Barragem rompida em Minas Gerais: enchentes e o fluxo de lama mataram pelo menos duas pessoas e outras 25 ainda estão desaparecidas (Ricardo Moraes/ Reuters)
Da Redação
Publicado em 9 de novembro de 2015 às 17h31.
Brasília - As companhias mineradoras frequentemente reclamam que a burocracia sem fim torna os negócios difíceis no Brasil, mas os promotores e ambientalistas dizem que o rompimento das barragens da mina de minério de ferro, que causou uma inundação massiva na semana passada, aponta para lapsos na regulamentação.
As enchentes e o fluxo de lama mataram pelo menos duas pessoas e outras 25 ainda estão desaparecidas em um desastre que aconteceu dois anos após um estudo solicitado por um promotor alertar que as represas do Estado de Minas Gerais, rico em recursos minerais, poderiam entrar em colapso.
"Era evidente que esta barragem estava em risco", disse à Reuters Carlos Eduardo Pinto, um promotor estadual que investiga a indústria mineradora, referindo-se à primeira barragem que cedeu, levando à ruptura de outra.
Pinto está investigando se a barragem, um reservatório para água com rejeitos de mineração, estava muito cheia.
O rompimento das barragens aconteceu na quinta-feira em uma mina operada pela Samarco, uma joint venture entre a BHP Billiton, a maior empresa de mineração do mundo, e a Vale, maior produtora de minério de ferro. Em 2013, quando a Samarco estava buscando a renovação de sua licença de operações, Pinto comissionou um estudo que descobriu um erro de design na barragem de rejeitos. Isto alertou que o aterro poderia ceder se ficasse saturado de água.
O Instituo Pristino, um grupo ambientalista composto por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), recomendou que a companhia conduzisse um estudo sobre o rompimento de barragens e esboçasse um plano de contingências em caso de transbordamento. Mas a agencia estatal licenciadora ignorou as recomendações e renovou a licença das minas uma semana após o estudo ser divulgado, em outubro de 2013.
O órgão ambiental do Estado responsável pela agência de licenciamento disse em um e-mail que o relatório recomendou apenas padrões industriais.
Não disse se solicitou à companhia que reforçasse os padrões antes de renovar as licenças, embora tenha dito que uma auditoria independente na barragem em julho deste ano foi concluída e a estrutura estava estável.
Os promotores estão investigando se o aumento da produção na mina pode ter afetado o volume do reservatório.
A Vale disse que a mina da Samarco aumentou a produção no ano passado em 37 por cento com a adição de uma nova instalação de pelotas de minério de ferro. Pinto disse que a companhia optou por acomodar o crescimento aumentando o muro da barragem, em vez de construir uma nova, o que pode teria sido mais caro, e ainda estava trabalhando nisto quando a barragem se rompeu.
A Samarco confirmou que estava conduzindo um trabalho de expansão na barragem, mas disse que ainda não poderia determinar uma causa para o rompimento.
Um executivo da empresa disse em uma coletiva de imprensa no fim de semana que a Samarco nunca havia visto o relatório de 2013.
No domingo, o governador de Minas Gerais Fernando Pimentel procurou dissipar qualquer falha no processo de licenciamento.
"Não acho que este acidente aconteceu devido a quaisquer erros no licenciamento ambiental", disse. Entretanto, nesta segunda-feira, o governo de Minas Gerais embargou todas atividades da mineradora Samarco na região de Mariana, segundo nota da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
REGULAMENTAÇÃO
Como governador do Estado que detém centenas de minas que respondem por cerca de 5 por cento da economia local, Pimentel é a favor do licenciamento mais veloz.
Desde que assumiu em janeiro, ele tem trabalhado em um projeto de lei, agora na assembleia estadual, que visa acelerar grandes projetos de mineração.
Embora um assessor do governo tenha dito que o Estado pode ter que repensar o ritmo acelerado das aprovações, isto é parte de uma diretriz para menos regulamentações em uma indústria que é uma das maiores do país e líder em fonte de receitas de exportação. Os defensores da indústria dizem que regulamentações excessivas causam atrasos e excessos de custos.
A mina de minério de ferro Minas-Rio, de 14 bilhões de dólares, em desenvolvimento em Minas Gerais pela Anglo American, é o maior investimento estrangeiro da história no Brasil e custou mais que o triplo durante os sete anos que levou para conseguir as licenças.
Mas os reguladores e ambientalistas alertam contra a expedição de processos, especialmente considerando o histórico de rompimento em outras barragens de rejeitos nos últimos anos e a resposta inadequada dos governos a eles.
Especialistas dizem que catástrofes de represas e os custos associados com as limpezas estão crescendo ao redor do mundo por que as regulamentações e práticas de segurança não acompanharam as tecnologias modernas que permitem mega projetos em uma escala que não era possível anteriormente.
O Brasil, que abriga uma grande indústria de mineração, teve inúmeros e repetidos desastres, especialmente no chamado "quadrilátero ferrífero", no qual a Samarco opera.
Em 2001, quando uma barragem de rejeitos de minério de ferro em Nova Lima se rompeu e cinco pessoas morreram, Minas Gerais tinha somente quatro geólogos e quatro engenheiros de minas para coordenar uma resposta, que incluiu a inspeção de centenas de minas ativas e um número desconhecido de instalações desativadas.
Mesmo assim, o Estado em 2007 descentralizou o licenciamento para nove escritórios regionais.
No ano passado, outra barragem de rejeitos na cidade de Itabirito se rompeu, matando três trabalhadores.
Em resposta, Pinto, o promotor estadual, montou uma força tarefa e identificou mais de 200 barragens que precisavam de melhorias de segurança.
O acidente na semana passada já disparou ligações raivosas por legisladores federais para incluir segurança mais rigorosa e controles ambientais em uma proposta de código de mineração que está parada no Congresso há anos.
A proposta, esboçada no auge do recente boom das commodities, focava em royalties e aumento das receitas do governo, sem fazer menção à segurança ambiental.
"Este acidente trará consequências", disse o senador Delcídio Amaral, um influente político do Partido dos Trabalhadores, sugerindo que pode acelerar uma votação na proposta e pressionar para incluir normas federais mais rígidas. Klemens Laschesfki, professor de Geociência da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que o foco no crescimento econômico em vez do rigor na regulamentação levou a consequências que "não surpreendem ninguém".
Na Samarco, ele adicionou, "os riscou eram conhecidos por todos, desde a empresa até os políticos. O governo aprovou e esperou que nada acontecesse."