Brasil

De olho na eleição, governo brasileiro já tenta se aproximar de Joe Biden

Jair Bolsonaro é próximo de Donald Trump, mas já estaria tentando costurar uma relação com Joe Biden, favorito para assumir a Casa Branca

Antes apoiador de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro já tenta costurar uma relação com Joe Biden, adversário do republicano nas eleições americanas (Montagem EXAME/Getty Images)

Antes apoiador de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro já tenta costurar uma relação com Joe Biden, adversário do republicano nas eleições americanas (Montagem EXAME/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 2 de novembro de 2020 às 12h45.

Última atualização em 3 de novembro de 2020 às 17h10.

Na reta final das eleições nos EUA, o presidente Jair Bolsonaro tenta abrir canais de aproximação com o democrata Joe Biden, na frente nas pesquisas, e avalia como reagir à declaração do resultado oficial. A diplomacia brasileira se divide nas duas tarefas e apresentará ao presidente recomendações sobre como agir em todos os cenários.

Um deles é visto no Palácio do Planalto como de “considerável probabilidade”: a contestação do resultado por parte do aliado, Donald Trump, em caso de derrota por margem apertada. Neste caso Bolsonaro seria aconselhado a silenciar. Nos últimos meses, o presidente americano tem pavimentado o caminho para a judicialização da eleição, com acusações de que o voto pelo correio permite fraudes.

No entanto, pelo menos dois colaboradores da equipe brasileira, diretamente envolvidos no monitoramento das eleições e com acesso às campanhas, sugerem comedimento. Ouvidos reservadamente um deles disse que será necessário “esperar a poeira baixar”, em caso de judicialização. O outro afirma que a hipótese, já aventada por Trump, “exigirá cautela do nosso lado, para não se precipitar na comunicação”. Nenhum deles garante que Bolsonaro, cujo estilo é agir por impulso, seguirá a recomendação.

Bolsonaro recebe informações e análises constantes sobre o andamento da campanha. Ao longo deste mês, os republicanos travaram diálogo diário com o Planalto. As avaliações foram levadas ao conhecimento do presidente e dos ministros.

Amanhã é o prazo final para que Bolsonaro defina sua estratégia diplomática na noite da eleição e nos dias seguintes de apuração. Nos bastidores, o governo reconhece a dianteira de Biden nas pesquisas, embora seja proibido falar antecipadamente sobre possível derrota de Trump.

O cenário “otimista” para o Planalto seria uma reviravolta nas projeções e a vitória de Trump, mas a margem deve ser mais apertada do que há quatro anos. Não se descarta também a possibilidade de que a diferença no colégio eleitoral seja mínima, ainda que a favor de Biden.

Se a vitória de Biden for folgada, o governo brasileiro deve reconhecer a vitória. Dos dois lados, não há interesse em ruptura, por razões geopolíticas, o que fortaleceria a expansão chinesa nas Américas, objetivo declarado do presidente chinês Xi Jinping.

Neste caso, devem entrar em campo o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, e o chanceler, Ernesto Araújo, além do assessor internacional Filipe Martins. Os dois últimos trabalham para não cair em desprestígio no governo e perder a pecha de “olavistas”, dada aos bolsonaristas influenciados pelo escritor Olavo de Carvalho. Araújo, no entanto, é frequentemente lembrado por democratas em Washington pela autoria de um texto em que classificou Trump como o “salvador do Ocidente”.

Houve tentativas de contatos com nomes próximos a Biden, por meio de intermediários, conselheiros e assessores. Até o momento no entanto, uma reunião oficial com a equipe democrata foi vetada, pois a campanha não aceita relações formais com governos estrangeiros. A interferência da Rússia na campanha de 2016 fez Trump e seu time de segurança nacional serem investigados. Os democratas querem evitar acusações de interferência externa, segundo fontes dos dois lados.

Os brasileiros querem mostrar aos democratas que estão abertos a dialogar e trabalhar em conjunto. É um discurso-padrão da chancelaria há alguns meses. Embora credite os avanços em acordos de defesa, tecnologia e comércio à amizade entre Trump e Bolsonaro, Araújo já afirmou que a relação se reorganizará, mas não será afetada. Um assessor da campanha democrata disse entender que é difícil controlar as falas de Bolsonaro, afirmou que há pessoas tentando regularizar a situação, mas “o presidente ainda é o presidente”.

A saída para avançar em uma agenda bilateral, segundo envolvidos deve exigir que os países retirem o foco da relação pessoal entre os líderes. Algo improvável de ser reeditado. Isso porque o imagem de Bolsonaro dentro do Partido Democrata é muito ruim e qualquer movimento de aproximação de Biden com o presidente brasileiro deve criar atritos com a ala mais progressista da legenda.

Nos últimos dois anos, Trump e Bolsonaro trocaram elogios em quatro encontros - três nos EUA e um no Japão. A boa vontade, não foi suficiente para que os EUA atendessem a boa parte das pautas do Brasil, mas abriu caminho para o diálogo. Com Biden, assessores apostam que a relação será oposta. Diplomatas continuarão o trabalho em silêncio e as fotos amistosas devem desaparecer.

No Itamaraty, a aposta é por uma relação mais formal, um “esfriamento e desaceleração” da agenda entre os dois países. Diplomatas experientes avaliam que Biden tentará conduzir uma política externa com abordagem multilateral, envolvendo diversos países, enquanto Trump valoriza mais o nacionalismo.

Biden quer ser o primeiro presidente a colocar a pauta climática no centro da política externa americana e já prometeu “reunir o mundo” para proteger a Floresta Amazônica. Ele afirma que vai retornar ao Acordo de Paris. Trump e Bolsonaro, por sua vez, são vistos nos fóruns internacionais como “negacionistas climáticos”.

O Brasil sabe que isso pode colocar Planalto e Casa Branca em choque, mas tenta sinalizar aos americanos que o caminho para a proteção ambiental é o de cooperação e isolar o governo brasileiro seria ineficiente. Do outro lado, o time de Biden vê com bons olhos algumas ações do governo brasileiro, como o combate às queimadas coordenado pelos militares e o engajamento do vice-presidente Hamilton Mourão.

A campanha de Biden espera um primeiro sinal formal de disposição ao diálogo vindo de Bolsonaro, mas o problema estará nas duas pontas: a figura do presidente brasileiro e a esquerda do Partido Democrata, que vai exigir que parte do trabalho seja feita nos bastidores. Se perder a eleição, Trump deixará o cargo sem cumprir uma promessa pessoal feita a Bolsonaro: uma visita ao Brasil - ao menos como presidente.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEleições americanasEstados Unidos (EUA)Jair BolsonaroJoe Biden

Mais de Brasil

Banco Central comunica vazamento de dados de 150 chaves Pix cadastradas na Shopee

Poluição do ar em Brasília cresceu 350 vezes durante incêndio

Bruno Reis tem 63,3% e Geraldo Júnior, 10,7%, em Salvador, aponta pesquisa Futura

Em meio a concessões e de olho em receita, CPTM vai oferecer serviços para empresas