Deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da Oposição na Câmara (Pablo Valadares/Agência Câmara)
Alessandra Azevedo
Publicado em 2 de outubro de 2021 às 09h00.
Última atualização em 2 de outubro de 2021 às 10h54.
Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) acredita que as manifestações deste 2 de outubro são um passo a mais para a união não só da esquerda, mas de todos os partidos e movimentos que pedem o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Mais do que isso, ele afirma que a esquerda tem trabalhado unida no Congresso e pode chegar a uma convergência para as eleições de 2022.
Em entrevista à Exame, Molon conta que os partidos da oposição não atuam apenas tentando barrar os projetos do governo, mas têm uma agenda própria para o país. "Nós não podemos apenas ser contra o que Bolsonaro propõe, é preciso apresentar claramente para o país o que nós defendemos", diz. No topo das prioridades, está a ideia de uma "retomada econômica verde", com geração de empregos e sustentabilidade andando juntas.
Veja os principais trechos da entrevista:
Neste sábado acontecem manifestações contra o governo Bolsonaro, pelo impeachment do presidente. Quais são as expectativas?
A pauta é fora Bolsonaro, impeachment do presidente. Eu acho que isso une mais do que a esquerda, une os democratas do país que temem pela democracia brasileira. Bolsonaro já deu várias provas de que não tem compromisso com a democracia e pode a qualquer momento implantar um regime autoritário. Por isso, é fundamental afastá-lo da Presidência e proteger a democracia brasileira.
Acha que houve alguma mudança de postura do presidente depois do 7 de setembro e da carta feita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer?
Acho que a natureza dele (Bolsonaro) permanece a mesma. Continua sendo o mesmo autoritário de sempre. Fez um recuo tático, deu um passo atrás, mas não tenha a menor dúvida de que a qualquer momento ele voltará a avançar contra a democracia. Ele não se convenceu da importância da democracia, ele temeu pela perda do mandato. Quando ele sentiu que o mandato corria risco, deu um passo atrás. Quando se sentir seguro novamente para voltar a avançar, ele o fará.
E a união com o centro é possível nessa pauta?
Acredito que é possível uma união com o centro e, inclusive, com partidos e movimentos de centro-direita ou de direita comprometidos com a democracia. Acho que o único setor que não cabe neste momento, com o qual não podemos e não devemos contar, é com a ultradireita, aquela que não tem compromisso com a democracia, mas com Bolsonaro e seus arroubos. Acho que essas manifestações têm o potencial de unir todos os democratas, independente de sua coloração partidária ou de sua posição no espectro político-ideológico.
Recentemente houve a manifestação do MBL, também pedindo o impeachment de Bolsonaro, mas não reuniu muita gente da esquerda. Acha que a manifestação de 2 de outubro vai ser diferente?
Acho que essa vai dar mais gente, mas acredito que ainda seja uma etapa na acumulação de forças. Eu defendo que a gente tenha uma outra manifestação, em 15 de novembro, e que seja convocada por todos os movimentos e partidos que se colocam contra Bolsonaro e em defesa da democracia, para que seja ainda mais amplo do que esses, que nós já conseguimos ampliar bastante.
Unindo o maior número possível de movimentos, acha que aumenta a pressão no Congresso e tem chance de desengavetar um pedido de impeachment?
Acho que é um processo de acumulação de forças. Não acho que seja um único evento ou manifestação que vai desencadear o impeachment, mas a crescente pressão sobre o Congresso, a crescente mobilização da sociedade brasileira e a pressão das ruas tem, sim, o potencial de, em algum momento, fazer essa pauta destravar.
Tem muita gente que fala que a esquerda ainda está fragmentada. Isso é verdade, no seu ponto de vista?
A esquerda ainda tem hoje mais de uma candidatura à Presidência da República. Do ponto de vista eleitoral, de prognósticos eleitorais, ainda não há uma unidade plena da esquerda. Mas eu acho que isso é uma segunda etapa, é um segundo momento. Neste momento, a esquerda está unida, tanto na sua atuação no Congresso quanto na sua participação em atos como esses. As eleições estão muito distantes. Temos um ano para tentar sedimentar um caminho que nos unifique.
Será possível chegar a um consenso, lidar com as divergências, ou a esquerda vai ter que se dividir?
Eu espero que a gente consiga não apenas lidar com divergências, mas construir uma unidade cada vez mais sólida. Acho que a gente aprendeu muito de 2019 para cá e vem construindo uma unidade cada vez mais forte. Percebo isso claramente dentro da Câmara, onde sou líder da Oposição. Percebo atitude dos partidos todos de oposição muito unida, respeitosa e fraterna. Tenho esperança que isso transborde para as eleições de 2022.
O que ainda une a esquerda, além do impeachment?
Primeiro, a defesa ferrenha da democracia contra qualquer ataque autoritário, qualquer violação dos direitos fundamentais dos brasileiros, qualquer tentativa de destruir as instituições. Segundo, a luta contra os retrocessos que Bolsonaro tenta implementar nos campos econômico e social. Estamos contra o desmonte do ordenamento jurídico brasileiro na área ambiental, dos direitos dos trabalhadores, contra a tentativa de desmonte da máquina pública, que é essa PEC 32, esse desastre. E, por fim, um projeto de país.
Qual seria esse projeto? O que a gente pode esperar da esquerda?
A luta contra os retrocessos de Bolsonaro nos unifica, mas não é apenas isso. Nós não podemos apenas ser contra o que Bolsonaro propõe, é preciso apresentar claramente para o país o que nós defendemos. Uma coisa que a esquerda vai tentar retomar, discutir e apresentar é um projeto de retomada econômica que passe pela economia verde.
Como seria isso?
É a ideia de que é preciso fazer o país voltar a se desenvolver, gerar emprego e renda, mas de uma forma que não agrave os problemas ambientais e, portanto, o aquecimento global. É um tema que está sendo discutido no mundo todo e estamos formulando uma proposta para isso no Brasil também.
Como funciona?
Tem uma pegada econômica de geração de riqueza, mas tem uma pegada social também, porque é redutor das desigualdades socioambientais. Visamos mais e melhores empregos para pessoas de baixa renda, empregos mais qualificados, mais bem remunerados, que é a característica dos empregos verdes no mundo todo. Também defendemos investimento pesado em transição energética, em criação de uma infraestrutura que seja ambientalmente sustentável, de transporte, de moradia. Uma aposta na bioeconomia, aproveitando os ativos da Amazônia de forma sustentável, mantendo a floresta de pé. Um novo uso e aproveitamento da terra, com reflorestamento e recuperação de pastagens degradadas. É uma nova visão sobre a economia que a esquerda deve apresentar para as eleições de 2022.
Em relação a agenda econômica do governo, qual é o plano?
Estamos unidos contra as propostas que pioram o ordenamento jurídico brasileiro. A reforma administrativa é uma tragédia para o serviço público e para o Estado brasileiro, um desmonte completo da máquina pública. Também estamos unidos contra a PEC dos precatórios, que é um calote que o governo Bolsonaro quer dar.
No caso dos precatórios, o que a oposição defende que seja feito?
Nós defendemos o aumento do Bolsa Família, seja com o nome de fantasia que se quiser dar, sempre defendemos auxílio emergencial, inclusive de 600 reais. Mas entendemos que isso deve ser feito com uma política que não seja de dar calote em quem tem a receber do Estado brasileiro depois de lutar anos na Justiça por esse direito. Por que não mexer nas emendas do orçamento secreto? Por que não discutir excepcionalmente um orçamento de guerra este ano que viabilizasse aumento do Bolsa Família? Por que não pensar em excepcionalizar uma parte desses recursos do teto de gastos?
Acha que a proposta de tirar os precatórios do teto poderia ser feita?
Poderia ser discutido isso ou pelo menos uma parte. Calote não é razoável, acaba com a credibilidade do país. Não somos contra se buscar uma solução para o financiamento dos programas sociais, somos contrários a tentar financiar dando calote. Não pode tentar resolver o problema criando outro.