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Do escritório para o gabinete

Gian Kojikovski Quando Herbert Hoover assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 4 de março de 1929, os tempos eram de esperança. O país crescia num ritmo acelerado – havia dobrado o tamanho de seu Produto Interno Bruto desde o final da Primeira Guerra Mundial –, diminuía a desigualdade interna, tinha pleno emprego, baixa inflação, […]

JOÃO DORIA:  / Germano Lüders

JOÃO DORIA: / Germano Lüders

DR

Da Redação

Publicado em 23 de setembro de 2016 às 20h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

Gian Kojikovski

Quando Herbert Hoover assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 4 de março de 1929, os tempos eram de esperança. O país crescia num ritmo acelerado – havia dobrado o tamanho de seu Produto Interno Bruto desde o final da Primeira Guerra Mundial –, diminuía a desigualdade interna, tinha pleno emprego, baixa inflação, consumo em alta. Foi a época áurea que fez surgir o American Way of Life.

Empresário e consultor de sucesso no ramo de mineração, Hoover tornou-se um dos homens mais ricos do país e ficou conhecido como o “servidor público não eleito”. Foi ex-secretário de comércio por oito anos e viajou até a Bélgica prestar serviço voluntário durante a Primeira Guerra Mundial. Era um dos principais expoentes do Movimento pela Eficiência, uma moda crescente no começo do século 20 em todo o mundo que pregava que o setor público estava cheio de arestas que só poderiam ser aparadas por homens de negócios com experiência suficiente para resolvê-las. Hoover personificava essa competência. Hoover entrou para a história como um dos piores presidentes americanos.

É bem verdade que, sete meses depois de assumir, ele enfrentou a quebra da bolsa de 1929 – o termo “depressão” foi cunhado por Hoover. Ele obviamente não foi responsável pelo começo da crise, mas tomou atitudes desastradas na continuação, como subir tarifas sobre importações e exportações e aumentar o intervencionismo estatal. O desemprego chegou a 24,9%.

“A Grande Depressão exigia as habilidades de um mestre político, mas Hoover, que nunca havia se candidatado para um cargo público, se mostrou medíocre”, diz Michael Kazin, professor de história na universidade de Georgetown. Em 1933, Franklin D. Roosevelt, que já havia governado Nova York, assumiu a presidência derrotando Hoover e pôs em prática o New Deal, um divisor de águas fundamental para a recuperação do país. O resto é história.

O caso de Hoover não é uma sentença, mas é emblemático para pensar que, para o sucesso em um cargo executivo, precisa-se de mais do que habilidades que são úteis na gestão empresarial. “Uma empresa é uma monarquia. O governo funciona como uma República. Entender essa diferença é fundamental para que um empresário de sucesso se saia bem como administrador público”, diz Paulo Vicente Alves, professor de gestão empresarial da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.

As vantagens de um histórico empresarial na política estão em evidência na figura de dois candidatos pra lá de diferentes em 2016: João Dória, que tenta a prefeitura de São Paulo, e Donald Trump, que mira a presidência americana. Em suas campanhas, eles fazem questão de frisar sua incrível capacidade de trabalho, a familiaridade com momentos de pressão, a crença na meritocracia. “Os empresários normalmente trazem a habilidade de tomar riscos, de serem inventivos e não terem medo de tomar decisões”, diz Donald Levy, diretor do Siena College Research Institute, centro de pesquisas americano que faz o mais reconhecido ranking dos mais eficientes presidentes da história dos Estados Unidos.

No Brasil, o caminho mais comum é que políticos abram empresas – estações de rádio e TV, incorporadoras, fazendas – e não o contrário. Segundo levantamento Sonia Fleury, coordenadora do programa de estudos sobre a esfera pública, da FGV, dos 513 deputados brasileiros, 190 têm empresa, e outros 139 têm fazendas. Política e negócios, para eles, se misturam.

Uma estratégia utilizada tanto por Trump quanto por Doria é se apresentar, insistentemente, como outsider. “Não sou um político, sou um gestor”, é a frase que Dória não cansa de repetir. Tem funcionado e o candidato passou de 5 para 25 pontos nas pesquisas e lidera a corrida pela maior cidade do país. Trump segue a mesma estratégia. “O Trump é crítico da burocracia e da política em Washington e essa é boa parte do apelo que ele tem com os americanos”, diz Levy.

O exemplo positivo de empresário na política mais lembrado é o do ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg (um ferrenho crítico de Trump como empresário, político e ser humano, aliás). Ele é um gestor de sucesso nos ramos financeiro e de mídia, sexto homem mais rico do mundo e teve uma gestão elogiada à frente da cidade, que comandou por 12 anos (entre 2002 e 2013). Reduziu o déficit público de seis bilhões de dólares para um caixa positivo de três bilhões, diminuiu os índices de violência para a menor taxa de homicídios da história e melhorou a saúde pública.

“Bloomberg transformou de maneira visionária as abordagens que uma cidade deve tomar para garantir a saúde de sua população”, disse Linda Fried, reitora da escola de Saúde Pública Mailman, da Universidade de Columbia, em uma entrevista concedida ao final do mandato de Bloomberg para o jornal britânico Guardian. “Como prefeito, baseou-se em evidências e entendeu que 70% da saúde é criada fora do sistema de saúde. Assim, incentivou medidas como a proibição do fumo em estabelecimentos comerciais, que melhoram o retorno sobre o investimento feito na área”. Iniciativas baseadas em ampla análise de dados e abordagens pouco usuais se replicaram por outras áreas da administração pública e foram as responsáveis pelo sucesso de Bloomberg.

Primeiro, as eleições

Empresários americanos, na teoria, levam uma vantagem sobre os brasileiros. Por lá, enriquecer é sinal de sucesso e um feito que angaria votos. Tanto que, na atual corrida presidencial, Trump reluta em divulgar seu imposto de renda, segundo os críticos, para não revelar que é muito menos rico do que afirma. Por aqui, políticos fazem de tudo para esconder sua fortuna. Principalmente entre parcela mais pobre da população, existe a imagem de que um rico governaria para os ricos. “Empresários conhecem outros empresários e essas relações quase sempre são muito distantes do que o público pode ver e fiscalizar, gerando receio de boa parte dos eleitores”, diz Levy.

Essa rejeição pode ser atenuada, dependendo do marketing feito sobre a imagem do candidato. “Claro que existem estereótipos, mas a empatia tem muito a ver com a liderança e capacidade de comunicação, mais do que só com o lugar que a pessoa ocupa na sociedade”, diz o professor Paulo Vicente, da Dom Cabral. “Lula é um exemplo. Por muito tempo foi visto só como um sindicalista, mas modificou sua imagem para conseguir chegar à presidência”.

Doria tenta romper com essa rejeição na base da transparência. Declarou ter 180 milhões de reais na Justiça Eleitoral e, no debate entre os candidatos desta sexta-feira, respondeu sem pestanejar à adversária Luiza Erundina que paga 250.000 reais de IPTU. “Não vejo no que patrimônio pode influenciar positiva ou negativamente na decisão do eleitor”, afirmou Doria em entrevista a EXAME Hoje. Ainda assim, seus programas eleitorais fazem questão de ressaltar seu histórico escolar em escola pública, os dias em que não tinha o que comer. Não convém arriscar.

E depois?

O movimento de pessoas de fora do mundo político concorrendo a cargos públicos cresce em todo o mundo. No Rio de Janeiro, a professora universitária Carmem Migueles tenta ser prefeita pelo Partido Novo. Na Islândia, o presidente eleito neste ano, Guðni Jóhannesson, também é professor universitário. Na Guatemala, o palhaço Jimmy Morales foi eleito presidente em 2015. Na Espanha, o partido Podemos surgiu após os grandes protestos de 2011 e já arrebanhou uma parcela importante da população. Elegeu a prefeita de Madrid, a juíza Manuela Carmena, que vem apresentando bons resultados. Mas nem sempre é assim.

A advogada Virginia Raggi, 38 anos, foi eleita prefeita de Roma em junho. O discurso era parecido com o que leva empresários de fora da política ao poder: reformar as instituições trabalhando contra a corrupção e fazer as coisas andarem de uma maneira diferente do método usado pelos políticos profissionais. Seu partido, o Movimento 5 Estrelas, foi criado com essa intenção, se se colocando na direita no espectro político e ganhando força no país.

Três meses depois de assumir, em setembro, Raggi já se viu forçada a demitir seis funcionários de alto escalão por problemas externos à administração pública. Sua ex-secretária de meio ambiente é investigada por crime ambiental, por exemplo. A prefeita enfrenta crises na coleta de lixo e com o descontentamento de funcionários públicos, que dizem que a administração está paralisada. A população critica a prefeita por nomeações consideradas “ingênuas”.

Raggi já teve que negar publicamente mais de uma vez que vá renunciar ao cargo. Analistas políticos do país dizem que o governo dela comprova que é impossível administrar uma grande cidade sem agir de forma política, e essa é uma das principais dificuldades de pessoas que não têm histórico em cargos públicos.

Outra dificuldade é a relação com adversários. “Empresários podem dizer que sabem fazer negócios com rivais, mas tratar politicamente com adversários na vida pública não tem nada a ver com isso, principalmente em um país que tem poderes e partidos múltiplos”, diz Levy, do Siena College. “Quem ocupa um cargo político tem que saber pacificar. Abraham Lincoln, que é o terceiro em nosso ranking de melhores presidentes, tem como principal qualidade ter incorporado muitos de seus rivais ao seu governo”.

Se a relação com adversários e com a base política pode ser um limitador, a burocracia que existe no setor público também pode ser crucial. E não se fala nem da burocracia excessiva, que é nociva e existe aos montes no Brasil, mas da necessária para garantir que a máquina pública não seja tratada como propriedade particular. Um governo precisa de mais controles do que uma empresa privada, uma vez que lida com interesses – e dinheiro – de todos os cidadãos. As decisões, obrigatoriamente, são mais lentas, mais negociadas.

“Logo que comecei, achei que ia arrasar. Mas depois vem a hora em que você é apresentado ao gerúndio. Está fazendo, implementando, trabalhando, e nada sai”, diz um empresário com passagem recente pelo governo municipal. “Ao contrário do que as pessoas pensam, não são os funcionários que são ineficientes, mas o sistema de trabalho em si. São mundos diferentes”. Doria é o candidato da vez a juntar os dois universos. Até aqui, 25% dos paulistanos estão dispostos a pagar para ver.

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