Jair Bolsonaro: pano de fundo da disputa é o controle do PSL, que se tornou uma superpotência ao receber o maior número de votos para a Câmara no ano passado (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de outubro de 2019 às 12h43.
Última atualização em 19 de outubro de 2019 às 12h45.
São Paulo — A crise entre o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula do PSL implodiu o único apoio fiel que o governo tinha na Câmara. Incomodados com a ofensiva do Palácio do Planalto para derrubar o líder da bancada, Delegado Waldir (PSL-GO), deputados do partido ligados ao presidente da sigla, Luciano Bivar (PE), afirmam que passarão a atuar de forma independente, o que significa contrariar os interesses do governo em alguns casos.
Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo utilizando a ferramenta Basômetro, que mede o governismo de deputados e partidos, o PSL é o partido que mais deu suporte às propostas de interesse do governo na Câmara. Parlamentares da sigla votaram com Bolsonaro em 99% das vezes - índice superior a DEM e Novo, que deram 94% dos votos alinhados ao governo.
Entre os temas que os "bivaristas" prometem encampar contrariando interesses do Planalto está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a prisão após condenação em segunda instância e a defesa das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) da Lava Toga e das Fake News.
"Não haverá consenso em todas as pautas com o presidente Bolsonaro, o partido terá seu posicionamento", afirmou Waldir. Segundo ele, o apoio às medidas econômicas, no entanto, está garantido.
Dos 53 deputados do PSL, apenas dez foram 100% fiéis a Bolsonaro até agora. Na lista estão Waldir e Bivar, principais alvos do presidente. "Vamos apoiar as bandeiras de Bolsonaro na campanha e que defendemos também. Mas, se aparecer algum projeto que diverge do que ele defendeu, vamos votar contra", afirmou o deputado Charles Evangelista (PSL-MG).
Parlamentares apontam como exemplo propostas que afrouxam o combate à corrupção. Na lista, a transferência do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiros (Coaf) do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia. A mudança, que representou uma derrota ao ministro Sérgio Moro, foi aprovada pelo Congresso em junho, com aval do Planalto.
"Quando houver flexibilização daquilo que o Brasil quer, merece e precisa, por óbvio que ninguém contará comigo. Eu não faço jogo, não faço esquema", afirmou a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), destituída do posto de líder de governo no Congresso anteontem após não endossar uma lista contra Waldir.
Bolsonaro atuou pessoalmente para retirar o atual líder da bancada e emplacar no lugar o filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Os pedidos do presidente a deputados para que assinassem um documento de apoio a Eduardo foram gravados e divulgados por bivaristas, o que acirrou a crise entre as duas alas do partido.
O pano de fundo da disputa é o controle do PSL, que se tornou uma superpotência ao receber o maior número de votos para a Câmara no ano passado, na onda do "bolsonarismo". Apenas neste ano, a legenda deve receber R$ 150 milhões do Fundo Partidário, o maior valor entre as 32 siglas do País.
Entre os deputados que defenderam a permanência de Waldir na liderança, porém, há quem mantenha a fidelidade ao governo. "Meu apoio ao presidente Jair Bolsonaro é incondicional. Neste momento, o Brasil precisa do nosso trabalho e não de picuinhas que não levam a nada", afirmou a deputada Soraya Manato (PSL-ES).
O deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), afirma que a postura "independente" já era adotada por ele na condução do colegiado - o mais importante da Câmara.
"Eu já tenho independência na CCJ. Até porque hoje tudo o que eu pautei foi porque eu fui atrás", afirmou o parlamentar. "E vou continuar assim. Se a insanidade de alguns está ofuscando a vista para um projeto de nação, não vai acontecer isso comigo."
Nesta semana, em uma reação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Fracischini decidiu acelerar a discussão da PEC que prevê a prisão antecipada de réus após condenação em segunda instância. A intenção é se antecipar a uma eventual mudança de entendimento do Supremo, que começou na quinta-feira a julgar três ações sobre o tema.
Embora o governo não tenha se posicionado sobre o assunto, uma postagem anteontem na conta de Bolsonaro no Twitter em defesa da PEC foi apagada. Minutos depois, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente, admitiu ter sido o autor da publicação no perfil do pai, mas sem autorização.
O Planalto tem adotado cautela na relação com o STF e, em alguns casos, atuado para evitar que o Congresso tome medidas que visem atingir ministros da Corte. É o caso, por exemplo, da CPI da Lava Toga, que mira no chamado "ativismo judicial" de magistrados.
O pedido de criação da comissão foi enterrado no Senado com a ajuda do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), primogênito do presidente.