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Costa, do PT: O empresário nunca quer ser atingido

Para senador, impor teto aos gastos impossibilita injetar recursos para diminuir desigualdades e tira capacidade do estado de ajudar a retomada

HUMBERTO COSTA: Senador do PT-PE critica a PEC dos gastos e afirma que reforma da previdência enfrentará maior resistência no Congresso / Divulgação

HUMBERTO COSTA: Senador do PT-PE critica a PEC dos gastos e afirma que reforma da previdência enfrentará maior resistência no Congresso / Divulgação

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 21 de dezembro de 2016 às 14h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

A última semana de atividades no Congresso Nacional foi de sucessivas derrotas para a oposição. A principal: o presidente Michel Temer pôde enfim comemorar a aprovação e promulgação da PEC 55, que determina um teto para os gastos públicos de acordo com a inflação.

Longe do púlpito do Senado, o senador Humberto Costa recebeu EXAME Hoje, em Brasília, e falou sobre a PEC do Teto de forma mais serena e ponderada. Para ele, o principal problema de impor um limite aos gastos públicos é a impossibilidade de injetar recursos para diminuir as desigualdades e a perda de capacidade do estado de ajudar a retomar o crescimento. Veja abaixo os principais trechos da conversa.

Para alguns economistas, e mesmo segundo o discurso do governo, a PEC do Teto não estabeleceria um limite para educação e saúde, porque os investimentos poderiam ser remanejados de outras pastas. O que o senhor acha dessa teoria?
Eu acho que essa teoria é falha. Primeiro porque a vinculação de áreas como saúde e educação deixa de existir, e a vinculação tem dois objetivos principais: ter recursos para universalizar uma determinada política e trabalhar com a possibilidade de diminuir desigualdades. Então, o crescimento real do orçamento serve exatamente para poder cumprir esses dois aspectos de uma política. Eles fizeram a desvinculação. Para a educação a perda é um pouco menor, porque tem recursos que são de empréstimo, como é o caso do Fies, ou de renúncia fiscal, no Prouni. Na parte orçamentária, livraram o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Mesmo assim, haverá uma queda real do gasto com a educação, inclusive porque foi jogada no lixo a proposta do Plano Nacional de Educação que previa chegar a 10% do PIB. Na saúde a perda é bem maior, porque não houve nenhuma salvaguarda em relação a nenhum programa ou órgão do Ministério da Saúde. Esse discurso de que aqui dentro é possível mudar a história é completamente equivocado, porque isso vai criar um conflito de distribuição dos recursos do orçamento; quem tem mais força é quem leva. Vai ter uma disputa de recurso para pagamento de salários, aumentos de categorias e corporações que são extremamente fortes e ativas. Há recursos orçamentários para áreas onde o empresariado é muito forte, como a agricultura. Esse conflito distributivo não vai resultar em mais recursos para a saúde ou a educação. Vai criar um salve-se quem puder.

E quem que vai acabar sofrendo em especial com a PEC, além da saúde e da educação? O que vai ser prejudicado tendo em vista o que vinha sendo feito tanto pelos governos do PT, quanto anteriores?
Todas as outras áreas vão sofrer. Habitação, saneamento básico, infraestrutura. Deixamos de ter o Estado como indutor; perde-se o papel de ajudar no desenvolvimento da economia, na retomada do crescimento, na geração de emprego. Do ponto de vista da participação do Estado, haverá uma redução drástica. Imaginar que o setor privado vai sustentar sozinho um processo de retomada do crescimento do país, na minha opinião, é uma ilusão. Historicamente, não vejo nenhum momento em que isso aconteceu. As estatais também estão sendo desmontadas. Creio que essa PEC vai terminar aprofundando um processo de recessão e desemprego. Os próprios gastos sociais, como o Bolsa Família, se reproduzem. Esse dinheiro é responsável pela movimentação de uma microeconomia importante para a sustentação de várias regiões.

Por que essa tese não sensibilizou o suficiente nem aqui dentro nem os movimentos sociais nas ruas?
São duas coisas. Uma é que vendeu-se uma ideia de que nós temos um governo que gasta demais, e que o importante é parar de gastar, equilibrar. Tem gente que acha que realmente o problema é esse, que mesmo que isso leve, em um primeiro momento, a um agravamento da crise, mais para frente pode ter um retorno, vai melhorar a confiança. As pessoas se convenceram disso. A outra é que esse governo, do ponto de vista da articulação política, foi muito mais competente do que foi o governo de Dilma em indicações de cargo, nomeações nos estados, emendas parlamentares liberadas… E por aí a coisa vai caminhando.

A oposição acreditava em algum momento que seria possível reverter esse texto?
Não. Mas analisando do primeiro para o segundo turno, eles perderam nove votos. Aí, o que que eu posso te dizer: a reforma da previdência social vai ter muita dificuldade de passar aqui. Até porque tem um outro componente que é o da pressão social. A discussão sobre a PEC é mais difícil de entender qual será a repercussão. Falando da questão de condução econômica do governo, estamos vendo que no Congresso o Temer tinha uma influência bastante grande que está começando a balançar. O PTD na Câmara fala que é contra a PEC, no Senado, vota a favor. O PSB aqui vota a favor, na Câmara, começou a votar contra na MP do ensino médio.

Isso tende a trazer uma condução econômica mais difícil para frente?
Tende. Eles criaram a expectativa de que mudando o governo dava logo um choque de confiança, e que o anúncio de algumas medidas que apontassem na linha de equilibrar as contas fariam a coisa mudar completamente. Mas não é bem assim a história. Então, sem resultado econômico de curto prazo, o apoio vai começando a erodir.

Qual seria a saída sugerida pela oposição para atacar de forma mais adequada a dívida, trazer confiança para o investidor e voltar a crescer?
Tem que trabalhar nas duas pontas: no gasto, sim, mas também na receita. O problema é que o empresário no Brasil quer ajuste, mas não quer ser atingido. As desonerações que foram dadas e ainda não foram revertidas, seja porque o governo não mexeu, seja porque o Congresso não deixou, poderiam trazer um retorno importante. E tem que ter um processo diferente de cobrança de impostos. Quem está pegando o peso todinho desse ajuste são os trabalhadores mais pobres, a classe média. Os ricos têm que dar alguma contribuição nesse processo. Tem que mexer no Imposto de Renda. Podia-se taxar empresas; desde a década de 90, o Brasil é um dos poucos países do mundo que não cobra imposto sobre dividendos e lucros. Num momento de crise, todo mundo tem que pagar um pedacinho.

E daqui para a frente, alguma estratégia para o jogo virar?
Não vamos sair desse imbróglio se não tivermos um governo com um mínimo de legitimidade. Só vejo a saída pela política, por eleições diretas. Com esse governo ou com um governo eleito indiretamente pela Câmara, não vamos ter as condições de tocar o barco até 2018. Por isso estamos insistindo na renúncia.

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