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A lua de mel de João Doria com São Paulo acabou?

Apesar de o prefeito continuar fazendo sucesso nas redes sociais, reunindo 2,9 milhões de seguidores em sua página no Facebook, a aprovação do governo caiu

DORIA: o prefeito que tem como slogan o “acelera” tem sido cobrado pela lentidão nas decisões   / Nacho Doce/Reuters (Nacho Doce/Reuters)

DORIA: o prefeito que tem como slogan o “acelera” tem sido cobrado pela lentidão nas decisões / Nacho Doce/Reuters (Nacho Doce/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2017 às 07h29.

Última atualização em 24 de julho de 2017 às 11h15.

Se os primeiros 100 dias da gestão do prefeito João Doria em São Paulo foram de muito otimismo e de popularidade em alta, os 100 dias seguintes, completados na quarta-feira 19, deixaram claro que o buraco é mais fundo do que parecia.

De um lado, Doria conseguiu angariar mais de 600 milhões de reais em doações empresariais e mantém o ritmo acelerado de publicações nas redes sociais, divulgando as ações da prefeitura.

Por outro lado, a relação com o setor privado começa a ser alvo de críticas — só 3,6% das doações foram de fato concretizadas — o nível de investimentos está muito aquém dos 5,5 bilhões previstos inicialmente e o prefeito está imerso em questionamentos sobre suas ambições presidenciais.

Apesar de o prefeito continuar fazendo sucesso nas redes sociais, reunindo 2,9 milhões de seguidores em sua página no Facebook, a aprovação do governo caiu.

Doria está com 41% de aprovação, ante 44% que consideravam seu governo bom ou ótimo em fevereiro, de acordo com a última pesquisa Datafolha, realizada em 5 de junho. A desaprovação cresceu, passando de 13% no começo da gestão para 22%. Ainda são números bons, mas a queda é um sinal de alerta.

Esta semana foi especialmente difícil para Doria. Na sexta-feira 21, guardas municipais tentaram barrar a distribuição de sopas para moradores de rua, alegando que não é permitida a distribuição gratuita de alimentos manipulados.

Após ser questionado sobre o ocorrido, o secretário de Segurança Urbana, José Roberto de Oliveira, liberou a distribuição da sopa e o prefeito exigiu que a regulamentação municipal que trata sobre o assunto seja revista.

Já na quarta-feira 19, uma reportagem da CBN apontou que moradores de rua foram acordados pela equipe de limpeza da prefeitura com jatos de água na praça da Sé, após a noite mais fria do ano.

A prefeitura nega o ocorrido e informou em nota que o procedimento comum é abordar as pessoas e solicitar a retirada dos pertences do local a ser limpo e que determinou que as empresas prestadoras de serviço apurem se houve intercorrência.

Em maio, vale lembrar, a prefeitura, depois de uma ação de desmonte da Cracolândia, demoliu prédios com pessoas dentro e solicitou à Justiça permissão para realizar a internação compulsória de usuários de crack, proposta que foi condenada pelo Ministério Público e extinta pelo Tribunal de Justiça.

No fim das contas, Doria tem se deparado com dois tipos de problemas. O primeiro: o empresário que virou prefeito sofre cada vez mais com as amarras típicas do setor público.

Por estilo de gestão e personalidade, Doria concentra as decisões e delega pouco, o que tende a atravancar os projetos. Um exemplo está na secretaria de inovação e tecnologia, criada justamente para modernizar o funcionamento da cidade. Um projeto recente foi reduzir de 100 dias para sete o tempo necessário para abrir uma empresa na capital paulista.

Mas há tantas etapas burocráticas a serem cumpridas, algumas impostas pelo próprio prefeito, que a coisa não vai pra frente. “As ações de inovação dependem de articulação com várias outras secretarias, e a aprovação é difícil. O processo está andando mais devagar do que todo mundo gostaria”, afirma Silvio Genesini, colunista de EXAME Hoje e membro do Conselho Gestor da secretaria.

Um exemplo acabado dessa dificuldade de navegar nas águas do setor público: até junho, a prefeitura havia investido 250 milhões de reais no município, valor que equivale a 4,5% do total previsto no orçamento para o ano inteiro, na ordem de 5,5 bilhões de reais. A gestão já informou que empenhou apenas 1 bilhão de reais em investimentos para 2017, e que os 75% restantes estão congelados. “Tem duas razões. Boa parte do investimento previsto no orçamento dependia de transferências do governo federal, que não estão acontecendo no ritmo esperado. Outra diz respeito à crise. O país não está crescendo dentro das expectativas e houve a necessidade de fazer ajustes de gastos”, afirma o secretário municipal da Fazenda Caio Megale.

Alguns gastos também haviam sido mal dimensionados. “Muitos gastos obrigatórios não estavam previstos. Houve uma certa forçação de barra para que coubesse um subsídio menor a alguns serviços, mas o orçamento para áreas como saúde, educação e coleta acabou ficando muito tímido, e uma parte do orçamento que estava destinado a investimentos teve que ser redirecionada para o custeio de atividades essenciais”, afirma o secretário.

“Também é verdade que nós não iniciamos o ano a todo vapor. Nós precisávamos reavaliar alguns projetos, havia cerca de 70 obras iniciadas ou contratadas, e isso demorou um certo tempo.”

Para os quatro anos de gestão, foram traçadas 53 metas, divididas em 71 projetos diferentes. A versão final do programa de metas foi apresentada em 10 de julho, após mais de 23.000 sugestões terem sido enviadas pela sociedade. O custo total do plano é de 16,7 bilhões de reais.

Só que 45% desse valor é atribuído a outras fontes de recursos, que não os recursos próprios da prefeitura. “Não se pode garantir que o dinheiro vai chegar. Se o programa de desestatização e parcerias se frustrar, nossa capacidade de investimento vai ser bem menor”, afirma Megale.

O orçamento total é bem mais enxuto do que o apresentado pela gestão anterior. Na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o programa de metas apresentado em 2013 estimava um custo total de 23 bilhões de reais para a execução do plano do governo (ou 29 bilhões de reais, com correção da inflação).

Haddad só cumpriu 55% das metas, mas ainda assim Doria precisaria executar tudo o que propôs para igualar seu antecessor. Um prefeito que tinha como slogan de campanha o “acelera” tem sido cada vez mais cobrado pela lentidão e pela falta de ambição.

Só em privatizações estão previstos 5 bilhões de reais, e outros 5 bilhões devem vir de ganhos em relação à gestão anterior, com 20% de redução de despesas operacionais, aumento de 10% na arrecadação com a dívida ativa e aumento de mais 10% no investimento estrangeiro direto, que deve ultrapassar os 13 bilhões de dólares ao longo dos quatro anos de gestão.

O dinheiro arrecadado com essas metas já cobriria os recursos que a prefeitura vai precisar realizar em investimento e custeio do programa de governo. Em nota, a secretaria de Gestão afirmou que “a gestão entregou um Programa realista, factível e responsável com as questões orçamentárias da cidade”, e que “a administração também precisará de recursos para pagar o déficit previdenciário, dívidas e os precatórios. Por essa razão, não pode canalizar todos os recursos para investimentos”.

As doações em análise

O segundo grande problema do prefeito: Doria é cada vez mais cobrado pelo tipo de relacionamento que tem construído com o setor privado, uma das bandeiras de sua gestão. A polêmica mais recente tem a ver com o Parque Augusta, área de 24.000 m² na área central da cidade. O terreno havia sido adquirida em 2013 pelas construtoras Cyrela e Setin, para a construção de um novo empreendimento imobiliário. Mas o local vinha sendo palco de intensos protestos que pediam que a prefeitura recuperasse a área para o lazer. Em abril deste ano, a prefeitura havia acatado a sugestão do Ministério Público de manter o parque e oferecer uma outra área da prefeitura para as construtoras.

No dia 2 de junho, o prefeito anunciou a criação de uma nova secretaria — que não estava prevista no início do mandato: a de Investimento Social. O objetivo da nova pasta é administrar as doações realizadas pelo setor privado aos cofres públicos. Para ficar à frente da pasta, foi escolhido Cláudio Carvalho de Lima, que deixou a vice-presidência da construtora Cyrela para se tornar secretário. A nomeação foi questionada, uma vez que a construtora tinha interesse direto em resolver o imbróglio sobre o Parque Augusta.

No dia 17 de julho, a prefeitura anunciou que o Parque Augusta será mantido, e que as construtoras, em troca, ficam com um terreno de 18.000 m² na região de Pinheiros. Os movimentos sociais criticaram a permuta, alegando que deve dar à prefeitura um prejuízo milionário. O Ministério Público ainda está avaliando o valor do terreno. A prefeitura, por sua vez, aponta que o acordo prevê contrapartidas das construtoras na ordem de 30 milhões de reais, que incluem a construção de uma creche e de outros equipamentos públicos.

As maiores dúvidas estão nas doações feitas à prefeitura. De acordo com planilha publicada no Portal da Transparência da prefeitura, até o dia 14 de julho, quando foi feita a última atualização, 629 milhões de reais já haviam sido doados para o município. O mecanismo é totalmente legal e possível. “Há um conjunto de normas municipais que autorizam a doação de bens e serviços, que começaram a ser construídas na gestão Marta Suplicy [2001-2005] e foram sendo aprimoradas. A atual gestão tem utilizado bastante esse recurso, contanto que as empresas interessadas em realizar essas doações não exijam contrapartidas”, afirma o jurista Guilherme Jardim Jurksaitis, professor da FGV-SP e mestre em direito do Estado. “É importante frisar que o fato de uma empresa doar algo não quer dizer que ela tenha interesses escusos”.

O problema é que muito foi anunciado, divulgado e publicado no Diário Oficial, mas pouco foi de fato entregue. Constam como “concluídos” no Portal da Transparência apenas 23 milhões de reais em doações, ou 3,6% do total. Além disso, há problemas no interesse público das doações que são aceitas. Constam na planilha mais de 726.000 reais em doações para a Secretaria de Governo, com itens entregues diretamente ao gabinete do prefeito. Entre eles, estão um freezer e um abastecimento de sorvetes da Unilever, um refrigerador e bebidas não-alcoólicas da Ambev e uma série de itens luxuosos de mobiliário, como uma mesa de jantar com cristal de 18.000 reais da Total Home e uma outra mesa de reuniões da loja Escinter que custa 36.000 reais.

Se é impossível prever como a gestão Doria vai se desenrolar pelos próximos quatro anos, os próximos 100 dias são mais fáceis de visualizar. No último mês, especialmente desde a condenação do ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá, o prefeito tem extrapolado os limites do município e investido em sua projeção nacional. Após Lula ter afirmado, na quinta-feira, que “Doria por enquanto não é nada” em termos de ameaça política para as eleições presidenciais de 2018, o prefeito respondeu que prefere “ser um nada do que um ladrão”, e não tem perdido oportunidades de criticar o petista. Além disso, tem comprado brigas dentro do PSDB, afirmando que o senador afastado Aécio Neves precisa ser afastado da legenda o quanto antes. Doria continua afirmando que não vai disputar as prévias presidenciais com o governador Geraldo Alckmin no ano que vem, e que seu objetivo é governar a cidade de São Paulo até 2020.

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