Guido Mantega: é réu sob acusação de ter atuado para beneficiar uma empresa em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de março de 2018 às 14h16.
Brasília - A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que sejam juntados ao inquérito que investiga o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega parte dos e-mails recém entregues por Marcelo Odebrecht à justiça.
As mensagens, diz a defesa de Marcelo, esclarecem de "modo inequívoco" como seu deu a suposta participação do então ministro na aquisição, pela Previ (Fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), do empreendimento "Parque da Cidade", na zona sul de São Paulo, comprado em 2012 por R$ 817 milhões da Odebrecht. O esquema teria envolvido um repasse de R$ 27 milhões ao Partido dos Trabalhadores (PT).
"Na busca de elementos relativos ao objeto das ações penais e inquéritos em curso perante o Supremo Tribunal Federal, foram encontradas mensagens eletrônicas complementares aos fatos em apuração nestes autos", disse a PGR.
O documento é intitulado "Crédito OR: Intervenção de Guido Mantega sobre a Previ: Aquisição de Shopping e Torre Comercial no empreendimento Parque da Cidade (BMX)", afirmou Raquel no pedido ao ministro Ricardo Lewandowski, relator do inquérito.
O esquema foi relatado por colaboradores da Odebrecht e deu origem ao inquérito que investiga Mantega, os deputados Carlos Zarattini (PT), João Carlos Bacelar (PR) e o ex-deputado Cândido Vaccarezza, então do PT, aberto no início de 2017.
De acordo com os delatores, em 2012, Zarattini, Bacelar e Vaccarezza, todos deputados à época, solicitaram a Odebrecht Realizações Imobiliárias (OR) o pagamento de valores ilícitos em contrapartida a atuação dos parlamentares em prol da aprovação final, no âmbito da Previ, da aquisição pela empresa da torre comercial e de shopping no empreendimento "Parque da Cidade", cuja construção e comercialização era de responsabilidade da OR. O esquema teria tido o aval e atuação de Mantega. Do valor combinado, R$ 27 milhões, R$ 5 milhões seriam destinados de forma específica a Carlos Zarattini e ao então parlamentar Cândido Vaccarezza.
Nos e-mails entregues por Marcelo em fevereiro deste ano, o ex-diretor de Realizações Imobiliárias da Odebrecht Paulo Melo escreve ao empresário que "foi fechada a precificação" do empreendimento em R$ 890 milhões. "A intermediação será da ordem de 3%, sendo R$ 4 MM liquidados até outubro e o restante pós outubro, com saldo em 2013. Já alinhado com o Líder (GM)". GM seria abreviatura para o nome de Guido Mantega.
Marcelo respondeu: "Já alinhado com o líder (GM)? GM meu amigo? Se eh com GM vou precisar confirmar com ele. Posso dizer que foi 3%?". Melo fala em seguida: "Exatamente, GM que esteve pessoalmente com vc. Ele solicitou o valor comentado por PA para desatinação aí; critério dele. Acho que pode comentar ps. 3% com ele sim. Seria a até positivo para consolidar o compromisso".
"Como se pode verificar, o então Ministro da Fazenda Guido Mantega, embora não tenha tido a iniciativa de solicitar diretamente ao colaborador os valores alocados ao Projeto BMX, tinha ciência plena das tratativas entabuladas por outros Colaboradores do Grupo Odebrecht com pelo menos dois então deputados federais (Cândido Vacarezza e Carlos Zaratini), avalizou estas condutas quando abordado pelos então deputados, e em seguida orientou o Colaborador, ora peticionário, quanto à re-partilha (sic) de valores", dizem os advogados de Marcelo.
Por meio de nota, o deputado Zarattini afirmou que todas as doações recebidas em favor de suas campanhas eleitorais foram legais, não havendo recebimentos não contabilizados. "Desconheço e-mails trocados entre executivos da Odebrecht, desconfio da veracidade dos mesmos, entregues sem a preservação da cautela de prova. E não fui copiado ou destinatário das mensagens."
Procuradas pela reportagem, as defesas dos outros envolvidos não retornaram até a publicação desta matéria.
A Previ, por meio de assessoria de imprensa, afirmou que "não é parte investigada no inquérito e peticionou ao relator solicitando autorização para acompanhar de perto a investigação".
"Não coadunamos com atos ilegais e repudiamos a eventual utilização do nome da Previ para suposta obtenção de favores e/ou benefícios ilícitos. Caso fique comprovado que o nome da Previ foi utilizado para vantagens indevidas, serão adotadas todas as medidas para reparação de danos. Os investimentos da Previ, inclusive os do segmento imobiliário e especificamente a aquisição do Shopping e da torre Parque da Cidade, encontram-se de acordo com a resolução 3792 do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, e obedecem as Políticas de Investimentos da Entidade".
A Previ ainda afirma que está à disposição da Justiça e das instituições brasileiras para prestar todo e qualquer esclarecimento necessário, "à luz dos preceitos constitucionais e legais". "A Entidade segue confiante na solvência e liquidez de seus planos e firme na sua missão de pagar benefícios aos seus mais de 200 mil associados", diz a nota da Previ.
Nesta segunda-feira (12), Guido virou réu no âmbito da Operação Zelotes. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, aceitou a denúncia contra o ex-ministro, tornando Mantega réu sob acusação de ter atuado para beneficiar uma empresa em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), uma espécie de tribunal administrativo, no período em que era titular da pasta. Além de Mantega, outros 12 denunciados viraram réus pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.