Marcus André Melo: novatos na política vão ter que se preparar para falta de recursos (Arquivo Pessoal/Imagem cedida por Marcus Melo/Divulgação)
Talita Abrantes
Publicado em 9 de novembro de 2017 às 06h09.
Última atualização em 9 de novembro de 2017 às 08h24.
São Paulo - Uma infinidade de sondagens divulgadas nos últimos meses atestam um fato: a maioria dos brasileiros está ávida para presenciar uma renovação dos nomes e perfis nos cargos políticos nas eleições do próximo ano.
No entanto, segundo Marcus André Melo, professor associado da Universidade Federal de Pernambuco e fellow da John Simon Guggenheim Foundation, uma parte considerável desse potencial de mudança nos cargos políticos pode acabar frustrada no próximo ano. Motivo? O sistema ainda garante certas vantagens para quem está no poder.
Essa combinação de fatores, segundo o especialista, deve gerar Legislativos para lá de esquizofrênicos com nomes da velha e da nova política lado a lado. Mas isso vai depender de uma maior coesão dos movimentos da sociedade civil que apoiam essas campanhas emergentes.
Melo, que já foi professor na Universidade de Yale e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), explica, nesta entrevista a EXAME.com, o que está por trás dos resultados das mais recentes pesquisas de intenção de voto e detalha os fatores que devem impactar as eleições de 2018.
EXAME.com: Uma pesquisa recente da DAPP/FGV mostra que há uma grande expectativa da população por uma renovação política no próximo ano. Qual a chance dessa expectativa acabar frustrada?
MARCUS ANDRÉ MELO: O curioso é que há uma demanda enorme por renovação, mas ao mesmo tempo há uma contra tendência que faz com que essas pressões se arrefeçam. Quem está no poder ainda tem uma vantagem competitiva muito forte.
Apesar dos custos reputacionais para quem é político hoje, a reforma política recentemente aprovada aumentou os recursos para os partidos com maior representação. Essa quantidade considerável de recursos faz com que quem está no poder seja simultaneamente muito frágil e forte.
Essa é a principal razão pelo qual quem é governo, quem faz parte da coalizão no nível federal e no nível estadual em alguns estados tenha uma boa vantagem. Qual é o tamanho dessa vantagem? Muito maior do que no passado. Antes, as doações empresariais poderiam desestabilizar uma candidatura a governador. Mas agora esse apoio empresarial perdeu o valor relativo.
É muito difícil dizer qual será o saldo líquido. Essa pressão vai ser devastadora nas grandes metrópoles e isso facilita para os novatos na política, mas que terão que se preparar para essa situação de falta de recursos.
Temos visto o surgimento de novos grupos da sociedade civil (como o RenovaBR ou o Agora!) que querem participar mais ativamente das eleições. Diante da força que os partidos têm, qual será o alcance da influência desses grupos para as eleições?
Provavelmente, eles terão sucesso em determinados nichos. Eu imagino que esses movimentos façam algumas candidaturas importantes em São Paulo, no Rio e no Rio Grande do Sul. A questão fundamental será a coordenação. Se não houver coordenação e concentração em algumas candidaturas, você pode ter um cenário de várias candidaturas que tem um apoio significativo, mas que ninguém é eleito.
Quando se compara os movimentos que foram às ruas em 2013 e 2015 com os grupos que estão sendo criados agora, podemos dizer que estamos entrando em um novo ciclo?
Eu não diria que é um novo ciclo. Tudo que aconteceu no Brasil nos últimos quatro anos é produto daquilo que eu chamo de um cisne negro, que é um evento de baixíssima probabilidade e repercussões muito fortes.
Isso foi desencadeado por duas coisas. Primeiro, o boom de commodities e o pré-sal, que geraram uma euforia fiscal no país e mudaram a estrutura de incentivos dos atores políticos e econômicos. Depois, a Lava Jato.
Sob o impacto desses dois eventos, houve uma mudança tectônica na política. Foi isso que, ao fim e ao cabo, levou à proibição das doações empresariais, a mais importante reforma política que aconteceu no Brasil em décadas.
A eleição municipal já teve um impacto devastador para alguns partidos. Agora, a gente vai ver num nível federal o que vai acontecer. Eu acho que vem uma renovação considerável. Vai gerar uma coisa esquizofrênica: alguns políticos de grande expressão vão conseguir sobreviver e, ao mesmo tempo, muitos vão sucumbir.
Em uma entrevista para a revista VEJA em 2014, o senhor disse que o eleitor brasileiro estava mais racional. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos três anos, essa avaliação permanece?
Eu não disse que ele era mais racional, mas que ele era racional mesmo quando tinha baixa informação. Tipicamente, o cidadão médio brasileiro, inglês ou americano é ignorante das coisas da política, mas é racional na medida em que tenderá a apoiar aqueles [candidatos] que, a seus olhos, terão contribuído para a melhoria do seu bem estar em qualquer dimensão.
Isso, contudo, não é uma norma que se aplica a qualquer eleitor. Dentro do eleitorado, existem o que a gente chama de core voters, que são os eleitores que têm uma grande identidade programática com algum partido ou ideologia. No Brasil, setores ligados, por exemplo, ao sindicalismo urbano, a movimentos sociais rurais são core voters do PT. Independente do PT ter produzido bem estar ou mal estar, eles são leais.
Aqueles eleitores que não têm lealdade com algum partido ou posição ideológica vão se mover de uma forma mais livre. Esse eleitor vai votar com o bolso no sentido mais ampliado da expressão.
A economia já dá alguns sinais de retomada e a expectativa é que isso se sustente até as eleições. Qual é o efeito disso para o resultado eleitoral?
Tem uma dúvida que se coloca que é a seguinte: a quem atribuir a culpa pelo descalabro econômico? A economia está em movimento, mas há custos sociais consideráveis que a população arcou. O eleitor vai atribuir aos governos do PT, notadamente ao governo Dilma, a culpa por essa hecatombe? Eu diria que sim.
Certas pessoas do eleitorado poderão atribuir um pouco ao governo atual e a coalizão que dá apoio a esse governo alguns desses custos. De qualquer maneira, eu não acredito que isso cumpra algum papel significativo, porque não há a menor perspectiva do atual governo ser candidato à reeleição, nem que a economia melhore substancialmente.
Parte da estratégia do ex-presidente Lula tem sido lembrar os resultados econômicos e sociais de seu governo, e criticar as medidas adotadas pela equipe de Temer. Essa nostalgia dos anos dourados da gestão petista pode impactar as eleições?
Essa é uma narrativa que é acolhida e divulgada por aquele eleitorado que tem forte lealdade ao PT e ao Lula. Então, sob quaisquer circunstâncias, esse setor, que representa no mínimo 25% da população, é, de certa maneira, blindado desses sinais da economia, porque ele tem uma lealdade que transcende tudo isso.
Mas a questão é a seguinte: 20% ou 25% não elege ninguém em eleições majoritárias. O PT conseguiu chegar ao poder justamente porque transcendeu seu grupo de core voters. Quando o PT e o Lula conseguiram conquistar o eleitor flexível de baixa lealdade programática, é que se tornaram viáveis para alcançar a Presidência. É esse setor que vai definir a próxima eleição.
Esses 25% que são leais ao lulo-petismo necessariamente vão votar no candidato que eventualmente substitua o Lula nas eleições? Ele ainda transfere votos como fazia antigamente?
Muito do que se projeta para o ano que vem é baseado em pesquisas que são feitas agora. Nisso, o Lula tem aparecido na dianteira com 30%, quase 40% dos votos. Isso, fundamentalmente, revela a taxa de recall do que efetivamente apoio eleitoral. O que se está medindo é quem já é conhecido. Isso não significa apoio efetivo. O jogo vai ter outra dinâmica no ano que vem. Em termos da capacidade de transferência de votos, no caso do Lula, isso já mostrou seu efeito. Mas o jogo que será jogado é outro.
Então, o recall é a explicação para o fato de que Lula e Bolsonaro (que é deputado há 27 anos) lideram as pesquisas de intenção de voto apesar da ânsia por renovação política?
No caso do Lula, sim. Do Bolsonaro, menos. De qualquer maneira, os dois têm uma taxa de rejeição muito elevada. Mas candidaturas com esse perfil de candidatos só se tornam viáveis quando o centro político entra em colapso.
Isso aconteceu só uma vez no Brasil e foi nas eleições municipais do Rio de Janeiro. Com os sucessivos escândalos envolvendo o PMDB do Rio de Janeiro e consequente colapso do centro, a campanha ficou polarizada entre o bispo [Marcelo Crivella (PRB), que acabou eleito] e um parlamentar de extrema esquerda [Marcelo Freixo (PSOL)]. Com o colapso do centro, o eleitor foi forçado a uma escolha binária, aqueles que não fizeram isso ou anularam o voto ou não compareceram às urnas.
Se isso acontecesse no nível nacional, em uma polarização entre Lula e Bolsonaro, haveria uma quantidade enorme de votos em branco e muitos eleitores sendo forçados a votar em um porque acham o outro pior ainda.
Esse cenário existe, mas é de baixa probabilidade porque o centro não entrou em colapso no Brasil, muito menos em São Paulo [que é o maior colégio eleitoral]. Qualquer candidato desse centro que não esteja marcado pela Operação Lava Jato tem chances de chegar ao segundo turno.