Brasil

Desigualdade faz trabalhadores negros perderem R$ 103 bilhões por mês, diz estudo

Do montante total, racismo retira R$ 14 bi dos salários destes profissionais, estimam economistas em novo estudo

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 29 de agosto de 2024 às 08h55.

Tudo sobreEquidade racial
Saiba mais

Diferentes estudos econômicos já provaram que trabalhadores negros recebem menos que os brancos e enfrentam mais dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, com taxa de desemprego bem superior. Mas qual é o tamanho do prejuízo causado por essas penalidades?

Essa foi a pergunta que levou economistas a calcular o custo da desigualdade de raça no Brasil. Segundo levantamento, trabalhadores negros e negras deixam de receber R$ 103 bilhões por mês em função da desigualdade racial. Desse total, R$ 14 bilhões se devem exclusivamente ao racismo.

É o que mostra o estudo “O custo salarial da desigualdade racial”, lançado nesta quinta-feira pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. A pesquisa buscou medir como a desigualdade racial e a discriminação afetam a renda dos trabalhadores negros no país.

O levantamento teve apoio da Open Society Foundations e foi realizado pelos pesquisadores Alysson Portella, Michael França e Rodrigo Carvalho.

Os economistas calcularam qual seria a massa salarial (soma de todos os rendimentos) dos profissionais negros caso recebessem o mesmo salário e tivessem o mesmo nível de empregabilidade dos brancos.

Desse total, eles mediram quanto se refere à discriminação e quanto se deve a outros fatores que resultam em desigualdade, como diferenças no acesso à educação, local de moradia e tipo de ocupação.

O cálculo chegou ao montante de R$ 102,63 bilhões. Trata-se da massa salarial total perdida pela desigualdade racial. Deste valor desperdiçado por mês, R$ 61,67 bilhões deixaram de ser recebidos pelos homens negros e R$ 41 bilhões pelas mulheres negras.

Em outras palavras, profissionais negros poderiam ter ganho mais R$ 103 bilhões do que o registrado na média do segundo trimestre de 2024, que foi R$ 121 bilhões.

“Nosso país é mais pobre por causa da desigualdade”, dizem os economistas no artigo.

O cálculo econométrico foi feito da seguinte forma: pesquisadores estimaram o peso de cada fator sobre o salário e empregabilidade, como experiência e raça, e simularam um cenário sem discriminação para ver quanto os negros receberiam.

A diferença entre o salário real e o ideal (sem discriminação) mostrou o prejuízo do preconceito, enquanto o restante das diferenças entre brancos e negros foi atribuído ao "efeito composição", que inclui diferenças nas características dos trabalhadores, como tipo de emprego ou escolaridade.

A maior parte dos recursos perdidos vêm da desigualdade racial. No caso dos salários, corresponde a R$ 47,71 bilhões para os homens e R$ 24,23 bilhões para as mulheres. Já o efeito discriminação corresponde a cerca de R$ 8,85 bilhões e R$ R$ 5,78 bilhões para homens e mulheres, respectivamente.

A penalidade da empregabilidade, por sua vez, custou R$ 5 bilhões aos homens negros e R$ 11 bilhões para mulheres negras. O total responde por R$ 16,05 bilhões dos R$ 102,63 bilhões de massa salarial total perdida por esta parcela da população.

Em um cenário sem nenhuma desigualdade, um trabalhador negro ganharia, em média, mais R$ 2.097,48 por mês, enquanto uma trabalhadora negra ganharia, em média, R$ 1.535,71 a mais. O efeito “racismo” corresponde a R$ 328 e R$ 296 no caso de homens e mulheres, respectivamente.

Alysson Portella, pesquisador do NERI e um dos responsáveis pelo levantamento, destaca que a perda de renda entre trabalhadores negros tem implicações profundas e intergeracionais. A menor renda recebida ao longo da vida profissional não só limita a acumulação de recursos, mas perpetua um ciclo de escassez de recursos e oportunidades para as gerações futuras.

"É um grande ciclo que vem se perpetuando ali desde a época da abolição. A população negra já sai em posição de desvantagem em termos socioeconômicos, que é um determinante importante para o sucesso das famílias. Famílias ricas investem mais nos seus filhos e eles têm uma performance melhor na escola. Então, essa perda inicial salarial se transmitir pelas gerações".

Disparidade histórica

A desigualdade no mercado de trabalho fica evidente nos dados de massa salarial levantados pelo estudo. Os homens brancos lideraram com uma massa salarial de R$ 100 bilhões, seguidos pelos homens negros, que somaram R$ 77 bilhões, e pelas mulheres brancas, com R$ 63 bilhões.

Já as mulheres negras, que enfrentam maiores barreiras, tiveram uma massa salarial de apenas R$ 44 bilhões.

A pesquisa utilizou como base as informações sobre massa salarial coletadas pelo IBGE, considerando a média mensal dos dados do segundo trimestre de 2024.

O estudo também traçou a evolução da massa salarial para homens e mulheres brancos e negros e chegou à conclusão de que as penalidades salariais devido à discriminação tem aumentado, especialmente após a pandemia. A massa salarial total perdida por homens e mulheres negros cresceu 13,28% entre 2023 e 2024.

“Ao contrário do que se esperava em termos de avanço social, as diferenças raciais no mercado de trabalho continuam fortemente presentes", disseram os economistas.

Na visão de Portella, o estudo pode auxiliar na formulação de políticas públicas a fim de tornar mais igualitário o acesso e a inserção no mercado de trabalho. Para isso, são necessárias tanto políticas de combate à discriminação no mercado quanto políticas de combate à desigualdade racial:

"O que a gente chama de racismo estrutural ou sistêmico é justamente a combinação desses dois fatores (discriminação e desigualdade), que se complementam e se retroalimentam. A discriminação gera desigualdades, e as desigualdades ajudam a justificar posições preconceituosas e discriminatórias dos trabalhadores", conclui.

 

Acompanhe tudo sobre:Equidade racialBrasilSalários

Mais de Brasil

PT pede arquivamento de projeto de lei que anistia condenados pelo 8 de janeiro

Lula e Xi Jinping assinam 37 acordos, e Brasil não adere à Nova Rota da Seda

Inovação da indústria demanda 'transformação cultural' para atrair talentos, diz Jorge Cerezo