Ônibus em São Paulo (Cidade de São Paulo no X/Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 17 de dezembro de 2023 às 06h07.
A adoção da tarifa zero deve levar os ônibus a ver uma explosão de demanda aos domingos em São Paulo, avalia Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Ele teme, no entanto, que caso essa demanda não seja atendida de forma adequada, haja problemas.
"Vários estudos mostram que cidades que tiveram uma redução pequena no valor da tarifa tiveram alta na demanda. Um aumento de dez centavos faz perder passageiros, e qualquer redução de tarifa faz ganhar passageiros. Maringá abaixou alguns centavos e aumentou 20%, 30% de movimento. A tarifa impacta a demanda, e o aumento em São Paulo vai ser muito grande", diz, em entrevista à EXAME.
Calabria defende os testes com tarifa zero, pois ela abre a possibilidade para que as pessoas possam circular mais na cidade e ampliar seu acesso a serviços públicos, como educação e saúde. Ele considera, no entanto, que a implantação da ideia precisa ser feita de forma cuidadosa. "Tem muita chance de ser mal-feito, da galera se irritar e atrelar isso à tarifa zero. Há um risco real disso estragar a ideia do programa se as coisas forem mal-feitas", diz.
Neste domingo, 17, os ônibus paulistanos vão funcionar com tarifa zero pela primeira vez fora de um evento específico, como eleições ou a prova do Enem. É a primeira vez no país que uma metrópole adotará uma iniciativa do tipo: a gratuidade passará a valer em todos os domingos e em alguns feriados.
Até agora, a tarifa zero foi adotada em mais de 80 cidades brasileiras, em formatos variados, mas os municípios eram de pequeno e médio porte. Os custos de transporte em uma cidade com milhões de pessoas são muito mais elevados: São Paulo gasta mais de 5 bilhões de reais por ano para subsidiar o serviço de ônibus. Sem a cobrança de tarifa, esse valor aumentará.
É também a primeira vez em São Paulo que os ônibus serão gratuitos, mas os trens da CPTM e do Metrô seguirão cobrando tarifa. Nos outros testes, os três modais tinham entrada liberada. Com isso, há maior chance de que passageiros dos trens migrem para o ônibus.
"Por que a pessoa vai pagar quase 10 reais para ir e voltar de metrô se pode ir de graça de ônibus? Algumas linhas fazem trajetos paralelos às linhas de metrô, como a que vai de Itaquera ao Parque Dom Pedro 2º, na zona leste", aponta Calabria. "É ruim dois sistemas disputarem. Eles deveriam cooperar."
Outra questão, vista em cidades dos Estados Unidos que adotaram passe livre, é que moradores de rua passem a usar o transporte público grátis e que fiquem longos períodos a bordo, já que os ônibus podem funcionar como um abrigo temporário para quem não tem teto.
Calabria avalia que o primeiro dia deverá ter uma procura ainda maior porque muita gente vai ficar curiosa e querer ir ver como a coisa funciona. Desta vez, como haverá contagem nas catracas (os passageiros vão precisar passar o biihete único, mas não haverá cobrança), será possível obter dados mais claros sobre o impacto da mudança, algo que não ocorreu nos testes.
Ele aponta ainda um outro problemas: as viações em São Paulo são remuneradas por passageiro transportado. "Uma alta na demanda fará com que as empresas exponenciem a receita sem gastar um centavo com veículo novo ou em aumentar a frequência. É uma fórmula que não condiz com tarifa zero. Todas as cidades do Brasil que adotaram tarifa zero foram para o modelo de pagamento por custo", afirma.
O especialista explica que a prefeitura prevê mudar a forma de remuneração para o de viagem feita: nesse modelo, o governo paga por cada trajeto feito pelos ônibus, independentemente de quantos passageiros sejam levados. Isso evita que as empresas reduzam viagens e rodem com coletivos lotados, já que quanto mais gente a bordo, mais dinheiro em caixa.
A prefeitura paulistana vem adiando a mudança de modelo desde 2019. Neste ano, a transição para a cobrança por custo foi adiada até março de 2025. Outra mudança que também vem sendo adiada é a readequação das linhas de ônibus. Muitas delas foram criadas há décadas e se mantém iguais, apesar de todas as mudanças que a cidade teve. Nos últimos anos, a cidade também não ganhou corredores e teve avanços tímidos na quantidade de faixas exclusivas para os ônibus, que aceleram as viagens ao permitir que os coletivos escapem do trânsito.