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Deisy Ventura, da USP: "Brasil está preparado para lidar com coronavírus"

A chegada do coronavírus ao Brasil assusta o país. Para especialista em saúde pública, não há motivo para pânico, mas é preciso preparar a resposta

Deisy Ventura, da USP: "Se a doença ganhar escala, nem o país mais rico do mundo terá condição de dar uma resposta à altura" (IEA USP/Divulgação)

Deisy Ventura, da USP: "Se a doença ganhar escala, nem o país mais rico do mundo terá condição de dar uma resposta à altura" (IEA USP/Divulgação)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 13 de março de 2020 às 12h41.

Última atualização em 13 de março de 2020 às 18h47.

São Paulo A epidemia do novo coronavírus chegou ao Brasil com força total. No país, até a publicação desta reportagem, nesta sexta-feira, 13, 77 casos da doença estavam confirmados. A expectativa, no entanto, é que esse número salte nos próximos dias, confirmando a tendência global de propagação acelerada do vírus. Temendo uma propagação ainda mais veloz, empresas começaram a enviar seus funcionários para casa e eventos estão sendo cancelados Brasil afora.

Para Deisy Ventura, professora de ética na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), não há motivo para pânico. Sem minimizar a gravidade da situação, a especialista em saúde pública nota que o Brasil está entre os países mais bem preparados do mundo para lidar com os impactos da epidemia do coronavírus.

“Ter um sistema de saúde como o SUS (Sistema Ùnico de Saúde), de escala continental, nos torna muito bem posicionados para executar as medidas de emergência, enquanto que um país que tem de sair do zero não é capaz de atender às demandas da situação em tempo”, avaliou em entrevista à EXAME. Confira abaixo a conversa com a especialista, que é também parte da comissão sobre fragmentação da saúde global da consagrada revista científica The Lancet.

Na sua avaliação, há motivo para pânico em relação à doença no Brasil?

Deisy Ventura: Não, não existe motivo para pânico e pânico não ajuda em nada. O que estamos vendo é que as autoridades estão preocupadas em dar uma resposta para esta situação e nós já tínhamos contingências desde que foi declarada a emergência global pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim que a entidade declarou a emergência global, nós fizemos a nossa parte em declarar uma emergência nacional. Agora, precisamos aguardar a liberação dos recursos para a compra de material, organização dos serviços de saúde e fortalecer o SUS, que está debilitado.

É esse serviço, aliás, que nos torna preparados para lidar com essa epidemia. Como controlar uma doença como essa em países nos quais um teste para detecção do novo coronavírus custa 3.000 dólares? Ter o SUS, um sistema de escala continental, nos deixa bem posicionados para executar as medidas de emergência necessárias. Um país que precisa começar isso do zero não conseguirá atender às demandas da epidemia a tempo. Espero que as pessoas se deem conta da importância desse sistema.

Vamos passar por essa crise com tranquilidade?

Se a doença ganhar escala, nem o país mais rico do mundo terá condição de dar uma resposta à altura. O problema é a incerteza, já que não conhecemos essa doença e ainda não há um tratamento eficaz. Quando um evento como este ganha escala, ninguém está preparado para lidar com os efeitos da superlotação dos hospitais, serviços de terapia intensiva e assistência hospitalar em geral.

Por isso, enfatizo novamente a importância do SUS, que tem alta capilaridade, acesso universal e gratuito, e dos investimentos na saúde. O sistema teve um papel fundamental na luta contra o zika: revelou isso ao mundo e conseguimos ter uma capacidade de resposta eficiente, que conteve a progressão da doença.

Mas não é só isso: esse é o momento de investirmos em outras frentes, como em estratégias de medicina da família, prestar atenção nas pessoas mais vulneráveis e valorizar os profissionais da saúde. É preciso que as engrenagens do sistema tenham condições de funcionar. Não pode ser olhada apenas em momentos de emergência. Só isso poderá nos proteger. Pandemias fazem parte da história da humanidade. Hoje é o coronavírus, mas amanhã será outra.

A OMS só declarou a pandemia nesta semana. Na sua visão, a entidade está agindo corretamente?

A OMS não declarou a situação como uma pandemia antes, porque acreditava ser possível conter a doença nos locais de transmissão mais intensa apenas com a declaração de emergência. Vale notar que 90% dos casos estão em quatro países: China, Itália, Coreia do Sul e Irã. Não é o número de casos que determina o que é ou não é uma pandemia, mas a maneira como a doença se distribui geograficamente. A OMS não errou em aguardar para fazer essa declaração e agora está constatada a propagação internacional da doença.

Mais de 100 países já registraram casos da doença. Ao mesmo tempo, a China parece ter conseguido controlar a situação. Como você avalia o estágio atual da epidemia?

É difícil avaliar, a doença está chegando de formas muito diferentes aos países, com cepas diferentes. Tem locais nos quais a letalidade é baixa, em outros a letalidade é maior. Estamos aprendendo que as pessoas mais vulneráveis, isto é, com mais de 60 anos, as imunossuprimidas, estão correndo mais riscos. Mas isso é tudo que sabemos. Não temos tratamento específico.

O que podemos dizer é o mesmo que a OMS está dizendo: o novo coronavírus é uma pandemia e precisamos investir na capacidade de responder. Não conseguimos prever a escala, mas podemos nos manter alertas, preparados e compartilhando conhecimento, acima de tudo.

 

 

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