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Condenação de Lula aumenta polarização, diz professor da FGV

Para o cientista político, um dos principais efeitos da condenação é a fragilização dos políticos tradicionais e o aumento da polarização entre os eleitores

Claudio Couto: sentimentos de antagonismo a respeito de Lula causa uma exacerbação do processo de polarização (Instituto de Estudos Avançados da USP/Divulgação)

Claudio Couto: sentimentos de antagonismo a respeito de Lula causa uma exacerbação do processo de polarização (Instituto de Estudos Avançados da USP/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 12 de julho de 2017 às 20h01.

Última atualização em 12 de julho de 2017 às 21h20.

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidentemente, é a notícia da vez entre aliados e opositores. A ex-presidente Dilma Rousseff chamou a condenação a nove anos e seis meses de “escárnio”. O PT diz em nota que “Lula não está acima da lei, tampouco abaixo dela. O que ocorre é um processo de perseguição que se constitui em uma aberração constitucional”.

Do outro lado do espectro político, um dos primeiros a se pronunciar foi o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). “A Justiça foi feita. (…) Lula, maior cara de pau do Brasil, foi condenado”.

Para o cientista político Claudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, um dos principais efeitos da condenação é a fragilização dos políticos tradicionais e o aumento da polarização entre os eleitores. Tudo isso nubla ainda mais o cenário para 2018. “Favorece também o surgimento de um outsider de posição política extrema. E o nome mais evidente é o de Jair Bolsonaro”.

Abaixo, a íntegra da entrevista concedida a EXAME Hoje.

Temos pela primeira vez um ex-presidente condenado, qual a consequência imediata no mundo político?

O resultado é ambíguo, por ora. Por um lado, você tem um processo de martirização do ex-presidente Lula, que faz com que o setor simpático a ele o considere ainda mais como uma vítima de um processo de perseguição jurídica. É a narrativa que Lula, seus aliados e advogados vinham imprimindo à história da Operação Lava-Jato, assim como boa parte da esquerda brasileira que não é necessariamente ligada ao PT. Por outro lado, os seus detratores, sejam os localizados mais claramente à sua direita no espectro político ou apenas aqueles que o viam como responsável por atos de corrupção, veem a confirmação de suas expectativas. O efeito dessas reações antagônicas é uma exacerbação do processo de polarização política. Um lado não quer dialogar com o outro. A polarização que já existia, tende a se aprofundar. É o grupo da “perseguição” versus o “fazer Justiça”. É uma tendência geral de radicalização.

O PT vinha desgastado, com a perda de 60% das prefeituras em 2016. Como fica agora?

A tendência dos petistas é produzir mais mobilização em torno da sua principal liderança. Mas há uma clara fragilização da candidatura dele para o ano que vem. Quando um candidato qualquer está sob suspeitas já fica fragilizado. Se chega a virar objeto de condenação, o desgaste é ainda maior. Considerando as pretensões políticas, aumentaram as taxas de rejeição e há o perigo de confirmação de condenação em segunda instância que o tiraria do pleito. Para fechar, só fica a dúvida sobre o timing da apreciação desse recurso em segunda instância. O tempo médio que o TRF-4 leva para avaliar o recurso e de um ano. A data acabaria coincidindo com o momento de início de campanha eleitoral. Já pensou a confirmação de uma condenação e transformação do candidato em ficha suja no início do processo eleitoral? Daria um grau inédito de instabilidade para a disputa democrática, porque não é um momento muito oportuno para inviabilizar uma candidatura dessa importância. É a candidatura para presidente e de um ex-presidente popular. E mesmo que o recurso seja apreciado entre março e abril, quando convenções partidárias costumam confirmar os nomes dos candidatos, gera-se outro problema para a esquerda, que é formar um candidato forte até lá. Hoje, há candidaturas de porte médio da centro-esquerda, como Ciro Gomes e Marina Silva, mas inexiste um nome mais forte. Até uma definição sobre Lula, não há espaço para outro crescer.

A situação afeta a eleição para o PT no Congresso?

Não ajuda, mas há um problema que precede Lula: o distanciamento entre disputas presidenciais e para o Congresso. No Executivo, a eleição é mais personalista e há um desgaste dos nomes da classe política tradicional. A chance de um nome novo ou carismático aumenta. Favorece também o surgimento de um outsider de posição política extrema, algo diferente do que está aí. E o nome mais evidente é o de Jair Bolsonaro. No Legislativo, a dinâmica tende a ser a de manter o andamento tradicional da política e, consequentemente, o esperado é a recondução de políticos de carreira. Será um Congresso não muito diferente do que temos hoje. E nesse cenário, o PT já não vivia uma situação muito boa. A tendência ainda nesse contexto era de dificuldade de eleger uma bancada significativa. Um dos indicadores de previsão de eleição no Congresso é a eleição municipal de dois anos antes. Nestas últimas, o PT foi devastado. Com ou sem Lula, eles teriam dificuldades ano que vem. Sem Lula piora, mas seria ruim de qualquer forma. Era um partido que pregava justamente ser diferente do que estava aí, mas se tornou igual aos outros.

O senhor vê ação política na Operação Lava-Jato, como dizem os aliados do ex-presidente?

Política, ela é mesmo. O Ministério Público Federal tenta mostrar força e independência. Existe, por parte de membros do sistema de Justiça, uma agenda própria. Não é necessariamente ligada a este ou aquele partido no sentido convencional do termo, ou das legendas que disputem a eleição. Mas tem uma agenda daquela instituição como tal. Existe uma agenda do Rodrigo Janot [procurador-geral da República], própria e política. A própria disputa que se deu entre Janot e Raquel Dodge [opositora e indicada para sucessão no cargo] é uma mostra. Os poderes do Estado funcionam no entrechoque. Por vezes, agentes agem pelo partidarismo mesmo. O comportamento de Gilmar Mendes é um exemplo claro. Talvez seja o mais chamativo, mas não é único. Mas achar que Temer ou Lula enfrentem problemas porque o Ministério Público tem agenda própria é fechar os olhos para evidencias que aparecem do ponto de vista do comprometimento deles com as práticas “pouco republicanas”.

A condenação de Lula muda algo no cenário de enfraquecimento do presidente Michel Temer?

Acho uma ligação possível. Tivemos os debates na Comissão de Constituição e Justiça na Câmara e, com a condenação de Lula, muita gente esqueceu o que está acontecendo com Temer. Desvia a atenção. Mas é preciso esperar para ver como as reações vão se desenrolar. Já se nota o questionamento aos processos da Justiça. Vão falar: ‘O Lula é condenado e o Temer nem investigado é? Dilma sofreu um impeachment com evidências muito mais fracas do que o que há contra Temer’. Pode gerar a percepção de assimetria. Tratamento diferente nunca pega bem. Se o processo contra Temer não for aceito no Plenário da Câmara, como fica a Justiça? Embora não seja a Justiça a responsável, porque esta é uma definição tomada primeiramente pelo Congresso, o questionamento será sobre a eficácia das leis e a dedicação de investigação aos diferentes partidos.

Com o curso das investigações, é possível prever como estarão os partidos para a disputa de 2018? Alguém já desponta como potência?

Alguns já estão surfando nessa onda. O Bolsonaro é um, a Marina Silva pode ser outra, o João Doria, mais um. Todos em algum sentido são novos, mesmo a Marina, que ainda é vista como alguém um pouco de fora desse círculo tradicional. O Doria nunca teve outro mandato. Bolsonaro é um parlamentar sui generis. O crescimento eleitoral será dos desafiantes, com propostas, trajetórias e posições muito diferentes do mainstream político. Figuras mais tradicionais, como Geraldo Alckmin, terão vida mais difícil. Ainda que tenha a simpatia dos eleitores do interior de São Paulo, quando sai para outros rebanhos eleitorais é visto como mais do mesmo, ainda que não tenha contra si evidências tão fortes como Aécio Neves. Não tem jeito: entre os partidos, sairão muito na frente os que tiverem ideias e caras novas. Acho difícil que tenhamos aqui um fenômeno Emmanuel Macron, porque embora seja possível um chefe do Executivo no mesmo estilo, ter um presidente capaz de estruturar uma chapa de partidos novos, com força, no Legislativo é praticamente impossível. Partidos menores, como a Rede Sustentabilidade ou o Partido Novo, que teriam capacidade de desafiar as grandes legendas, têm pouco tempo de TV e fariam uma disputa muito desigual com os tradicionais. Não tem um grupo de cabos eleitorais estabelecidos. Isso deixa difícil demais haver uma renovação completa da política.

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