Brasil

Da “união” ao racha: o que deu errado nas prévias do PSDB?

Mirando em 2018, PSDB e seus figurões saem desgastados para vaga de presidente, ao menos quando o assunto é apoio de correligionários

João Doria Jr. em vídeo contra Lula e Dilma no Facebook (Reprodução/Facebook)

João Doria Jr. em vídeo contra Lula e Dilma no Facebook (Reprodução/Facebook)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 28 de março de 2016 às 06h00.

Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 15h02.

São Paulo – No fim de agosto, o PSDB deu o primeiro passo em busca da cadeira de prefeito de São Paulo. No dia 28, o empresário e apresentador de TV João Doria Jr. foi o primeiro a se inscrever como candidato oficial ao posto em evento no Diretório Municipal do partido.

O evento de Doria, recheado de celebridades e organizado por si mesmo, foi o start do que o partido esperava que fosse uma forma democrática de escolha. Sem um líder natural disposto a concorrer ao cargo, o PSDB recorreu ao sistema de prévias.

A mediação das votações seria coordenada pelo vereador Mario Covas Neto, que é também o presidente do Diretório em São Paulo. Sua ideia, à época, era entrar em 2016 com o nome do candidato tucano em mãos.

Inscreveram-se ainda o vereador Andrea Matarazzo e o deputado federal Ricardo Trípoli. Começaram aí os problemas.

Sucessivos atrasos no cronograma foram resultado de intervenções do Diretório Estadual do partido, que atendem diretamente ao governador Geraldo Alckmin, grande influenciador no estado.

Foram pedidas revisões de procedimentos e regras de votação. A decisão, prevista para dezembro de 2015, só saiu no último dia 20 de março, com vitória de Doria.

A mexida tirou força de Covas Neto e rendeu as regras a Alckmin, que durante todo o processo apoiou o empresário. Cada um dos pré-candidatos tinha por trás de si um dos grandes caciques do partido e, sua eleição atendia a interesses de cada um deles.

Trípoli era o único que não tinha grandes nomes em comparação com os adversários, acabou eliminado no primeiro turno de votações, no início do mês.

Geraldo Alckmin: nem reorganização escolar e crise hídrica enfraqueceram o governador em São Paulo (Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Matarazzo, por sua vez, tinha um batalhão de grandes nomes do “alto tucanato” trabalhando por ele. No time de apoio, estavam o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os senadores Aloysio Nunes e José Serra, além do ex-governador Alberto Goldman.

Nem mesmo essa equipe pôde bater a força que Alckmin e seu declarado apoio ainda têm em São Paulo. São figuras que não têm a mesma articulação do governador na região.

Nota-se seu poder pela última pesquisa Datafolha, em que, desgastado pelo plano de reorganização escolar e crise hídrica, o governador atingiu o seu maior índice de rejeição no estado com 30%, longe de ser a catástrofe esperada — ótimo e bom, 28%, e regular, 40%.

Além do prestígio, é dito no partido que Alckmin usou da máquina estatal para favorecer Doria. Agora candidato, o empresário foi acusado por seus adversários de abuso de poder econômico nas prévias, enquanto o diretório estadual fez vista grossa — Doria teria transportado eleitores e promovido atos ilegais de campanha, como boca de urna e desrespeito à lei Cidade Limpa.

O clima de desgaste no partido esquentou tanto que confrontos físicos foram registrados em dias de votação das prévias dos partidos.

“O que ele fez é algo condenável do ponto de vista ético? Sim, mas não chega a se caracterizar como uma frase eleitoral”, afirma Ricardo Sennes, analista político e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria. “O grande incômodo é que Doria é um candidato que está fora da ‘ordem interna cronológica’ do partido, é um outsider da lista sucessória. Então, não era visto com orgânico pelo resto do partido.”

O clima de desgaste no partido esquentou tanto que Andrea Matarazzo, um dos principais nomes regionais do partido, preferiu se desfiliar e disputar as eleições em outra legenda. O político é cogitado como candidato do PP, PV, PPS ou PSD.

"Depois de 25 anos de dedicação e lealdade, não tenho mais condições de me manter no PSDB”, disse Matarazzo em carta à executiva do partido. “Tomo tal atitude depois de muito refletir, com dor no coração. Mas é o único caminho que me resta."

Aos que ficaram restou constatar o resultado das urnas e tentar impugnar a candidatura de Doria, ainda que as regras não especificassem suas práticas como ilegais.

Para Sennes, da Prospectiva, apesar do desembarque de parte da cúpula, o PSDB não está inviabilizado. “Perder alguém do calibre do Matarazzo abala, mas não é o eleitorado tucano tradicional sozinho que ganha uma eleição”, diz.

Para os analistas, toda essa briga é pano de fundo para a disputa para a candidatura à presidência da República nas eleições de 2018. Com o PT desgastado pelos escândalos de corrupção na Petrobras e acusações ao seu maior ícone, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tucanos veem no próximo pleito uma chance de ouro para voltar ao Palácio do Planalto.

Ao indicar Doria, Alckmin tenta mostrar sua força em um dos principais colégios eleitorais do país, em especial contra o grupo de FHC e companhia, além de fortalecer a coalização com PSB, um partido com toque de esquerda e poder no Nordeste, onde o PSDB é mais fraco.

“Faz muito sentido o desenho que Alckmin está traçando”, afirma Sennes. “Certamente haverá uma disputa pela esquerda em que o PT vai agir, com ou sem a presença de Lula. Ele precisa agir nessa raia, puxando também o eleitorado de centro para a direita.”

O senador Aécio Neves: denúncias na Operação Lava Jato e fraqueza em Minas Gerais podem tirá-lo da disputa em 2018 (Gregg Newton/Bloomberg)

“A grande questão é que Alckmin tomou uma iniciativa arriscada, porque a chance de João Doria vencer a eleição é muito baixa e como é improvável que o Doria tenha sucesso, o Alckmin cria problemas para si nessa corrida por 2018”, afirma Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.

Em contraponto, os analistas dizem ainda que a estratégia que vem do “alto tucanato” ainda não está clara. Com Aécio Neves afetado por denúncias na Operação Lava Jato e com a fraqueza demonstrada em Minas Gerais nas últimas eleições, é possível que seu nome seja reconsiderado para 2018.

“Aécio troca sua evidência positiva como nome da oposição em 2014 pela negativa como principal nome do PSDB envolvido na Lava Jato”, diz César Alexandre Carvalho, analista político da CAC Consultoria. “Entre Alckmin e Serra, a desistência do aliado do Serra dá uma mostra do que pode vir a seguir, já que as portas do PMDB estão abertas para o senador.”

Com todo esse embate, os tucanos chegam rachados ao pleito. Pelas novas regras eleitorais, os partidos políticos têm até 5 de agosto para inscreverem seus candidatos no TSE. Até lá, mudanças no plano tucano ainda podem ocorrer, ainda que impossíveis de prever.

“É preciso trabalhar melhor a ideia de prévias, com uma liderança para definir regras que não sejam quebradas”, diz Ribeiro, da MCM Consultores. “Os partidos brasileiros não têm tradição de prévias, mas é inevitável que se torne mais comum, porque os partidos precisam de renovação e transparência.”

Acompanhe tudo sobre:aecio-nevesEleiçõesEleições 2016Fernando Henrique CardosoGeraldo AlckminGovernadoresOposição políticaPartidos políticosPersonalidadesPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileirosPrefeitosPrefeiturasPSDB

Mais de Brasil

Como emitir nova Carteira de Identidade no MT: passo a passo para agendar online

Com Marçal mais "comedido" e críticas a Nunes, candidatos focam em propostas em debate do STB

Oferta de moradia: Governo de São Paulo deseja adquirir quase 6 mil imóveis no centro da capital

Ensino no Brasil não prepara crianças para mundo do trabalho com IA, diz executivo do B20