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Delação da JBS cita propina para governadores e ex-governadores

Políticos do Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Rio Grande do Norte teriam recebido propina da empresa

Fernando Pimentel: Saud citou na delação repasse de propina ao atual governador de Minas Gerais (Arquivo/EXAME.com/Site Exame)

Fernando Pimentel: Saud citou na delação repasse de propina ao atual governador de Minas Gerais (Arquivo/EXAME.com/Site Exame)

AB

Agência Brasil

Publicado em 22 de maio de 2017 às 20h28.

Em delações premiadas ao Ministério Público Federal (MPF), integrantes do grupo JBS, entre eles os irmãos Joesley e Wesley Batista, relataram pagamento de propina para ex-governadores ou governadores de pelo menos cinco estados: Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Rio Grande do Norte.

Ceará

Na delação premiada, Wesley Batista, um dos donos da JBS, relatou repasse de propina para o ex-governador do Ceará, Cid Gomes (PDT).

Batista afirmou que se reuniu com Cid Gomes em 2014, no escritório do grupo em São Paulo, e que o então governador solicitou R$ 20 milhões, oferecendo como contrapartida a liberação de R$ 110 milhões de créditos do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da empresa retidos pelo governo do estado.

A JBS é dona de um curtume localizado no município cearense de Cascavel, a 60 quilômetros de Fortaleza.

"Nós perguntamos [Wesley e Joesley Batista] quanto ele [Cid Gomes] esperava de doação. Ele disse R$ 20 milhões. Eu falei que era impossível eu desembolsar R$ 20 milhões, sendo que o estado nos devia R$ 110 milhões", disse.

De acordo com Wesley, ele concordou em pagar a propina para poder receber o crédito retido.

Segundo o delator, o montante foi repassado da seguinte forma: R$ 9,8 milhões por notas fiscais falsas e R$ 10,2 milhões por doações oficiais a vários candidatos.

Em entrevista, Cid Gomes negou ter recebido propina da JBS e que o grupo recebeu créditos devidos do ICMS nos anos de 2011, 2012 e 2013 e que não seria possível vincular a liberação dos valores do imposto a qualquer tipo de benefício.

Isso porque, segundo ele, a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os gestores a pagar todas as despesas durante o mandato.

"Quero aqui negar absolutamente, pela minha índole e pelo meu caráter, que jamais, em tempo algum, pedi qualquer tipo de benefício para o que quer que fosse, vinculando a favores do governo do estado."

Cid Gomes disse ainda que vai processar Wesley Batista por calúnia e difamação.

Minas Gerais

Ricardo Saud também citou, na delação, repasse de propina ao atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).

Segundo Saud, Fernando Pimentel recebeu parcelas de R$ 300 mil em propina, que chegam a R$ 3,6 milhões.

Os repasses começaram em agosto de 2013, quando Pimentel era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na gestão de Dilma Rousseff.

O delator afirmou que Pimentel pediu o dinheiro para a campanha ao governo de Minas Gerais.

"Como ele era um ministro importante e a gente atua em mais de 150 países. Nós atendemos o pedido dele e fizemos o repasse, fizemos um repasse de R$ 300 mil. Começamos em julho, agosto e uns 10 meses", disse o diretor da J&F.

De acordo com Saud, o dinheiro foi repassado para o escritório de advocacia Andrade, Antunes e Henriques, por meio de notas frias.

Em nota, o governador Fernando Pimentel afirma que o "acusador não apresenta provas para sustentar sua versão e que ele não tem qualquer ligação com o escritório citado".

Procurado pela reportagem, o escritório de advocacia Andrade, Antunes e Henriques não quis se pronunciar.

Rio de Janeiro

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) teria recebido mais de R$ 27 milhões em propina, em troca a JBS receberia uma fábrica na cidade de Piraí, no sul fluminense, segundo o diretor de Relações Institucionais e Governo da J&F, Ricardo Saud. Cabral foi preso na Operação Calicute, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.

Na delação, Saud contou que conheceu Sérgio Cabral, em 2012, durante um almoço oferecido pelo então governador no Palácio Guanabara, sede do governo do estado.

O grupo JBS estava em busca de novos negócios no estado e se interessou por uma fábrica nova, que estava montada na cidade de Piraí, porém sem funcionar.

O empreendimento, que era da BR Foods, tinha sido instalado com incentivos do governo estadual em uma área de mais de 400 mil metros quadrados, doada pelo estado.

De acordo com o delator, como a fábrica não foi entrou em atividade e o empreendimento seria entregue ao grupo JBS, por Sérgio Cabral, a propina serviria para financiar a campanha de Luiz Fernando Pezão ao governo do Rio, de candidatos a deputado, além da compra de apoio de partidos políticos.

Saud disse aos procuradores que Cabral pediu cerca de R$ 40 milhões de propina.

"Eu falei Sérgio: 'Dinheiro, se a gente chegasse em um acordo, essa propina eu posso de dar. Agora tempo de televisão, não sou dono de partido nenhum'. Mas você tem influência pode chamar os partidos para negociar, para fazer alguma coisa, para me ajudar. Isso eu posso, desde que não faça parte do acordo. Tá bom, quanto que é isso? Vamos ficar aí entre R$ 30 milhões a R$ 40 milhões de propina. Você está louco, o que é isso […] Acabamos fechando em R$ 27, 5 milhões", relatou Saud.

O diretor afirmou que Pezão não participou das negociações. A reportagem não conseguiu contato com defesa do ex-governador Sérgio Cabral.

Mato Grosso

Wesley Batista disse, também em delação premiada, que negociação semelhante ocorreu com o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB).

Segundo o empresário, o ex-governador recebeu cerca de R$ 30 milhões em propina em troca de concessão de créditos de ICMS no valor de mais de R$ 70 milhões.

Os pagamentos foram feitos entre 2012 e 2014.

"A cada ano, pagamos ao redor de R$ 10 milhões de propina para ter esse crédito. Foram pagos de diversas formas, em dinheiro vivo, através de notas fiscais frias. E parte era paga por doleiro para terceiros que eles indicaram", disse Wesley Batista.

De acordo com o empresário, as negociações com o ex-governador começaram em meados de 2010, quando Silval assumiu o governo do estado no lugar de Blairo Maggi, que deixou o cargo para concorrer ao Senado.

Neste contexto, Silval Barbosa também era candidato ao governo e pediu contribuição de campanha, além de vantagens indevidas.

De acordo com a delação, Silval foi eleito e ao assumir o governo teria mudado o sistema de recolhimento do ICMS. Até 201, as empresas pagavam o imposto por estimativa, mas Barbosa teria mudado para o recolhimento do valor real.

Com a mudança, a JBS teria procurado o então governador para diminuir o valor pago, alegando que outras empresas recebiam incentivos fiscais do Programa de Desenvolvimento Industrial de Mato Grosso (Prodeic) - e acabavam pagando um valor menor.

Segundo Wesley Batista, teria, então, surgido a negociação do pagamento da propina, no valor de R$ 10 milhões ao ano.

"O governador falou tudo bem. Eu dou esse crédito que vocês abriram mão para vocês compensarem desse 3,5% e ficarem pagando similar às empresas que têm no Prodeic, que é de zero a 1%. Nesses R$ 70 milhões, que foi concedido, começou a discussão do pagamento da propina", disse Batista.

No depoimento, Wesley Batista afirmou que em 2014 a JBS acabou sendo autuada pela Secretaria de Fazenda de Mato Grosso em cerca de R$ 180 milhões, ao desconsiderar o crédito de R$ 70 milhões, talvez pelo órgão não ter conhecimento do combinado com Silval Barbosa.

O dono da JBS, então, procurou o governador e, em reunião com os secretários de Fazenda e de Indústria e Comércio, decidiram confeccionar um documento retroativo, que estendia o Prodeic a todas as indústrias do estado e livrava a JBS da autuação.

Procurada pela reportagem, a defesa de Silval Barbosa disse que ele nega os fatos e vai prestar os esclarecimentos necessários quando for convocado.

Rio Grande do Norte

Na delação de Saud, o governador do Rio Grande do Norte Robinson Faria (PSD) e o filho dele, deputado federal Fábio Faria, da mesma legenda, são citados por terem recebido propina de R$ 10 milhões em dinheiro vivo.

Os recursos seriam destinados a campanha eleitoral de 2014.

Em troca, a JBS seria beneficiada em uma concorrência para privatização da Companhia de Águas e Esgotos do estado.

"Sem nós, vocês não vão ganhar a eleição. Mas temos que deixar firmado que nós vamos indicar o secretário de estado e esse secretário vai acompanhar tudo de perto para nós, porque vocês não são muito confiáveis", disse Saud, relatando a conversa com o governador aos procuradores.

Saud disse que a JBS pagou os R$ 10 milhões, mas, acabou desistindo do negócio por causa da crise econômica enfrentada pelo país e as investigações da Operação Lava Jato, que apurava na ocasião irregularidades envolvendo as construtoras Odebrecht e OAS.

Em nota, o governador do Rio Grande do Norte diz que ele e o filho, Fábio, conheceram os representantes da JBS no período eleitoral.

Robinson Faria confirma que eles receberam doações da empresa e que todas foram devidamente registradas na Justiça Eleitoral, por meio do partido, sem promessa de qualquer contrapartida.

O governador enfatiza que não pretende privatizar a Companhia de Águas e Esgotos do estado.

 

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