Plenário da Câmara dos Deputados (Adriano Machado/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 14h00.
A decisão da Câmara dos Deputados de manter o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) preso por ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira, 19, evidencia o enfraquecimento de grupos bolsonaristas no Congresso. O parlamentar não foi o único afetado pelos votos dos 364 colegas que se posicionaram contra a soltura: a bancada ideológica do governo sofreu um revés que pode até comprometer a atuação na Casa, avaliam especialistas.
O sinal de alerta ficou evidente pela margem ampla de votos a favor da manutenção da prisão. Um dos mais ferrenhos bolsonaristas do Congresso, Silveira precisava de 257 votos para ser solto, e recebeu apenas 130. A derrota não foi apenas no placar. O discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estava repleto de recados para deputados com discursos e comportamentos extremistas.
“O fato fora da curva que aconteceu hoje (sexta-feira) será um marco de mudança interna no comportamento dos senhores deputados no plenário desta Casa”, declarou Lira, após a votação. “Todos os deputados sabem o que representa esse voto para a instituição. O que nós esperamos, do dia de hoje por diante, em síntese, vai ser o que colocamos no início da sessão: respeito à democracia e limites a todos os Poderes", completou.
Para o cientista político Leandro Gabiati, a votação foi uma oportunidade para que os deputados de centro “marcassem território”, tanto para o próprio presidente Jair Bolsonaro quanto para a bancada ideológica que o representa na Câmara. Apesar de ter eleito Lira para o comando da Casa com o apoio de bolsonaristas, o Centrão fez questão de mostrar que a maioria é dele, não de grupos menores isolados.
Com o placar, os discursos e a falta de defesa por parte dos colegas, os deputados bolsonaristas entenderam o recado. Gabiati acredita que o resultado da votação será uma diminuição do ímpeto desses parlamentares, até em relação à busca por posições importantes na Casa. “Diminui a avidez que o grupo estava tendo, a empolgação da ala mais bolsonarista desde a eleição de Lira. É um choque de realidade”, avalia o especialista.
“Não que vão acabar com a postura mais radical, isso não acontece. Mas vão entender que o jogo não será como eles imaginavam que seria com a saída de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a entrada de Lira. Quem tem maioria é o centro, não é a minoria bolsonarista. Isso ficou claro”, diz o cientista político. A bancada bolsonarista ideológica é ativa em discursos e tem muitos seguidores nas redes sociais, mas não é numerosa. O grupo não soma muito mais do que 50 deputados, segundo Gabiati.
É sintomático que, isolado, Silveira não tenha encontrado defesa contundente nem por parte de colegas com discursos geralmente alinhados ao dele. Os deputados que se propuseram a defender a soltura usaram como argumento o fato de a prisão ter sido feita de forma ilegal. Nenhum se manifestou a favor das falas antidemocráticas. O assunto, inclusive, será retomado no Conselho de Ética, que pode discutir até uma eventual cassação do mandato.
"Não é só o Daniel Silveira que faz esse tipo de declaração na Câmara. O fato de ele não ter sido defendido mostra que os deputados desse grupo sabem exatamente ate onde podem atacar. No momento em que o Supremo reagiu às declarações de ódio, eles não se manifestaram, porque viram que quem entrasse nesse circuito sairia prejudicado também", avalia Carolina Botelho, doutora em ciência política, pesquisadora no SCNLab/Mackenzie e Doxa/Iesp/UERJ.
Para ela, a bancada ideológica bolsonarista esbarrou em uma linha clara que mostra até onde é possível e vantajoso ir com esse tipo de discurso. "Vão continuar com a postura de atacar instituições, porque foram eleitos assim, mas o STF e a Câmara mostraram qual é o limite. Aumentar o tom é pôr em risco o mandato parlamentar", afirma Botelho. Além da votação entre os deputados, com 364 votos a favor da prisão, o Supremo se posicionou, antes, de forma unânime: os 11 ministros confirmaram a decisão de Moraes.
Mesmo com a reação enérgica do STF e com a confirmação numerosa da Câmara, o núcleo ideológico não deve ficar fora dos holofotes por muito tempo, acredita o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Parlamentar. “Não tendem a ficar menos radicais, porque o radicalismo os alimenta. O que interessa, para eles, é bater no centro tradicional. Podem até ficar mais quietos uns dias, mas daqui a pouco voltam”, afirma.
“Ficou claro que a intenção do governo, dos deputados, em geral, e até da bancada bolsonarista é resolver essa questão o quanto antes, porque prejudica todo mundo”, diz Gambiati. “Chamar atenção para a Câmara por motivos como esse não é negócio para ninguém, nem para a bancada ideológica. Ainda mais neste momento, em que busca emplacar nomes em comissões importantes", lembra o cientista político.
Da bancada bolsonarista, quem tem mais potencial de ser prejudicada diretamente pelo caso Daniel Silveira é a deputada Bia Kicis (PSL-DF), que almeja a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o colegiado mais disputado da Casa. A indicação dela já sofria muita resistência, justamente por falas controversas a respeito das instituições. Agora, a situação piorou. “Se antes já estava difícil, agora vejo como muito improvável que ela seja presidente da CCJ”, diz Carolina Botelho.
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