Hospital de campanha contra a covid-19 em SP: revista britânica The Economist critica o fato de medidas contra o coronavírus terem se tornado assunto "polêmico" no Brasil (Amanda Perobelli/Reuters)
Da Redação
Publicado em 29 de maio de 2020 às 09h28.
Última atualização em 29 de maio de 2020 às 10h10.
A revista britânica The Economist, uma das mais conceituadas publicações de economia e liberalismo econômico no mundo, publicou em sua última edição uma reportagem sobre a situação da pandemia no Brasil, que intitulou como uma "tragédia tropical".
Na reportagem, a revista afirma que o Brasil "está perdendo a batalha" contra o coronavírus e criticou a falta de coordenação entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores e prefeitos no combate à pandemia.
"O país entrou na pandemia com algumas vantagens. Por causa de Jair Bolsonaro, as está desperdiçando", diz o texto.
O Brasil tem hoje 438.238 casos confirmados e 26.754 óbitos de coronavírus, pouco mais de 25.000 casos e 1.000 óbitos a mais do que quando a Economist escreveu o texto. Também é citado um estudo da Universidade Federal de Pelotas, feito em parceria com o Ministério da Saúde, que afirma que o Brasil pode ter sete vezes mais casos de coronavírus do que os confirmados.
A revista britânica afirma que a curva de casos de covid-19 no Brasil se assemelha a "uma pipa" devido ao rápido crescimento, e lembra que a Organização Mundial da Saúde decretou a América do Sul como novo epicentro da pandemia no mundo, em grande parte devido à crescente de casos no Brasil.
A Argentina, segundo maior país da região, tem 14.702 casos e 508 mortes. São Paulo, com população próxima à da Argentina (na casa dos mais de 40 milhões de habitantes), tem mais de 95.000 casos e 6.980 óbitos, segundo o boletim do Ministério da Saúde desta quinta-feira, 28.
Dentre as "vantagens" que a Economist considera que o Brasil tinha no começo da pandemia está a abragência do Sistema Único de Saúde (SUS), que é universal e gratuito e inspirado no NHS britânico.
A Economist também elogiou o sistema político brasileiro que permite que governadores decretem quarentena e restrições, o que fez com que a maior parte dos estados brasileiros fechasse o comércio não essencial logo no fim de março, reduzindo o crescimento da curva de casos naquele momento.
Contudo, a ação rápida não foi acompanhada por novas medidas e por uma boa comunicação dos governos com a população, diz a publicação, que aponta o desrespeito à quarentena por parte da população.
Atualmente, a taxa de isolamento brasileira é de 41,2%, segundo a startup de monitoramento de geolocalização In Loco. Em abril, mesmo com todos os estados em quarentena, o isolamento ficou abaixo de 50% em quase todos os dias úteis.
O texto também levanta os impactos da pandemia entre a população mais pobre, que tem menos acesso ao sistema de saúde e a condições de isolamento.
"Quanto mais fraco é o sistema de saúde, mais ele precisa de proteção de lockdowns rigorosos. Mas o Sr. Bolsonaro fez deles um assunto polêmico", escreve a The Economist.
A reportagem cita as vezes em que o presidente aparece em "protestos semanais em Brasília" que são "contra quarentenas" e aponta que, em vez de aplaudir os profissionais de saúde das janelas — como se tornou comum em países europeus —, a covid-19 virou sinal de conflito e polarização para os brasileiros.
Apesar da liberdade de governadores decretarem medidas em seus estados, a Economist avalia que o "a atitude do Sr. Bolsonaro causa mais danos" porque o sistema federalista do Brasil é mais centrado no presidente do que o dos Estados Unidos, por exemplo.
A revista afirma que Bolsonaro "crítica o establishment médico e os conselhos dados por eles" e lembra que dois ministros da Saúde, ambos médicos, saíram do governo desde o começo da crise -- primeiro o ministro Luiz Henrique Mandetta e, em seguida, Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo.
Ambos foram pressionados pelo presidente a ampliar o protocolo de uso de remédios à base de cloroquina e hidroxicloroquina, substâncias que começaram a ser testadas contra o coronavírus mas cujos testes não evoluíram.
O presidente americano, Donald Trump, também defendeu largamente as substâncias. Nesta semana, a OMS cancelou um teste que faria com hidroxicloroquina e governos de Bélgica, França e Itália interromperam seu uso em tratamentos de covid-19.
O texto da Economist cita ainda como ponto negativo a falta de coordenação entre as esferas estaduais, municipais e federais no combate à pandemia.
Como sinal da polarização gerada por essas desavenças, a revista cita uma fala do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de que implementar um lockdown "significaria um confronto claro com milhões de brasileiros" que apoiam Bolsonaro.
O estado de São Paulo vinha sendo pressionado a decretar um lockdown, sobretudo na região metropolitana, como fizeram estados como Maranhão e Ceará. Após um feriado antecipado neste mês, que a Economist cita na reportagem, o governo estadual anunciou nesta semana medidas para flexibilizar a quarentena na qual entrou no fim de março.
As regiões serão divididas em grupos com regras diferentes para cada um a depender de fatores como o número de leitos disponíveis e o número de novos casos e óbitos.
A capital paulista, epicentro do coronavírus no Brasil e com mais da metade dos casos de todo o estado, está no grupo 2, de modo que poderia começar a abertura de parte do comércio não-essencial.
O prefeito Bruno Covas (PSDB) disse ontem que faltam alguns protocolos a serem aprovados antes que a flexibilização comece, mas, ainda assim, não negou que a reabertura deve acontecer nas próximas semanas.
Para a Economist, estados mais ricos, como São Paulo, estão conseguindo lidar melhor com a pandemia, ao contrário de casos como na região Norte, em que o número de casos subiu em estados como Pará e Amazonas.