Brasil

Dilma precisa cortar gastos e resgatar transparência fiscal, diz Maílson

Ex-ministro da Fazenda afirma que o governo Lula chegou "ao ponto inacreditável" de construir riqueza aumentando a dívida, o que é inédito no mundo

Câmbio valorizado: "só nos resta rezar", diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega (RICARDO BENICHIO/VEJA)

Câmbio valorizado: "só nos resta rezar", diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega (RICARDO BENICHIO/VEJA)

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Da Redação

Publicado em 18 de novembro de 2010 às 11h39.

São Paulo - O ex-ministro da Fazenda de 1988 a 1990 e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, não tem dúvidas de que a questão fiscal é um dos problemas mais sérios que o governo Dilma vai enfrentar.

Na verdade, já está enfrentando por causa da pressão das centrais sindicais que querem reajuste maior para o salário mínimo em 2011. Além do excesso de gastos, o economista aponta a falta de transparência no cálculo do superávit primário como um ponto importante a ser alterado.

“Nos dois últimos anos do governo Lula a situação fiscal se deteriorou dramática e rapidamente associada a algo ainda mais lamentável que foi a destruição sistemática de princípios, valores, normas e códigos que o Brasil tinha construído nos últimos anos que geraram um sistema fiscal transparente e previsível”, diz Maílson, que reclama da “mágica e da contabilidade criativa” do Ministério da Fazenda. “Eles chegaram ao ponto inacreditável de construir riqueza aumentando a dívida, o que é inédito no mundo.” O ex-ministro acha que o governo Dilma tem uma dupla missão fiscal: cortar gastos e restabelecer as regras transparentes do superávit primário.

Câmbio, só rezando

O economista diz que o governo brasileiro não tem instrumentos para segurar o dólar. “Para nós o que importa é torcer - até rezar - para que Estados Unidos e China cheguem a um acordo até a próxima reunião do G20, em 2011, na França.”

Neste momento, as duas preocupações mundiais são, segundo o ex-ministro, a crise nos Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) e o desempenho da economia chinesa, que tem inflação elevada e câmbio desvalorizado.

Maílson da Nóbrega, que acaba de lançar a autobiografia “Além Do Feijão Com Arroz”, da Editora Civilização Brasileira (ver serviço ao término da matéria), concedeu entrevista ao programa “Momento da Economia”, na Rádio EXAME.

 

Nas duas primeiras respostas (disponíveis apenas em áudio), ele explica como foi escolhido o nome do livro e conta os bastidores da discussão em torno de uma possível renúncia do presidente José Sarney para que fosse antecipada a posse do próximo presidente (para ouvir a íntegra da entrevista, basta clicar na imagem ao lado).

Na sequência dessa entrevista a EXAME.com, que aconteceu minutos antes do início da noite de autógrafos, na Livraria Cultura, em São Paulo, o ex-ministro comentou os principais assuntos econômicos da atualidade. Leia a seguir:

EXAME.com - O que preocupa mais do ponto de vista do Brasil: a crise na Irlanda e nos demais países chamados Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) ou a inflação e o câmbio na China?

Maílson da Nóbrega - Eu diria que as duas coisas. No curto prazo, existe o risco de um colapso financeiro na Irlanda contagiar outros países do sul da Europa, colocando em risco a estabilidade do sistema financeiro europeu e, consequentemente, reproduzir um clima de crise como aquele vivido na época da quebra do Lehman Brothers (setembro de 2008). Isso é um risco baixo de ocorrer, pois os países da zona do euro estão firmes no compromisso de evitar um calote num país importante, no caso a Irlanda, que mais cedo ou tarde vai fazer um acordo com o FMI. Então, eu acho que esse é um risco que tende a passar embora ele vá ressurgir lá na frente – até que a crise reflua totalmente, nós vamos episódios como esse acontecendo.


Continuação da resposta de Maílson - O risco da China é mais remoto, mas de consequências também muito graves, como a instalação da chamada guerra cambial, que ainda não houve. Uma guerra cambial é uma tradução distinta para uma guerra comercial, que caracterizou o início da década de 30 e foi um dos fatores responsáveis pela Grande Depressão. Os Estados Unidos aprovaram uma lei que aumentou as tarifas aduaneiras de 20 mil produtos, levando p comércio mundial a cair 70% em dois anos - entre 1930 e 1932 - o que puxou a economia para o buraco. A China, nosso maior parceiro comercial, não escaparia do buraco. Eu acho que em algum momento haverá um processo de coordenação, mas, por enquanto, há um impasse já que os americanos não abrem mão de introduzir liquidez para animar a economia, gerando valorização no câmbio no mundo inteiro, sobretudo em países que exportam commodities. Do outro lado, a China resiste às pressões para valorizar a sua moeda. A China depende muito do setor exportador, que é um grande empregador de mão de obra. A China é um regime autoritário e um aumento no desemprego poderia gerar pressões sociais e políticas muito difíceis. Portanto, é um impasse que só vai ser resolvido com muita liderança e muita negociação, o que eu espero que aconteça.

EXAME.com - O G20 não resolveu o problema. Nesse contexto, o governo brasileiro pode tirar algum coelho da cartola na questão do câmbio?

Maílson - Não, o governo brasileiro não tem instrumentos para isso porque o grosso da valorização cambial deriva de questões estruturais sobre as quais nós não temos nenhuma ação. Para nós o que importa é torcer para que Estados Unidos e China cheguem a um acordo até a próxima reunião do G20, em 2011, na França. Se não aparecer uma solução até lá, eu acho que cria-se um ambiente muito grave porque a continuidade do desemprego nos Estados Unidos e na Europa cria pressões sociais que são propícias a medidas populistas, que podem enveredar por uma guerra comercial. A derrota do presidente Obama mostra que os eleitores estão insatisfeitos e, por isso, estamos todos torcendo - rezando até - para que se encontre uma solução para esse desequilíbrio macroeconômico que envolve Estados Unidos e China.

EXAME.com - O governo, ao que tudo indica, está cedendo às pressões das centrais sindicais na questão do reajuste do salário mínimo e o acordo que havia será ignorado. Até que ponto a questão fiscal é um problema para o governo Dilma?

Maílson - Eu acho que é um dos problemas mais sérios que o governo tem, pois nos dois últimos anos do governo Lula a situação fiscal se deteriorou dramática e rapidamente associada a algo ainda mais lamentável que foi a destruição sistemática de princípios, valores, normas e códigos que o Brasil tinha construído nos últimos anos que geraram um sistema fiscal transparente e previsível. O Ministério da Fazenda, que foi a origem dessas mudanças, está sendo a fonte da sua destruição através de mágica e contabilidade criativa. Eles chegaram ao ponto inacreditável de construir riqueza aumentando a dívida, o que é inédito no mundo. E tudo isso está gerando uma perda da confiança das estatísticas fiscais do governo e isso é muito grave porque o governo precisa emitir sinais e agora cada analista está fazendo o seu cálculo. Eu acho que a presidente tem um desafio fiscal de dupla dimensão: reverter a deterioração fiscal no campo de gasto e restabelecer práticas sadias que são determinadas por boas instituições fiscais, que geram transparência e previsibilidade. 

 

Serviço:

Além do Feijão Com Arroz

Autobiografia de Maílson da Nóbrega

Autores: Maílson da Nóbrega, Louise Sottomaior e Josué Leonel

Editora: Civilização Brasileira

588 páginas

Preço: R$ 59,90 

Acompanhe tudo sobre:Ajuste fiscalCâmbioDívida públicaEntrevistasG20Governo Dilma

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