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Desinformação já era forte na Revolta da Vacina de 1904

A revolta da Vacina teve como estopim as discussões sobre a lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola

Campanha de desinformação mobilizada por opositores do governo do então presidente Rodrigues Alves (Divulgação/Wikimedia Commons)

Campanha de desinformação mobilizada por opositores do governo do então presidente Rodrigues Alves (Divulgação/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 22 de outubro de 2020 às 09h40.

Última atualização em 22 de outubro de 2020 às 10h17.

A atual politização de questões relativas a uma vacinação obrigatória contra o coronavírus, assim como a disseminação de informações falsas sobre efeitos colaterais da imunização encontram paralelo num dos mais notórios episódios de saúde pública da história do Brasil: a Revolta da Vacina de 1904.

Naquele início de século 20, a politização do tema foi um dos combustíveis para violentas manifestações contra a vacinação obrigatória e contra o governo na cidade do Rio Janeiro, então capital do País. O motim, que durou seis dias, levou à decretação de estado de sítio na cidade e só cessou após a revogação da obrigatoriedade da vacina. Trinta mortos, 110 feridos e mais de 1.500 presos e deportados constam nos números oficiais sobre a rebelião.

A revolta, que teve como estopim as discussões sobre a lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola, surgiu de uma combinação de fatores que desencadearam um enorme descontentamento popular - e tem, no seu cerne, uma orquestrada campanha de desinformação mobilizada por opositores do governo do então presidente Rodrigues Alves e do médico responsável pela ação de imunização, o sanitarista Oswaldo Cruz, então secretário da Saúde Pública. Este último, alvo favorito das charges dos opositores.

Na guerra política contra a vacinação, a oposição veiculou uma série de inverdades sobre a vacina. Afirmava que ela causava diferentes males à saúde, entre eles gangrena, epilepsia, meningite, tuberculose e sífilis. As falsas histórias trouxeram à circulação uma absurda teoria segundo a qual quem tomasse a vacina poderia assumir características de um bovino - crescimento de um chifre, casco ou pelagem do animal. A história se devia a que, nos primórdios da criação da vacina, havia um processo de inoculação da benigna varíola bovina.

Opositores

Médicos e políticos, que no passado haviam endossado outras campanhas de vacinação, engrossaram as fileiras que investiam contra a vacina. O senador Barata Ribeiro e o deputado Barbosa Lima eram exemplos do jogo político nos bastidores dessa disputa. O Estadão de 28 de setembro de 1904 publicou aguerrido discurso de Barata Ribeiro no Senado contra a vacinação: "Ao que parece, o governo tem o propósito de alimentar a epidemia desprezando a prophylaxia afim de obrigar o povo a estender o braço à lanceta homicida. Queria que o sr. Rodrigues Alves saísse da mudez de seu palácio e viesse para o meio da população. Elle coraria também vendo tanta desgraça (...)". A solução proposta pelo senador era aprovar mais leis de crédito para construção de hospitais.

O deputado Barbosa Lima, um major positivista e florianista, foi governador de Pernambuco e lá fundou o Instituto Vacinogênico no Estado - mas desta vez ele investiu contra a vacinação. Para obstruir a votação da lei que tornou obrigatória, em 31 de outubro de 1904, ele apresentou mais de 30 emendas contrárias ao projeto.

Com laços estreitos com o senador e tenente-coronel Lauro Sodré, que fundou a Liga Contra a Vacina Obrigatória, Barbosa Lima é um representante dos setores militares que insuflaram um levante na Escola Militar da Praia Vermelha para derrubar Rodrigues Alves.

Moralismo

No discurso contra a vacinação, a questão moral também se fez presente. Enquanto as pessoas vacinadas mostravam os bons efeitos da proteção da imunização, os discursos contrários à vacina passaram a enfocar a violação do lar pelos agentes sanitários. Oswaldo Cruz coordenava então uma ação de vacinação feita de casa em casa. A oposição passou a dizer que a honra do trabalhador estava em perigo, pois suas esposas e filhas seriam forçadas à desnudar braços, coxas e talvez até as nádegas para os servidores da secretaria de Saúde Pública.

Outro viés na narrativa dos antivacinas era a violação das liberdades individuais. Em um artigo de capa publicado em 17 de julho de 1904, o Estadão tratou da situação de penúria em que vivia a saúde no Rio e criticou os políticos adversários da vacina. "Acima de tudo os princípios. Que importa que a Peste dizime? (...) A varíola grassa de modo pavoroso - o hospital de S. Sebastião regorgita, não há mais um leito e os carros da assistencia não param recolhendo nos bairros pobres as victimas da terrivel molestia."

"O povo, aterrado, dispõe-se à vacina, corre aos postos medicos e justamente quando se vae impondo, pela convicção, a prophylaxia que tem provado tão vantajosamente em todo o mundo, homens de prestigio, como os drs. Barbosa Lima, na Camara, e Barata Ribeiro no Senado, insurgem-se contra a medida salvadora."

Redução da imunização

A campanha contra vacinação levou o caos às ruas do Rio. Não derrubou Rodrigues Alves, mas foi eficiente em reduzir a vacinação. Entre maio e julho de 1904 o número de vacinados mostrava-se numa curva ascendente: foram cerca de 8.200 pessoas vacinadas em maio, e 23.021 em julho. Com a discussão sobre a obrigatoriedade da vacina e as disputas derivadas do debate sobre a lei, em agosto o registro caiu para 6.036 vacinados. Em final outubro, dias antes da revolta, o registro era de apenas 1.138.

A recusa popular à vacinação foi amplamente sentida, mesmo antes da aprovação da Lei nº 1261 de 31 de outubro de 1904, que tornava a vacinação obrigatória. As campanhas de imunização já eram usadas com sucesso em países da Europa, mas seu uso no Brasil era pequeno e a população ainda desconfiava de seus efeitos. "A onda de insatisfação instaurou a desordem nas ruas. Poucos se submetteram à vaccinação.", contava o jornal.

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