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Jogo eleitoral no Brasil está totalmente aberto, diz sociólogo

Para sociólogo Demétrio Magnoli, que participou do EXAME Fórum 2017, fenômenos como Trump e Brexit tendem a reverberar pouco no Brasil em 2018

Demétrio Magnoli: "O centro está numa crise tão grande quanto o PT. Não estou muito otimista com o cenário de 2018" (Lailson Santos/VEJA)

Demétrio Magnoli: "O centro está numa crise tão grande quanto o PT. Não estou muito otimista com o cenário de 2018" (Lailson Santos/VEJA)

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Camila Almeida

Publicado em 5 de setembro de 2017 às 17h57.

Última atualização em 5 de setembro de 2017 às 18h00.

O que o eleitor brasileiro vai buscar nos candidatos em 2018? Para o sociólogo Demétrio Magnoli, que faz análises da conjuntura política internacional e é doutor em geografia humana pela USP, essa é a pergunta que os partidos estão lutando para conseguir responder.

De acordo com Magnoli, que participou nesta segunda-feira do EXAME Fórum, os partidos de centro, que teriam a função de discutir essas alternativas, vivem uma crise tão profunda quanto o PT. “Seu candidato mais falado, João Doria, não tem plataforma política. A plataforma dele é dizer que não é político e se contrapor a Lula”, diz.

A dificuldade cresce por que não devemos ser muito impactados pelo que vem acontecendo lá fora. O sentimento anti-globalização, que tomou conta dos que perderam renda com esse processo, é o que tem motivado o apreço popular por discursos nacionalistas e protecionistas. Magnoli afirmou que esse foi o principal sentimento que permitiu a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e o Brexit, no Reino Unido, mas tem poucas chances de entrar no centro da disputa no Brasil. Magnoli concedeu a seguinte entrevista a EXAME

O ano passado foi marcado por muita incerteza em relação aos Estados Unidos, à França e à Alemanha, motivada pelo avanço de movimentos protecionistas. Agora as coisas se aquietaram um pouco?

Estamos vivendo uma guerra entre globalização e anti-globalização, que não está resolvida. Esse momento do qual você fala é o momento em que se deu o Brexit [a saída do Reino Unido da União Europeia] e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Ou seja, líderes antiglobalização e partidos nacionalistas deram as cartas em duas eleições cruciais. Chegou-se a imaginar que haveria uma queda em dominó das peças que sustentam a globalização. Falou-se de uma vitória da extrema direita na Áustria e na Holanda, e principalmente de uma vitória da ultranacionalista Marine Le Pen, na França. E nada disso aconteceu. A direita nacionalista foi derrotada em três eleições sucessivas. Isso não quer dizer que as raízes do movimento anti-globalização foram arrancadas. Esse movimento continua intenso.

Quais são as bases desse movimento?

Existe uma base social e política para esse movimento antiglobalização, incentivada pelos perdedores da globalização — que são reais, eles perderam renda. Eles são a classe trabalhadora e a classe média tradicional, ligada à indústria e a setores tradicionais da economia, nos países europeus e nos Estados Unidos. É justamente no núcleo da economia mundial que se situam esse perdedores da globalização, que impulsionam partidos nacionalistas. Isso tem grande impacto político. A eleição de Trump, o Brexit e o crescimento da extrema-direita na Europa, são todos fenômenos ligados a essa mesma base social. Não é um acaso. E assim como a globalização é um fenômeno político, ela pode ser desfeita por razões políticas. Não existe uma globalização natural, provocada por um destino econômico inelutável, existem decisões políticas, que podem ser desfeitas.

O Brasil também vai ser impactado por movimentos nacionalistas?

É diferente. A América Latina tem uma realidade econômica e social diferente da Europa. Então, quando se fala da extrema-direita no Brasil, de Bolsonaro e do nacionalismo de esquerda, as bases são diferentes dos movimentos na Europa e nos Estados Unidos. Nós somos impactados por isso não de maneira direta, mas indireta, porque, dependendo do resultado desse conflito global, se abrem ou se fecham oportunidades para a economia brasileira, se molda o palco onde a economia brasileira vai operar.

A globalização nos afetou de que maneira?

A globalização, principalmente na década de 2000, ajudou a criar uma economia menos diversificada, mais dependente de commodities, mais atingida pela chamada doença holandesa [em que a riqueza com matérias-primas leva a uma derrocada da indústria]. Mas não se deve atribuir isso simplesmente ao processo de globalização, mas a uma série de decisões de política econômica tomadas no Brasil. O nosso entusiasmo pelo pré-sal, a nossa dificuldade de criar um mercado de capitais que diversifique investimentos, a nossa dificuldade de deixar de sermos protecionistas e abrir a economia para a concorrência, de aumentar a nossa produtividade… Essas nossas decisões ao longo desses 13 anos tornaram a economia brasileira muito parecida com a russa. Dentro dos BRICs, são os dois países mais atingidos pela doença holandesa. Hoje, precisamos nos reinserir num quadro global que será definido por essa guerra. Pode ser um quadro global de intensificação da globalização, de reafirmação, ou de recuo. O recuo da globalização nos jogaria para trás, atrasaria a modernização da economia brasileira.

Nesse cenário de globalização atual, a China desponta mesmo como liderança global?

Não. Há um certo exagero nisso. A China já tem e terá, em todo o século 21, um peso imenso, devido ao tamanho brutal de sua economia e à sua demografia. Mas a China entrou num ciclo econômico diferente. O crescimento chinês se reduziu pela metade em relação ao que era, e tende a se normalizar, porque a economia chinesa deixa de ser uma economia jovem para se tornar madura. A China viverá uma mudança demográfica importante e será o primeiro país a se tornar velho antes de se tornar rico. A Índia experimentará, nos próximos anos, um crescimento maior do que o da China. A China também tem sérios problemas no seu setor financeiro, especialmente em termos de regulação e de estabilidade jurídica, que precisam ser resolvidos para o país amadurecer. Uma coisa é o crescimento chinês na base do incremento de fatores de produção, que foi o que houve. Outra coisa é o crescimento na base do aumento da produtividade. O desafio dessa segunda etapa é muito sério, e provavelmente a China não terá um percurso suave no futuro próximo.

Temos visto nos países latino-americanos o sucesso eleitoral de políticos mais liberais. Vimos esse movimento no Peru, na Argentina e provavelmente veremos no Chile. Há explicação para essa mudança no perfil da América do Sul?

Tem, mas não é mundial — é regional. O fracasso da esquerda populista na América Latina, o fracasso final do lulismo, com o governo Dilma, o fracasso de Cristina Kirchner na Argentina e sobretudo a catástrofe na Venezuela têm tido um impacto político tanto na elite política latinoamericana, que abandona essa alternativa em grande medida, quanto no eleitorado. Hoje vivemos um ciclo diferente na América Latina, mas ele não está consolidado. No Brasil, para 2018, as perspectivas ainda estão muito abertas. Aqui também não está consolidada uma mudança de ciclo. Existe um esboço.

O que se pode esperar que o eleitor brasileiro queira em 2018?

Essa é a pergunta de 1 bilhão de dólares. Se eu tivesse a resposta para essa pergunta, eu venderia muito caro. Oportunidades imensas surgem para salvadores da pátria e para aventureiros de todos os estilos. Devido nem tanto à crise econômica, mas à desconstrução do nosso sistema político. Mesmo figuras de partidos do centro político, como João Doria, se apresentam como apolíticos, usando discursos de outsider mesmo obviamente não sendo. Talvez o drama maior seja que não se vê uma reorganização desse centro no sentido de propor reformas políticas e econômicas coerentes. Há um grande investimento dos políticos na ira do eleitorado em relação ao sistema político, e isso diminui a possibilidade de que em 2018 seja uma eleição na qual se esclareçam as alternativas que nós temos pela frente, com uma visão crítica do modelo que nos levou à depressão econômica. O centro está numa crise tão grande quanto o PT. Não estou muito otimista com o cenário de 2018.

O curioso é que, na crise, diz-se que as pessoas tendem a arriscar menos, porque elas têm muito a perder. Então, esses candidatos mais desconhecidos do eleitorado, que não têm muito para mostrar, não causam muita insegurança?

Sem dúvidas. Não está dito que um aventureiro vai ganhar em 2018. O que existe é a possibilidade de que isso aconteça. Essa possibilidade estava fechada no Brasil nos últimos cinco mandatos. Desde Fernando Collor que não existia a possibilidade de um aventureiro chegar à presidência, e ela se recolocou. Mas certamente haverá resistência a qualquer um dos aventureiros que se apresente por aí. Ainda mais com a crise do centro político, que faz com que seu nome mais falado, João Doria, seja um candidato que não apresenta uma plataforma política; sua plataforma política é dizer que ele não é político e se contrapor a Lula. Isso não chega a ser plataforma política. Sempre existe tempo até 2018 para que algo novo aconteça, para que setores da elite política se reorganizem e apresentem uma candidatura com conteúdo. Até agora isso não aconteceu.

O fato de as pessoas estarem sofrendo economicamente dentro de casa e de estarem sentindo na pele o desemprego abre ou fecha margem para elas voltarem a enxergar Lula como um candidato viável?

O desemprego e a depressão econômica foram produzidos por um modelo implantado por Lula, que chegou ao seu esgotamento com Dilma. Então, o Brasil deveria estar vivendo um momento de esclarecimento sobre as ilusões daquele momento. Mas esse esclarecimento exige uma pedagogia política, e não existe no cenário hoje um partido ou uma coalizão que produza esse esclarecimento. É a falta dessa pedagogia política que faz com que Lula apareça como uma alternativa à crise que o lulismo mesmo criou. É uma situação paradoxal que mostra que a nossa crise não é simplesmente econômica; é uma crise de ação política, de organização e de projeto político.

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