Silvio Francisco da Silva, morador de Francisco Morato: sua casa ficou quase toda destruída após chuvas fortes (Rita Azevedo/EXAME.com)
Rita Azevedo
Publicado em 14 de março de 2016 às 12h15.
Franco da Rocha (SP) — O inspetor escolar Silvio Francisco da Silva, de 49 anos, se acostumou com o vai e vem de gente triste em sua rua. É porque, há pelo menos dez anos, ele é vizinho de um dos velórios da cidade de Francisco Morato, na Grande São Paulo.
Na tarde do último sábado (12), Silvio era parte do grupo de pessoas tristes. Em uma fila, ele esperava para prestar solidariedade à família dos irmãos Jorge Oliveira dos Santos, de 18 anos, e Sandra Oliveira dos Santos, de 26 anos.
Os dois jovens foram soterrados após as fortes chuvas que castigaram a região metropolitana de São Paulo na madrugada da última sexta-feira (11).
A casa em que viviam, perto dali, foi ao chão após o desabamento de uma encosta. Joel, irmão gêmeo de Jorge, e seu pai só conseguiram se salvar porque saíram do cômodo em que estavam para tomar um pouco de água.
Na mesma cidade, outras seis pessoas morreram em decorrência de soterramentos. No total, foram registradas 25 mortes após as chuvas no estado — 18 delas só em cidades da Grande São Paulo.
Durante a manhã de sábado, a presidente Dilma Rousseff sobrevoou Franco da Rocha, Francisco Morato, Mairiporã e Caieiras e se reuniu com prefeitos, com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e com os ministros da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva.
Após a reunião, a presidente anunciou a liberação de um cartão para gastos imediatos das prefeituras que declararam estado de emergência. As famílias dos municípios atingidos, segundo a presidente, terão prioridade no programa Minha Casa Minha Vida.
O governo do Estado também liberou uma verba de 680 mil reais para as cidades atingidas pela chuva. O valor deve ser gasto com assistência social para os desabrigados.
Destruição
Na espera para abraçar os pais de Jorge e Sandra, Silvio (o inspetor escolar do início da reportagem) era quem também ouvia um "sinto muito pelo que aconteceu".
É que sua casa de três cômodos foi quase toda destruída com a chuva. "Felizmente não perdi minha família, mas não sei o que fazer daqui pra frente", disse Silvio a EXAME.com, enquanto tentava resgatar algumas peças de roupa da sua mulher, de 52 anos, e do filho de 17. "Muita gente me diz para não morar perto de barrancos, mas na nossa cidade é difícil achar uma área que não seja assim".
Ao lado da casa de Jorge, o cenário se repetia: uma encosta desabou e com ela se foi metade de uma casa verde. A alguns metros da calçada, estavam o carro prata e um portão de ferro levados com a força da água.
Outros 70 imóveis foram interditados na cidade após as chuvas. De acordo com a prefeitura, 280 pessoas ficaram desalojadas. A maior parte conseguiu abrigo na casa de parentes, mas sete famílias foram levadas para escolas da região.
Embaixo d’água
Em Franco da Rocha, município vizinho à Francisco Morato, ainda é possível ver e sentir o cheiro dos estragos causados pela chuva. Na região central, quase tudo ficou embaixo d'água e quase 48 horas depois da tragédia, algumas vias ainda estavam fechadas para a circulação.
Pelas ruas, comerciantes salvavam o pouco que restou de suas lojas, enquanto tratores retiravam das vias os entulhos maiores. Em outra parte da cidade, a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros trabalhavam à procura de moradores ilhados. Cerca de 220 famílias tiveram que sair de suas casas e um homem morreu após tentar atravessar um córrego.
Na Paróquia Imaculada Conceição, pintada de azul clarinho há menos de seis meses, um grupo de voluntários tentava tirar as marcas da lama das paredes. Não há previsão de quando será a próxima missa no local.
Rita Azevedo/EXAME.com
Centro de Francisco Morato: lama deixou rastro de destruição
"Cerca de cem pessoas estão nos ajudando com a limpeza, mas perdemos muitos equipamentos de som, microfones e o estoque de uma livraria que mantínhamos", disse o aposentado Joel Manuel da Silva, de 40 anos, que liderava o mutirão.
Ainda no centro, próximo ao prédio da prefeitura, o nível da água continuava alto até a noite do sábado e cobria escolas, viaturas policiais e ambulâncias.
"Temos que esperar a água abaixar para ter uma estimativa de quando tudo isto estará limpo" disse Kiko Celeguim, prefeito da cidade, para EXAME.com no último sábado. "Em quatro horas choveu o que era esperado para o mês de março. A cidade está no meio de montanhas e boa parte da água que caiu nos municípios vizinhos acabou chegando aqui".
Na manhã da sexta-feira, as comportas da represa Paiva Castro, que faz parte do Sistema Cantareira, foram abertas depois que o nível da água atingiu quase 100%. O excesso de água acabou aumentando ainda mais o volume dos rios e piorando a situação da cidade.
Em nota, a Sabesp informou que a abertura foi uma forma de evitar o rompimento da barragem e que, se não existisse a represa, a enchente em Franco da Rocha e em Caieiras (outra cidade vizinha) seria ainda pior.
Ver a cidade embaixo d'água não é nenhuma novidade para a população de Franco da Rocha. Como boa parte da área habitada está próxima de rios ou córregos, encontrar alguém que já foi prejudicado por inundações é tarefa fácil.
Mesmo quem não mora perto de um rio conhece bem o impacto da chuva no dia a dia do município. Um deles, segundo os próprios moradores, é a interrupção na circulação dos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Em uma cidade dormitório -- na qual a maior parte da população se desloca diariamente para grandes centros como São Paulo -- não ter acesso ao principal meio de transporte público significa não poder chegar ao trabalho, nem ao hospital, nem às universidades.
No caso da última sexta-feira, alguns passageiros tiveram que passar a madrugada ilhados dentro das estações. Em boa parte do dia, a circulação ficou interrompida na linha 7-Rubi, que atende a região.
"Perdi a consulta médica do meu filho", "Tive medo de perder meu emprego" ou "Espero que não chova mais dessa forma", são algumas das falas comuns de quem saiu de casa durante o final de semana para observar o caos.
Com o tempo, eles passaram a falar sobre a cidade tendo como referência os anos de grandes enchentes: 1987, 2011 e agora 2016. Os anos mudam, mas as lembranças são as mesmas: casas e igrejas embaixo d'água, famílias que perdem o pouco que têm e o trem fora de circulação.