Jair Bolsonaro: decisão do governo brasileiro sobre mudanças em divulgação dos dados da covid-19 foi tema do noticiário internacional (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2020 às 14h58.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 13h26.
O jornal britânico Financial Times publicou editorial neste domingo intitulado "Jair Bolsonaro deflagra temores pela democracia brasileira". No texto, o periódico menciona o estreito vínculo do presidente brasileiro com o Exército e seu aval a manifestações que vêm pedindo a volta da ditadura militar relata os embates recentes do Executivo com instituições do País e alerta para o risco "real" à maior democracia da América Latina.
O FT lembra das semelhanças de Trump e Bolsonaro, conhecido como "Trump Tropical", mas destaca a possibilidade de o brasileiro "minar" instituições. Segundo o FT, Trump e Bolsonaro são nacionalistas que "proferem o amor a Deus e às armas", a propensão para governar por meio do Twitter e um apreço por estimular suas bases com uma retórica de divisão.
"No Brasil, contudo, há uma possibilidade mais preocupante: que Bolsonaro, cada vez mais apavorado, esteja desiludido com o processo democrático pelo qual assumiu o cargo e queira minar as instituições que sustentam o País", alerta o jornal.
O jornal lembrou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, alertou seus pares no fim de semana passado que o Brasil se parecia à Alemanha nazista. "Pode soar exagerado, mas poucos presidentes eleitos considerariam participar de uma manifestação na qual manifestantes pedem que o Congresso e a Suprema Corte sejam fechados e substituídos pelo regime militar", diz o FT no editorial.
"Foi o que Bolsonaro fez - não uma vez, mas várias vezes", continua, lembrando que o ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, foi "forçado a se demitir" após ter citado frase do ministro da propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels.
Segundo o Financial Times, após uma ditadura militar que durou mais de 20 anos, deixando o País em "caos econômico e dívida externa em espiral", assim como "cicatrizes profundas da perseguição e assassinato de centenas de opositores políticos", a democracia da maior nação da América Latina fez "grandes progressos".
O FT cita, por exemplo, a Constituição de 1988, a retirada dos militares do poder e o surgimento de novas instituições civis, como o STF, o Congresso e "uma vibrante e independente" imprensa. "Estas instituições agora atraem a ira de Bolsonaro", afirma o jornal britânico, referindo-se à investigação sobre o esquema de distribuição de notícias falsas envolvendo os filhos do presidente e ao pedido de apreensão do celular de Bolsonaro em meio a investigações sobre interferência na autonomia da Polícia Federal.
Ao fim do artigo, o Financial Times alerta para o temor dos brasileiros de que Bolsonaro possa estar tentando provocar uma crise entre Executivo, Legislativo e Judiciário para justificar uma intervenção militar. A tentativa ocorreria, diz o FT, em meio à queda nas intenções de voto no presidente, problemas crescentes com a pandemia de coronavírus no País, baixas expectativas quanto a implementação de reformas econômicas e saída de capital.
"Até o momento, as instituições brasileiras resistiram ao ataque, com forte apoio público. É improvável que o Exército apoie um golpe militar para instalar Bolsonaro como um autocrata", afirma o FT. "Mas outros países devem observar: os riscos para a maior democracia da América Latina são reais e estão crescendo."
O governo Bolsonaro ainda foi tema do noticiário internacional pela decisão recontar as vítimas do coronavírus no país. O Ministério da Saúde também parou de divulgar os números gerais da pandemia e só noticia os números diários. Além disso, o balanço da covid-19 que antes era divulgado às 19h, passou a ser publicado apenas às 22h.
Sobre a medida, o The New York Times afirmou que Bolsonaro minimizou os perigos da pandemia, substituiu especialistas médicos no Ministério da Saúde por oficiais militares e argumentou contra as medidas dos estados para combater o vírus, prejudicando a resposta à saúde pública do país.
O The Guardian também noticiou o decisão do governo brasileiro. "A decisão foi tomada após meses de críticas de especialistas, dizendo que as estatísticas do Brasil são terrivelmente deficientes e, em alguns casos, manipuladas, o que significa que talvez nunca seja possível obter uma compreensão real da profundidade da pandemia no país", escreveu o jornal.