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Da promessa à entrega: estratégias para resultados no setor público

OPINIÃO | Não há receita de bolo para liderar efetivamente, mas este artigo explora quatro conjuntos de práticas fundamentais para líderes que buscam transformar a realidade de muitas pessoas por meio de seu trabalho em governos

Publicado em 29 de janeiro de 2025 às 10h48.

Última atualização em 29 de janeiro de 2025 às 10h48.

Por Tadeu Barros e Vinicius Bueno*

Vivemos um momento de desconfiança no Brasil e no mundo em relação às lideranças públicas. Promessas descumpridas e um frequente distanciamento entre o debate político e as necessidades reais das pessoas alimentam frustrações. Por outro lado, liderar nunca foi tão desafiador: problemas complexos exigem respostas que geralmente não geram resultados do dia para a noite. Apesar disso, há casos de lideranças públicas no Brasil e no mundo que têm mostrado que é possível superar esses desafios e entregar resultados concretos. O que podemos aprender com esses casos? De que forma a tecnologia pode ser utilizada para apoiar governos a entregarem melhores resultados?

Não há receita de bolo para liderar efetivamente, mas este artigo explora quatro conjuntos de práticas fundamentais para líderes que buscam transformar a realidade de muitas pessoas por meio de seu trabalho em governos.

Diagnóstico e visão compartilhada sobre o problema

O primeiro conjunto de práticas envolve definir uma visão compartilhada ao mesmo tempo ambiciosa e realista, que estabeleça prioridades claras, a partir de um diagnóstico sólido dos principais problemas a serem enfrentados e suas causas.

Quando as lideranças não estabelecem prioridades bem definidas, a falta de clareza sobre o que precisa ser feito leva ao desperdício de recursos como tempo e dinheiro. Em contraste, quando são definidas prioridades claras, isso ajuda a equipe a tomar decisões coordenadas para atingir um objetivo comum.

Quando a visão é traduzida em metas de resultados, com boas métricas que focam no impacto que se quer alcançar na vida das pessoas (tais como melhoria na aprendizagem dos estudantes ou redução nas taxas de mortalidade infantil e de homicídios), isso reforça o foco em resultados concretos.

O processo de definição de prioridades deve ser coletivo, envolvendo não apenas as pessoas em posições de autoridade, mas também servidores e a população afetada de forma mais ampla, tanto para representar as verdadeiras necessidades das pessoas quanto para ter maior legitimidade e apropriação pelas pessoas.

Políticas públicas baseadas em evidências

O segundo conjunto de práticas envolve desenhar políticas baseadas em evidências. Isso inclui aprender com práticas e pesquisas de diferentes partes do Brasil e do mundo e adaptar ao contexto específico, assim como com boas práticas do próprio contexto em que as políticas serão boas implementadas.

Por exemplo, quando um governo estadual desenha políticas educacionais, é importante aprender tanto com outros estados e países como também com boas práticas já existentes em algumas escolas ou regionais do estado, buscando dar maior escala a boas práticas já existentes. Além disso, é importante envolver pessoas e organizações com diferentes perspectivas no desenho das políticas, que possam trazer diferentes visões para se ter uma compreensão mais ampla da realidade e um conjunto mais abrangente de possíveis políticas.

O que funciona e o que não funciona

O terceiro conjunto de práticas envolve acompanhar sistematicamente a implementação, com rotinas e o uso de dados e evidências qualitativas para identificar o que está funcionando bem na execução das políticas, desafios que surgem ao longo do caminho, e resolver problemas em conjunto com a equipe.

O processo de implementação exige também definir responsabilidades claras, com a liderança promovendo um senso de responsabilidade compartilhada com diferentes pessoas da equipe. Além de buscar garantir a qualidade da implementação, é crucial comunicar os resultados de forma clara e frequente, não apenas para favorecer a consistência na entrega de resultados, mas também para aumentar a confiança da população nos governos a partir do compartilhamento com a sociedade dos resultados, celebrando as conquistas e promovendo um diálogo transparente sobre os desafios.

Construir coalizões

O quarto conjunto de práticas envolve construir coalizões com diversos atores em torno de políticas públicas e fortalecer capacidades estatais para que as políticas possam continuar mesmo quando há mudanças de gestão.

Uma das formas de lidar com o problema de falta de continuidade de políticas quando há mudanças de gestão é construir coalizões com diferentes atores, como por exemplo organizações da sociedade civil, em torno de políticas exitosas, gerando uma pressão positiva e conhecimento acumulado para que as políticas que estão dando certo possam continuar e serem aprimoradas ao longo do tempo.

Outra forma é fortalecendo as capacidades estatais, por exemplo com ações para fortalecer as competências de servidores públicos que continuam nos governos mesmo quando há mudanças de gestão, assim como sua apropriação das políticas públicas. Essas diferentes práticas podem em conjunto promover mudanças culturais, que fazem com que os governos sejam cada vez mais focados em entregas aos cidadãos, gerando melhores resultados de forma duradoura.

Para potencializar esses quatro conjuntos de práticas, a tecnologia é essencial, e o crescimento exponencial de aplicações de inteligência artificial, se bem utilizado, tem um grande potencial de contribuir para transformações.

O uso de big data pode ajudar a agregar uma série de dados e informações dispersas de forma a contribuir para realizar um diagnóstico dos problemas - por exemplo, diversos estados e municípios estão utilizando dados em saúde para prevenir doenças, com apoio da tecnologia para organizar informações para agentes comunitários de saúde e gestores públicos.

A tecnologia pode também facilitar a inovação no desenho de políticas de potenciais políticas públicas, a partir de casos e evidências de todo o mundo, como a criação e disseminação do PIX, um caso de sucesso internacional de uso de recursos tecnológicos para facilitar transações de forma simples e segura. Além disso, painéis de indicadores são utilizados por diversas lideranças públicas para qualificar o monitoramento de políticas, facilitando a identificação de problemas e oportunidades de melhoria, e algoritmos preditivos que usam inteligência artificial que possibilitam antecipar problemas tais como enchentes e evasão escolar.

Por fim, plataformas digitais podem contribuir para que diferentes atores se sintam ouvidos e para fortalecer a capacidade de entrega dos governos, contribuindo para a legitimidade e melhoria constante das políticas públicas.

Um bom caminho é o uso de plataformas de consulta pública para receber críticas e sugestões dos cidadãos. Tal expediente traz engajamento, transparência e rastreabilidade acerca do papel e missão da administração pública. Ainda que já haja diversos exemplos ao redor do Brasil que ilustram o potencial de governos usarem a tecnologia, ainda há um grande gap para uma efetiva aplicação de ferramentas tecnológicas, em especial o poder da inteligência artificial, para que os governos entreguem mais com menos.

Pode parecer desafiador para uma liderança pública assumir tantas responsabilidades, e de fato é, mas não é impossível. Quando líderes se cercam de uma equipe composta por pessoas comprometidas com a melhoria da vida da população e que possuem as competências necessárias para transformar aspirações em mudanças concretas, os resultados podem ser notáveis.

O exemplo do Espírito Santo, estado que nas últimas décadas alcançou avanços significativos em áreas como educação, saúde, segurança pública e responsabilidade fiscal, ilustra isso. Lideranças públicas com uma visão clara, compartilhada com a sociedade, e apoiadas por equipes que aliam competências técnicas e políticas, podem tomar decisões baseadas em evidências, construir coalizões com diversos atores em torno de objetivos comuns e estabelecer processos sólidos de monitoramento de políticas.

Esses elementos mostram que, embora não seja uma tarefa fácil, é possível promover transformações significativas e sustentáveis ao longo do tempo. Como diz o ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, governar não é uma corrida de 100 metros, mas uma maratona, e por isso exige consistência mais do que velocidade. Em síntese, há muito que pode ser aprendido com bons casos de liderança e gestão pública no Brasil e no mundo para que lideranças públicas possam entregar melhores resultados, potencializando o uso da tecnologia para tal.

Mesmo que não haja receita pronta e a capacidade de liderança das pessoas em posições de autoridade influencie significativamente na entrega de resultados, liderar efetivamente é menos sobre carisma, e mais sobre como promover melhorias concretas na vida das pessoas a partir de um trabalho consistente. Ainda que os quatro conjuntos de práticas por si só não sejam suficientes, elas podem colaborar e muito para que lideranças públicas entreguem melhores resultados, contribuindo para construir cidades, estados e países mais prósperos e justos.

*Tadeu Barros é diretor-presidente do CLP

Vinicius Bueno é mestre em Administração Pública em Desenvolvimento Internacional pela Kennedy School de Harvard

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