Crises do governo Bolsonaro no primeiro ano (EXAME/Reuters/Montagem/Exame)
Clara Cerioni
Publicado em 22 de dezembro de 2019 às 09h00.
Última atualização em 22 de dezembro de 2019 às 10h00.
São Paulo — Se o governo de Jair Bolsonaro fosse um casamento, como ele costuma declarar, a relação seria vista como turbulenta para um primeiro ano de união.
Perto de completar doze meses no cargo, a avaliação negativa de sua gestão está em 38%, um salto de 11 pontos desde abril, contra aprovação em 29%, segundo a última pesquisa da CNI/Ibope.
Pelo menos parte disso pode ser atribuído a alguns episódios de forte tensão. Três deles dominaram os debates e, em duas situações, tomaram as ruas: o contingenciamento na educação, as crises no meio ambiente e o rompimento com o PSL.
Segundo os entrevistados pela CNI-Ibope, depois de saúde, tema historicamente desafiador, meio ambiente e a educação são as duas piores áreas de atuação do governo, com desaprovação de 54% e 51%, respectivamente.
Dentre os ministros que são mais conhecidos pela população, aqueles com avaliação mais negativa, segundo o Datafolha de dezembro, também são Ricardo Salles, da pasta do Meio Ambiente, com 28% de reprovação, e Abraham Weintraub, à frente da Educação, com 31%.
Veja a retrospectiva de EXAME das principais complicações dos episódios.
Assim que assumiu o Ministério da Educação (MEC), em abril, o ministro Abraham Weintraub contingenciou recursos tanto da educação básica quanto das universidades federais em meio à frustração de receitas previstas.
Ao menos R$ 2,4 bilhões para programas da educação infantil ao ensino médio foram bloqueados. Ele também anunciou um contingenciamento de 30% no orçamento de universidades federais que promovessem “balbúrdia” e tivessem desempenho acadêmico abaixo do esperado.
Além do corte no repasse para as federais, 3,4 mil bolsas para estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também foram suspensas.
Todas as alterações foram anunciadas com dias de diferença em uma área que já era vista como foco de problemas após a passagem de Ricardo Vélez, indicação de Olavo de Carvalho, pela pasta.
O caldeirão levou estudantes e simpatizantes da causa às ruas de 190 cidades, incluindo todas as capitais, em 15 de maio, no maior protesto registrado neste primeiro ano de governo. Nos meses seguintes, mais mobilizações aconteceram pelo país, como em 30 de maio e 13 de agosto.
Apesar de menor aderência nas ruas, em setembro o MEC anunciou o descontingenciamento de de cerca de R$ 1,990 bilhão no orçamento da pasta.
Em junho, a Capes também bloqueou outras 2,7 mil bolsas de pós-graduação, o que resultou em 6 mil financiamentos suspensos. Já em novembro, cerca de 2,4 mil já haviam voltado à ativa e todos os recursos haviam sido descontingenciados.
A Câmara dos Deputados divulgou no fim de novembro um relatório prévio, de 265 páginas, feito por uma comissão parlamentar que indicou paralisia tanto no planejamento quanto na execução de políticas públicas por parte do MEC.
Na lista dos problemas identificados estão desde a falta de ações concretas para o fomento da alfabetização até a alta rotatividade de funcionários comissionados. O MEC alega que programas serão lançados em breve e que o descontingenciamento foi recente.
A coordenadora da comissão, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), avaliou 2019 como um ano perdido na educação.
Weintraub "faz opções ideológicas todos os dias, diz publicamente que está mais preocupado em perseguir fulano e sicrano do que pensar na educação, e cruza os braços. Parece que não é com ele a situação da educação no Brasil”, disse.
Em julho, o governo começou a ser pressionado pela alta nos dados de desmatamento na floresta amazônica, conflito que levou à exoneração do presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão.
Bolsonaro, que vinha desde a campanha ecoando uma retórica anti-ambiental, acusou os dados do Inpe de serem “mentirosos” e insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.
Em agosto, a crise se agravou com a alta nas queimadas da floresta, cujas imagens rodaram o mundo causando revolta e chamando a atenção de celebridades e lideranças
A tensão colocou em cheque até a aprovação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, após um embate de Bolsonaro com o presidente da França, Emmanuel Macron.
Segundo o Prodes, sistema de satélites que faz o monitoramento anual do desmatamento por corte raso na região, entre 1º de agosto de 2018 e 31 de julho deste ano, o desmatamento na floresta amazônica brasileira cresceu 29,5% sobre o período imediatamente anterior. Foi o pior número em 11 anos.
Com toda a repercussão negativa, o ministro Ricardo Salles anunciou recentemente a intenção de reduzir o desmatamento em 2020 e eliminar o desmate ilegal. Ele não divulgou, no entanto, metas ou prazos
Já o presidente Bolsonaro afirmou que não é possível acabar com o desmatamento e com as queimadas no Brasil, já que elas se tratam de uma questão “cultural”.
O governo também segue aventando propostas vistas com preocupação por ambientalistas, como a liberação de mineração em terras indígenas.
Se não bastasse o desastre na Amazônia, em novembro o litoral nordestino ficou tomado de manchas de petróleo, de origem ainda desconhecida.
Elas se espalharam pelos principais pontos turísticos da região, incluindo as praias de Ponta Grossa, Redoma e Jericoacoara, no Ceará, Boa Viagem, Porto de Galinhas e Praia dos Carneiros, no Recife, e a Foz do Rio São Francisco, em Sergipe.
Segundo o Ibama, este é o maior acidente ambiental da história do litoral brasileiro em extensão.
Sem um plano de ação para conter o avanço do óleo, os moradores da região entraram em campo para conter os estragos. Em imagens que viralizaram nas redes sociais, voluntários recolhem o óleo com as próprias mãos.
Grande parte dos registros mostra que a população não estava usando proteções adequadas para o manuseio, como macacão de corpo inteiro, máscara e botas e luvas de borracha grossa.
A exposição social, que pode acarretar em problemas de saúde ao longo dos anos, intensificou as críticas de omissão do governo.
No meio desta crise, Salles demorou 41 dias para acionar o Plano Nacional de Contingência do governo federal. O documento, elaborado em 2013 para lidar com vazamentos de petróleo em águas brasileiras, designava a Marinha como “coordenadora operacional” das ações de combate às manchas.
Por conta da inércia, há diversos movimentos tentando o afastamento de Salles, por considerarem que ele cometeu crimes de "omissão, negligência, leniência, inépcia, inação, inércia e prevaricação".
Até agora, segundo o Ibama, 724 localidades foram afetadas pelo óleo, inclusive praias do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. 72% dos municípios do litoral nordestino tiveram praias atingidas.
Ao longo de mais de trinta anos de carreira na política, Bolsonaro já passou por oito partidos e não ficou em nenhum.
Na época da eleição, ele fez um acordo com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, para concorrer em sua sigla - e acabou ajudando a eleger a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados.
Logo no início do ano, em fevereiro, um dos principais aliados de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, foi exonerado do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência, após ataques de Carlos Bolsonaro.
Bebianno foi coordenador da campanha eleitoral do atual presidente e presidiu o PSL no período. Ele foi o responsável legal por repasses para candidaturas pouco competitivas em Pernambuco, que ficaram conhecidas como laranjas. O presidente Bolsonaro pediu investigação do caso.
No mesmo mês, Bivar já era alvo de uma investigação pela Polícia Federal e o Ministério Público que apurava se ele havia praticado caixa 2 durante sua campanha em Pernambuco.
Além deles, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, já foi indiciado pela PF pelo mesmo esquema, em Minas Gerais, quando ele foi presidente do PSL no estado durante as eleições do no passado.
Segundo a PF, ele tinha controle sobre o repasse de recursos do fundo partidário e pelo menos R$ 192.950,00 foram desviados no esquema.
Ele segue no cargo, apesar de Bolsonaro insistir no compromisso do seu governo contra a corrupção e colocar o tema como um dos motivos para sua crise com o PSL.
Em agosto, foi a vez da expulsão do deputado federal Alexandre Frota (SP), que vinha fazendo críticas à legenda e ao governo, e chegou a dizer que o presidente era sua “maior decepção”.
O deputado foi criticado, sobretudo, por se abster na votação do 2º turno da Previdência, o que foi considerado uma “traição” à sigla.
Tudo começou quando o presidente falou para um apoiador “esquecer” o PSL porque Bivar está “queimado pra caramba”. Dois dias depois do alerta ao apoiador, Bolsonaro e mais 21 parlamentares enviaram um requerimento solicitando uma auditoria nas contas públicas dos últimos cinco anos do PSL.
O documento chamava de “precárias” as prestações de contas do partido e afirmava, ainda, que “a contumaz conduta pode ser interpretada como expediente para dificultar a análise e camuflar irregularidades”.
Deputados ligados ao dirigente do partido atribuíram a operação a uma espécie de retaliação do presidente. O delegado Waldir, à época o líder do governo na Câmara, foi uma dos mais críticos à ação — o que rachou o partido em dois: a ala bolsonarista e a ala bivarista.
Começou, ali, uma guerra de listas para destituir Waldir da liderança da sigla e eleger um aliado. Foram mais de sete documentos diferentes avaliados pela Mesa Diretora da Câmara. Entre indas e vindas, a disputa final ficou entre Eduardo Bolsonaro, que assumiu de 21 de outubro a 11 de novembro, e Joice Hasselmann.
Eduardo e outros 17 deputados do PSL sofreram penalidades, entre advertências e suspensões das atividades partidárias, por infringir as regras de disciplina e fidelidade partidária previstas no estatuto e no Código de Ética da sigla. Isso fez com que Joice assumisse.
No entanto, a justiça suspendeu as punições e Eduardo retomou o posto. Até agora, ainda, não há uma certeza sobre quem ficará no comando da sigla.
Os aliados de Bolsonaro, no entanto, protocolaram um pedido para a criação de um novo partido, o Aliança pelo Brasil. Ainda não há assinaturas suficientes (são necessárias menos 491.967 assinaturas em, no mínimo, nove unidades da federação), mas o processo está em tramitação.
Por enquanto, o presidente segue sem partido. É uma situação sem precedentes na democracia brasileira - mas situações inéditas na democracia não faltaram neste um ano de Bolsonaro.