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Crise sanitária e superlotação: prisões são bomba-relógio para coronavírus

Advogados, especialistas e CNJ apontam para a necessidade de proteger presos, funcionários e toda a sociedade diante do cenário preocupante da doença

Prisões brasileiras: unidades sofrem com superlotação, pouca higiene e falta de ventilação (Reuters/Reuters)

Prisões brasileiras: unidades sofrem com superlotação, pouca higiene e falta de ventilação (Reuters/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 22 de março de 2020 às 08h30.

Última atualização em 23 de março de 2020 às 09h11.

Enquanto a pandemia do novo coronavírus avança no Brasil, que tem mais de 1.000 pessoas infectadas e mais de 10 mortes, cresce a preocupação sobre as consequências de quando o surto chegar às prisões brasileiras.

Historicamente, o país enfrenta problemas dramáticos por conta da superlotação das unidades prisionais, que chega a 176%, segundo números mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do ano passado. Ao todo, são 812.564 presos, sendo que existem vagas em presídios para 461.026 pessoas. Os presos provisórios, que ainda aguardam julgamento, correspondem a 35,9%, o que representa 291.710 detentos.

Além da superlotação, o sistema prisional brasileiro também enfrenta problemas sanitários e de atendimento médico. Esses cenários, em conjunto, são como uma bomba-relógio que pode impactar toda a sociedade brasileira.

Nesta semana, o CNJ orientou que os tribunais e magistrados concedam prisão domiciliar a todas as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto.

No documento, o órgão escreve que faz a recomendação porque "a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos". Leia na íntegra a recomendação do CNJ para conter o coronavírus nos presídios.

De acordo com o CNJ, o juiz de execução penal é quem deve estabelecer os limites, garantindo que detentos que cometeram crimes hediondos, como assassinatos e homicídios não se beneficiem da medida. No entanto, essa categoria, em 2017, representava apenas 11% dos presos, enquanto os crimes relacionados ao tráfico de drogas chegavam a 28% e roubos e furtos somados eram 37%.

"A sociedade precisa se conscientizar de que a recomendação não é abrir as portas dos presídios, mas sim que presos em regime aberto e semiaberto já estão convivendo com a sociedade há um tempo", diz o advogado criminalista Bernardo Fenelon.

A medida deve se manter como uma recomendação e não se tornar obrigatória, uma vez que nesta semana o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria que não é de sua competência autorizar a liberdade condicional ou prisão domiciliar a presos com mais de 70 anos e doentes devido à pandemia.

"Em um momento de incertezas e atento à restrição sanitária decorrente dos riscos epidemiológicos da covid-19, o Conselho Nacional de Justiça nada mais fez do que prestigiar a segurança e a incolumidade dos presos, dos seus familiares e dos agentes públicos", afirma o advogado Willer Tomaz.

Preocupação iminente

Com o crescimento vertiginoso dos casos da covid-19 nesta semana, os estados começaram a tomar medidas relacionadas aos presídios. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiado por Sergio Moro, lançou um painel de monitoramento que reúne todas as decisões das administrações prisionais do país.

Em São Paulo, estado com o maior número de casos confirmados (mais de 400), a Justiça proibiu visitas em todas as prisões. Na última semana, seis presídios que abrigam detentos em regime semiaberto iniciaram uma rebelião, que resultou na fuga de mais de 1,4 mil presos, antes do início de um isolamento por conta da covid-19. Pouco mais de 500 foram capturados.

O Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo) já informou que há casos suspeitos de coronavírus em algumas unidades.

No Rio de Janeiro, alguns detentos estão em isolamento por suspeita de terem contraído a doença infecciosa. Há a expectativa de que nas próximas semanas, a Defensoria Pública do estado realize um mutirão para avaliar a situação dos presos provisórios.

As visitas estão suspensas em todas as unidades do estado e, na última quarta-feira, 18, a VEP (Vara de Execuções Penais) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) decidiu que presos em regime semi-aberto, que trabalham fora das prisões, podem dormir em suas casas por 30 dias. Os detentos em regime aberto também poderão cumprir suas penas em regime domiciliar pelo mesmo período.

Desafios anteriores

Antes mesmo do avanço do coronavírus, as prisões já enfrentam uma epidemia de tuberculose há anos, como revelou um levantamento inédito da Agência Pública publicado nesta semana. No ano passado, as unidades prisionais também lidaram com um surto de sarna.

Em relação à covid-19, um dos principais problemas é que entre os detentos há uma grande parcela que se enquadra no grupo de risco, como presos com mais de 60 anos, soropositivos, diabéticos, portadores de tuberculose, câncer, doenças respiratórias, cardíacas e imunodepressoras, entre outras.

"Quando olhamos o sistema prisional brasileiro identificamos uma crise sanitária que não é de hoje e já se apresentava como um grande desafio para o país. As celas não têm ventilação, são pouco iluminadas e a assistência médica é defasada", afirma Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, que desenha políticas públicas voltadas para a área de segurança.

Exemplo é um levantamento do Ministério da Justiça de 2017 que aponta que a violência representa menos da metade das mortes em presídios. Ao contrário, doenças como HIV, sífilis e tuberculose correspondem por 62% das mortes.

“A população prisional já enfrenta surtos de doenças que estão controladas na sociedade, como a tuberculose. Como o Estado poderá garantir a contenção de uma enfermidade que segue incontrolável no mundo todo?”, questiona Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas.

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