Maconha: O tema começou a ser analisado pelo tribunal em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki (Omer Messinger/Getty Images)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 26 de agosto de 2023 às 09h00.
Última atualização em 4 de março de 2024 às 15h58.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta semana o julgamento da da ação que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. A Corte está a apenas um voto de formar maioria a favor da descriminalização do porte da maconha. O placar da ação está 5 a 1.
O tema começou a ser analisado pelo tribunal em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki. Com a morte dele em um acidente aéreo, em 2017, o ministro Alexandre de Moraes o substituiu e devolveu o pedido de vista ao plenário um ano depois, em 2018. O julgamento foi retomado em agosto e já teve duas sessões.
Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram a fator descriminalização da maconha. Cristiano Zanin votou contra.
Na última quinta-feira, 24, o ministro Gilmar Mendes, relator da ação, mudou o seu voto e concordou em descriminalizar apenas o porte de maconha e Cristiano Zanin votou contra a inconstitucionalidade do tema. O ministro André Mendonça pediu vista e o julgamento foi suspenso por até 90 dias.
Na sessão de quinta-feira, 24, os ministros formaram maioria a favor da fixação de uma quantidade mínima de maconha para diferenciar um usuário de um traficante. Apesar da concordância, os ministros ainda não decidiram qual será essa quantidade.
Os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Rosa Weber defenderam que quem esteja com até 60 gramas de maconha seja identificado como usuário, caso não existam outros indícios que a pessoa seja traficante. O ministro Luís Roberto Barroso defendeu em um primeiro momento 25 gramas, mas aumentou o seu entendimento para 100 gramas. Cristiano Zanin defendeu 25 gramas. Edson Fachin não sugeriu uma quantidade específica, pois entende que o número deve ser estabelecido pelo Legislativo.
A ação analisa um recurso de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões — da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal". A Defensoria apresentou a ação após um homem ser condenado por portar 3 gramas de maconha.
O órgão defende que a lei de drogas é inconstitucional, pois fere o direito à liberdade individual, já que "o réu não apresenta conduta que afronte à saúde pública, apenas à saúde do próprio usuário". O Ministério Público de São Paulo se posicionou contra a descriminalização.
Por isso, os ministros analisam a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo". A decisão do STF não trata da venda de drogas, que continuará ilegal independentemente do resultado do julgamento.
O Supremo analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que prevê penas por porte que variam entre:
Já a pena para tráfico de drogas é de cinco a 20 anos de prisão, alem de multa.
Um dos principais pontos em discussão pelos ministros é sobre parâmetros para diferenciar o usuário do traficante. Hoje, a lei não tem uma definição clara para realizar essa diferenciação. Quando alguém é detido com maconha, um delegado de polícia -- e posteriormente um membro do Ministério Público -- define se o portador responderá por tráfico ou consumo. Com isso, pessoas com pequenas quantidades de drogas são enquadradas como traficantes e condenadas a prisão.
A sugestão dos ministros é fixar uma quantidade para definir quem é um traficante e quem é um usuário.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se o limite proposto por Barroso e por Moraes for adotado, 31% dos processos por tráfico de drogas em que houve apreensão de maconha poderiam em tese ser reclassificados como porte pessoal no País. Outros 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos por estarem dentro do parâmetro
O Brasil ocupa a terceira posição no ranking de países que mais encarceram no mundo, com cerca de 900 mil pessoas presas, segundo dados do CNJ. Uma em cada três foi presa por delitos relacionados à atual Lei de Drogas.
Votaram a favor da descriminalização:
Votaram contra a descriminalização
Ainda faltam votar os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Dias Toffoli.
Como o placar está 5 a 1, com apenas mais um voto se forma a maioria pela descriminalização da maconha.
De acordo com o regimento interno do Supremo, o prazo de devolução automática do processo é de 90 dias corridos, a contar da publicação da ata do julgamento no qual houve a interrupção.
O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter registros do consumo de cannabis para fins recreativos.
Segundo o ministério de Relações Exteriores, a planta foi trazida escondida pela população negra escravizada em 1549 e era usada em práticas religiosas e terapêuticas.
O país foi o primeiro a criminalizar o uso da maconha com a Lei de Posturas, criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1830, que penalizava "escravizados e outras pessoas" que fumassem o "pito do pango" com três dias de cadeia e chicotadas.
A lei foi adaptada na Constituição Federal de 1988. O artigo 28 da Lei de Drogas prevê penas por porte que variam entre "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".