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Diretor de Aquarius diz que Brasil não é "treinado em democracia"

Para o cineasta Kléber Mendonça, "vivemos um tempo estranho, no qual qualquer coisa se torna militância"

Kléber Mendonça: segundo ele, o duelo é entre o livre mercado e o livre pensamento (Vivien Killilea/Getty Images)

Kléber Mendonça: segundo ele, o duelo é entre o livre mercado e o livre pensamento (Vivien Killilea/Getty Images)

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EFE

Publicado em 8 de março de 2017 às 10h34.

Última atualização em 8 de março de 2017 às 13h27.

Madri - O cineasta Kléber Mendonça, diretor do filme "Aquarius", afirmou nesta terça-feira em entrevista à Agência Efe que o Brasil não é "treinado em democracia" e um exemplo disso foi o "boicote" sofrido por seu longa-metragem no país.

Aclamado no Festival de Cannes, onde a equipe apresentou o filme no ano passado com cartazes que denunciavam o golpe em curso contra a agora ex-presidente Dilma Rousseff, "Aquarius" é o relato de uma mulher que se atreve a dizer não às regras não escritas do mercado.

"Vivemos um tempo estranho, no qual qualquer coisa se torna militância, seja dizer não ou exibir um pequeno cartaz em Cannes. Deveria ser algo mais natural, mas o Brasil não é muito treinado em democracia", ressaltou o diretor.

Em cartaz em 77 países e louvado pela crítica internacional, "Aquarius" sofreu no Brasil o que Mendonça chamou de um "boicote", o que provocou muita polêmica.

Primeiro, quando o filme recebeu inadequadamente a classificação para maiores de 18 anos e depois quando o Ministério da Cultura o deixou fora do Oscar.

"Pensavam que isso privaria o filme de promoção internacional, mas ele estreou em 77 países e está viajando o mundo todo representando o Brasil. É tudo muito irônico", disse o diretor.

A história de "Aquarius" gira em torno de uma mulher aposentada, de 65 anos, ex-crítica musical, que vive em Recife. Um homem compra todos os apartamentos do prédio onde ela vive, exceto o seu, dos anos 1940, com a intenção de derrubar o edifício e construir o novo. Como ela não quer vendê-lo, inicia-se uma "guerra" entre eles.

"O que mais me interessa no filme é que ele é uma forma de ver a cidade moderna no Brasil e o fato de que ela pode contrariar as regras do mercado porque é uma burguesa, tem dinheiro e é muito hábil", afirma o cineasta.

O duelo é entre o livre mercado e o livre pensamento, diz Mendonça. "O edifício Aquarius é considerado por todos como velho e decadente, mas para Clara (Sonia Braga) é maravilhoso, confortável, acolhedor e com personalidade. Para mim, era importante que o apartamento desse essa impressão, para que o espectador entenda que ela não é louca", explica o diretor Com o personagem de Diego (Humberto Carrão), o jovem representante do promotor e com cara de amável, Mendonça quis criticar a "arrogância" de boa parte da juventude moderna e o novo estilo de fazer negócios.

"Vejo pessoas jovens muito arrogantes. Parecem crer que com 23 anos já entenderam tudo, quando não têm ideia de nada. A construção do personagem de Diego se baseou nessa ideia, nessa arrogância simpática que Clara detesta", disse o diretor.

Há também críticas sobre a imprensa. "O jornalismo hoje no Brasil é uma repetição de ideias simplistas sobre política ou sociedade, uma forma de esconder a verdade mais do que de mostrá-la", avaliou.

Mendonça disse sentir inveja da situação da imprensa nos Estados Unidos, onde há veículos "livres e combativos, e também conservadores, o que produz um confronto interessante". "No Brasil só há veículos conservadores e algum blog aqui e lá", ressaltou.

Quanto à escolha de Sonia Braga para a protagonizar o filme, o diretor revelou que inicialmente queria uma desconhecida no papel. No entanto, o roteiro chegou às mãos da veterana e, em 48 horas, ela disse a ele que gostaria de fazer o filme.

"Sonia foi muito importante, estou feliz de tê-la encontrado", afirmou Mendonça.

Destacado pela revista especializada "Variety" como um dos dez diretores a serem acompanhados em 2017, Mendonça preparada seu terceiro longa-metragem, "Bacurau", que descreve como um cruzamento entre thriller e western, com elementos de terror.

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