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Disputa pelo voto racha igrejas evangélicas; jovens fiéis contestam pressão

Enquanto as cúpulas das denominações abraçam o bolsonarismo e tentam influenciar o voto dos fiéis, evangélicos jovens e de baixa renda rompem com grandes congregações e declaram apoio ao petista

 (Evaristo Sa/AFP/Getty Images)

(Evaristo Sa/AFP/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de setembro de 2022 às 19h59.

Última atualização em 23 de setembro de 2022 às 20h23.

A disputa pelo voto cristão, protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, e por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está rachando igrejas evangélicas no Brasil. Enquanto as cúpulas das denominações abraçam o bolsonarismo e tentam influenciar o voto dos fiéis, evangélicos jovens e de baixa renda rompem com grandes congregações e declaram apoio ao petista.

Jovens, mulheres e eleitores de periferia, onde Lula se sai melhor, lideram a mudança. Há ainda casos de pessoas que, cansadas do tom político de alguns eventos, se afastam dos cultos.

Vinicius do Valle, doutor em ciência política pela USP e diretor do Observatório Evangélico, explica que as igrejas evangélicas passam por um "efeito bumerangue" nesta campanha. Ele confirma que o amplo apoio a Bolsonaro por pastores e a politização dos cultos têm afastado fiéis divergentes.

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"Muitos deixaram de ir aos cultos, e tivemos uma reação dos fiéis demonstrando desconforto com a discussão eleitoral nos templos. O evangélico quer ver seus valores na política, mas não concorda com a campanha eleitoral nas igrejas", diz.

Enquanto a diferença nas pesquisas eleitorais entre os dois mais bem colocados na disputa presidencial cai no segmento, coordenadores das campanhas intensificam as agendas com líderes e eleitores evangélicos. Nas últimas semanas, Lula encontrou-se com religiosos, na região metropolitana do Rio. Bolsonaro participou de um culto do pastor Silas Malafaia, um de seus apoiadores, na capital fluminense.

Jovens reclamam de imposição de voto

Do lado dos eleitores-fiéis, porém, há reclamações sobre uso político da religião. Reclamam de desvio das igrejas da sua finalidade espiritual e de tentativas de imposição de voto, pelos pastores em favor de Bolsonaro.

Uma das insatisfeitas com essa situação é a ativista Débora Amorim, de 34 anos. Desconfortável com a politização da igreja que frequentava, a Metodista, ela rompeu com a congregação. Débora foi criada em templos evangélicos. Agora, integra o coletivo Novas Narrativas Evangélicas.

O grupo tem fiéis de diferentes denominações protestantes. Foi criado para defender a liberdade do voto. Uma de suas estratégias é a produção e divulgação de conteúdo nas redes sociais contra a imposição de candidatos pelos pastores. Nas últimas semanas, lançou as palavras de ordem #LivrePraVotar e "Deus não tem candidato".

Débora explica que, como a maioria dos evangélicos é formada por mulheres pretas e de periferia, é esse público que olha a candidatura de Lula, afirma. "Hoje são mais de 25 milhões de brasileiros evangélicos pentecostais. Dentro deste recorte, são 23 milhões de mulheres pobres e negras. São essas mulheres que estão na linha de frente da fome, da pobreza e da desigualdade", diz.

Segundo ela, a tentativa de imposição de valores morais por parte dos pastores midiáticos, como Malafaia, e de consolidação de uma única narrativa como "o caminho para a salvação" tem afastado parte dos fiéis.

Para Daniel Wanderley, advogado e um dos idealizadores do movimento, existem inúmeros "crentes" dispostos a construir e expressar "novas narrativas evangélicas", fora das grandes igrejas. "São pessoas que estavam sofrendo represálias e diversos desafios dentro de suas comunidades à medida que o bolsonarismo foi se apropriando e instrumentalizando a fé evangélica", diz. "O movimento evangélico é muito mais plural do que o estereótipo que temos. A ideia desse grupo é manifestar essa pluralidade."

Dani Marinho, de 24 anos, evangélica da Igreja Batista do Caminho, foi "criada dentro da Universal". A igreja é liderada pelo bispo Edir Macedo, apoiador de Bolsonaro. Para ela, o rompimento dos jovens com as grandes igrejas já existia, mas se acentuou com o processo eleitoral.

"Eu sempre vivi o Evangelho, senti e continuo sentindo a presença de Jesus na minha vida. Sempre houve a influência da política na igreja, mas hoje está mais escancarada. Há uma tentativa de imposição de um candidato. A campanha Livre pra Votar é para que as pessoas sejam livres para votar em quem quiser e isso está incomodando esses pastores", diz.

PT foca evangélicos

Os evangélicos representam 31% da população (cerca de 65 milhões de pessoas), segundo pesquisa Datafolha divulgada em 2020. De acordo com o Censo Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 60% (25,3 milhões) dos evangélicos eram pentecostais.

Para Vinicius do Valle, o crescimento de Lula no segmento­ também é resultado dos fiéis que se afastam das grandes igrejas. Com isso, segundo ele, há crescimento de pequenas igrejas, onde o petismo tem investido.

Pesquisas mostram que a diferença entre o petista e Bolsonaro tem recuado, embora permaneça grande. A última rodada da pesquisa Ipec, de 19 de setembro, mostra Bolsonaro em um cenário de estabilidade, com 48% das intenções de voto entre evangélicos. Já Lula cresceu 6 pontos em três semanas e agora aparece com 32%.

"Vemos um crescimento de pequenas congregações por causa do aumento dos ‘desigrejados’", diz. "As pessoas não concordam com o rumo das grandes igrejas e procuram os pequenos templos nos bairros, os pastores conhecidos da comunidade, e Lula conseguiu uma adesão dessas congregações porque busca falar aos mais pobres", explica.

O pastor batista Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e um dos interlocutores de Lula com os religiosos, diz que o foco da campanha petista nesta reta final será aumentar a influência entre os fiéis.

"Lula e sua campanha não querem cometer o erro de ferir o Estado laico. O objetivo é falar com todos. O presidente tem apoio aguerrido entre todos os segmentos, inclusive entre os evangélicos. Muitos são organizados e estão trabalhando para aumentar a influência e conscientizar o povo evangélico da vitória de Lula", diz.

Malafaia nega que haja politização da religião

O pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, rebate as acusações de que pastores estão impondo candidatos aos fiéis evangélicos. Para ele, não existe politização dos púlpitos.

"Eles não representam nada. Naturalmente há um apoio a Bolsonaro nas igrejas evangélicas. Não há intolerância. Lula é contra os valores do povo cristão. Apoia aborto, ideologia de gênero e é contra a família. Na minha igreja, eu dou consciência política sem citar nomes. Eles vão reclamar. O choro é livre. Isso é conversa da esquerda que não suporta o contraditório", diz.

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