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Governo tenta pautar Fundeb de supetão; Congresso resiste e adia votação

Parlamentares criticaram decisão do governo em enviar uma proposta aos 45 minutos do segundo tempo para o novo modelo de financiamento da educação

Novo Fundeb: após cinco anos de debate, Congresso Nacional finalmente chegou a um acordo para iniciar a votação, já atrasada, do fundo que financia 60% da educação básica do país (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Novo Fundeb: após cinco anos de debate, Congresso Nacional finalmente chegou a um acordo para iniciar a votação, já atrasada, do fundo que financia 60% da educação básica do país (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Clara Cerioni

Publicado em 20 de julho de 2020 às 12h51.

Última atualização em 20 de julho de 2020 às 14h06.

Após cinco anos de discussão em comissões especiais do Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição 15/15, que renova e amplia o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), finalmente chegou à pauta do plenário da Câmara dos Deputados.

O prazo está cada dia mais apertado, já que o atual modelo do fundo — que financia 60% da educação básica do país — expira em dezembro deste ano e não há nenhuma alternativa sendo discutida caso esse projeto não seja aprovado. No último dia 10, a relatora da PEC, a deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), entregou o relatório final com o texto-base do novo Fundeb, que foi considerado por setores educacionais como um avanço em relação aos recursos financeiros que serão investidos na educação.

A primeira vitória diz respeito à ampliação da participação da União no aporte de recursos, que pelo relatório vai passar dos atuais 10% para 20% gradativamente até 2026. O segundo envolve a duração do fundo, que pelo texto da PEC se tornará permanente. Até a última sexta-feira, 17, não havia dúvidas de que o texto-base da relatora seria o discutido no Congresso Nacional a partir de hoje.

No sábado, 18, no entanto, o governo federal decidiu apresentar uma proposta alternativa à debatida desde 2015 pelo poder legislativo. Desenhado pelo Ministério da Economia, o novo projeto modifica pontos essenciais do Fundeb. Entre eles, limita a verba destinada ao pagamento de funcionários da educação na ativa, repassa parte dos recursos para o novo programa Renda Brasil, reduzindo assim o aporte do governo no fundo de 20% para 15%, e adia a entrada das mudanças para 2022.

Por conta do envio de supetão da proposta pelo governo, os líderes da Câmara dos Deputados chegaram a um acordo de que a discussão começará nesta segunda-feira, 20, com a leitura do relatório da Professora Dorinha e um debate de pelo menos duas horas entre os parlamentares. A votação, contudo, ficou para amanhã, terça-feira, 21. 

As modificações foram criticadas por entidades e especialistas da área, que disseram que o adiamento para 2022 cria um “vácuo de recursos para 2021”. O texto da PEC estabelece que as novas regras começam a valer no ano que vem. “[Cria-se] um “apagão” para o financiamento e um colapso para a educação básica no Brasil no ano de 2021”, afirmou o Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), em nota.

Não só as propostas sugeridas pelo governo foram alvos de críticas, mas também o timing. Segundo parlamentares, faz pelo menos um ano e meio que a equipe do presidente Jair Bolsonaro se recusa a participar das discussões e decide fazer parte dos debates um dia antes da votação se iniciar no plenário.

Ao contrário de seu antecessor, Abraham Weintraub, que foi bastante criticado por deputados e senadores por sua inoperância frente ao MEC, o recém-empossado novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, começa a dar sinais de que quer se envolver com a proposta.

Sobre as discussões até agora, ele destacou no Twitter o trabalho dos técnicos da pasta. “Destaco primeiras impressões ao chegar a Brasília e tratar do assunto FUNDEB. O zelo e cuidado dos técnicos do MEC no aperfeiçoamento do projeto com adição de melhorias sobretudo em duas áreas: divisão socialmente justa dos recursos e aprimoramento de meios de controle final”, afirmou.

Em entrevista recente à EXAME, a relatora da proposta disse não ter tempo hábil para que o novo ministro entenda toda a discussão, mas que sua expectativa era a de que ele procurasse "ouvir a equipe técnica do MEC que tem nos auxiliado e que ele venha para essa luta de defender a educação pública".

Apesar da tentativa de participação, é pouco provável que a proposta do governo seja levada adiante. À reportagem, o deputado João Campos (PSB-PE), que é coordenador da Comissão Externa de Acompanhamento dos Trabalhos do Ministério da Educação, afirmou que a proposta apresentada pelo governo não tem aderência no Congresso Nacional, uma vez que ela foi enviada de "supetão, sem que houvesse qualquer articulação ou diálogo com os parlamentares, estados e municípios ou mesmo com a comunidade escolar".

"Há 1 ano e 6 meses, tenho participado da discussão sobre o novo Fundeb e vejo consenso em relação ao conteúdo. Ressalto ainda que neste período o MEC foi ausente nas discussões da PEC 15/15. Para além disso, quero deixar muito claro que vamos trabalhar fortemente pela ampliação da contribuição da União em 20% e sem desvio de recursos para quaisquer outras áreas, por mais importantes que elas sejam. Não cabe misturar tudo, como o governo federal tenta fazer. Isso soa como má fé", disse Campos.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que também faz parte de diversas comissões para a educação, afirmou no Twitter que o governo está "prestes a dar um golpe na educação". "O governo, que até aqui se ausentou completamente da educação, acabou de apresentar um outro relatório para o Fundeb, que quando comparado com o nosso, entre outras coisas, reduz a complementação da União de 20% para 15%", disse Amaral.

Para o presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, a medida desfigura o fundo. “Essa proposta do governo nos pegou de absoluta surpresa. Não faltou oportunidade para que o governo pudesse contribuir com o projeto. Entendemos que é um processo que inviabiliza o funcionamento do Fundeb”, afirmou Garcia, em entrevista à Agência Brasil.

Críticas ao teto de salários

 

O atual projeto da deputada Dorinha estabelece um mínimo de 70% dos recursos para pagamento de salários de todos os colaboradores educacionais na ativa, incluindo os professores. Na sugestão do governo, esse patamar é transformado em teto para que isso force investimentos na infraestrutura das escolas. O problema com essa proposta é que a maior parte dos municípios e alguns estados já usam acima desse porcentual para o pagamento da folha, e essa limitação pode inviabilizar os pagamentos.

Em nota, o Instituto Educatores, que reúne ex-secretários de educação, disse que 80% dos municípios utilizam 100% dos recursos do fundo para bancar a folha e seis estados mais de 90%. “É uma situação extremamente preocupante, especialmente se consideramos que os dados são de um ano anterior à crise, e ficarão ainda piores com a queda da arrecadação e o crescimento vegetativo da folha”, afirmou a entidade.

Outra mudança é em relação ao pagamento de aposentadorias com recursos do fundo. A proposta da relatora exclui a possibilidade dos municípios pagarem os inativos com recursos do fundo. O governo quer permitir o pagamento porque considera que estados e municípios terão cada vez menos recursos para bancar aposentadorias.

Maquiar o teto de gastos

Até semana passada, a equipe econômica do governo vinha se opondo a aumentar a participação da União no fundo dos atuais 10% para 20%, ao longo de seis anos. Na contraproposta apresentada, o governo aceita subir o montante, mas vincula cinco pontos percentuais à transferência direta de renda para famílias com crianças em idade escolar que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Isso seria parte do chamado Renda Brasil, novo programa social que vem sendo elaborado pela equipe de Paulo Guedes. A ideia é custear crianças em creches com recursos do Fundeb. É permitido, inclusive, o uso para o pagamento de auxílio-creche, o que foi visto pelos especialistas como uma possibilidade de transferência dos recursos para a iniciativa privada.

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, disse em publicação no Twitter que se todas essas propostas apresentadas pelo governo prosperarem, "a corda vai arrebentar nos alunos mais pobres". Ela cita que, transferir parte do orçamento do fundo para o programa Renda Brasil, "trata-se de claro desvio de finalidade do Fundeb para escapar da Lei do Teto".

O Consed, conselho dos secretários de educação, também manifestou preocupação com o desvio de finalidade na proposta enviada pelo governo. "Com esse projeto, o governo federal propõe que desses 10 pontos percentuais de acréscimo, 5 sejam destinados não à educação pública, mas a programas de transferência de renda, o que representa um claro desvirtuamento do propósito do Fundeb, além de uma perda de 50% dos recursos novos a serem complementados pela União no novo Fundeb”, disse em nota.

Os secretários afirmaram, ainda, que a proposta do governo permite que recursos públicos da União, dos estados e dos municípios sejam utilizados como auxílio para pagamentos nas redes privadas.

Ainda não se tem um acordo fechado se a sugestão do governo entrará no debate do Fundeb, que começa nesta segunda-feira, 20, às 15 horas, em sessão virtual. No entanto, algumas das mudanças apresentadas pelo Executivo já foram enviadas também por parlamentares em propostas de destaques, que são sugestões para além do texto-base que precisam ser discutidas no plenário. O que se sabe é que, independente do texto-base que for aprovado, o debate será acalorado do começo ao fim.

(Com informações da Agência Brasil e Estadão Conteúdo)

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