçada.