Áreas rurais e urbanas do território nacional já sofrem com torneiras secas por conta da crise hídrica (Douglas Magno / AFP via/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 27 de setembro de 2021 às 06h02.
Última atualização em 27 de setembro de 2021 às 19h37.
Em três décadas, Maria Rosa Arezi produziu todo tipo de orgânico em sua propriedade em Cascavel, no Paraná. Porém, a água secou. O lago do terreno, que já teve quase 80 mil metros cúbicos cheios, sumiu após quase dois anos de chuva abaixo da média no estado. Para garantir o próprio sustento, a família teve de vender os equipamentos de irrigação.
— Ficamos com medo de ficar sem água para a casa e paramos a produção — conta.
Áreas rurais e urbanas do território nacional já sofrem com torneiras secas por conta da crise hídrica, que também deixa o país em risco de um apagão elétrico. E a seca prolongada já impacta o dia a dia de muitas famílias Brasil afora, que mudam de hábitos e até de meios de produção e renda.
A região mais atingida é a Bacia do Paraná, que abastece Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e o Distrito Federal. E de acordo com relatório do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão de chuvas para a primavera não é animadora.
Segundo o Prognóstico Climático da Primavera 2021, a região Sul tem maior probabilidade de continuar com chuvas abaixo da média histórica no período, quando deveria começar a estação chuvosa para recuperar os reservatórios.
No bairro Uberaba, em Curitiba, Letícia Andrade e seus vizinhos estocam água.
— Não é raro a gente ficar três dias sem água. Todo mundo tem galões para guardar um pouco para os dias secos — diz.
Pedro Augusto Breda Fontão, professor do Departamento de Geografia do Setor de Ciências da Terra e coordenador do Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que a causa é o fenômeno La Niña, que já afetou o Sul em 2020:
— Ele deixa as águas do oceano mais frias, e isso causa chuva mal distribuída, com volumes abaixo do esperado. Consequentemente, não serão recuperados os níveis dos reservatórios já em estado crítico.
A região metropolitana de Curitiba já vive um intenso rodízio no abastecimento de água à população. Ele é suspenso por 36 horas e, depois, liberado pelo mesmo período.
— Se um reservatório grande secar e precisar desligar algumas captações, será um colapso. É isso que o rodízio tenta evitar — afirma Cláudio Marchand Krüger, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da UFPR.
Ainda segundo o relatório do Inmet, desde janeiro de 2019 o Paraná teve 23 dos 32 meses até agosto de chuvas abaixo da média, e a previsão é que até fevereiro de 2022 não choverá acima dela — caracterizando uma das três maiores secas desde o início das medições, no início do século XX.
— Desde 1999, há alertas de que a população da região metropolitana de Curitiba ia crescer, o que aumentaria a demanda de novos mananciais e reservatórios — diz Fontão.
Outros estados da Bacia do Paraná sofrem com a estiagem. O Mato Grosso do Sul, segundo o Inmet, está na mesma situação que o Paraná. São Paulo já adota rodízios em algumas cidades. Em Bauru, são 24 horas de abastecimento e 48 sem água. Em Valinhos, a lanchonete na qual André Luís Pires trabalha só continua aberta porque os donos passaram a comprar água. Apesar do rodízio de 24 por 24 horas, na semana passada o comércio ficou de segunda a sexta-feira sem abastecimento:
— São R$ 600 só com galão de água. O que dá a gente reutiliza. Com a água que lavamos a louça, limpamos o chão.
Bugre, em MG, no Vale do Rio Doce, começou a interromper a oferta após o posto de água que abastece a cidade quase secar. Uberaba definiu multa de R$ 293,47 para quem desperdiçar .
— A água não cai das 7h às 17h. Passo a madrugada inteira fazendo as coisas, limpando a cozinha — diz Dhara Kelly, dona de uma lanchonete.
Em Goiás, alguns bairros de Goiânia e Aparecida de Goiânia devem entrar em sistemas de rodízio nos próximos dias. No Rio, abastecido pela Bacia do Paraíba do Sul, o principal reservatório (Paraibuna) tem apenas 21% do volume útil. Em 2015, na última grande crise hídrica do estado, esse índice chegou a -1,64.
— Vamos depender das chuvas, especialmente no verão, e teremos de poupar em 2022 — diz Paulo Canedo, professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ.