Amazônia: barco de mineradores no rio Madeira, em Rondônia (Chris Arsenault/Reuters)
Reuters
Publicado em 7 de julho de 2017 às 16h39.
Última atualização em 7 de julho de 2017 às 16h43.
Porto Velho/Guayaramerín, Bolívia - Em uma balsa ilegal de garimpo de ouro na bacia amazônica, um garimpeiro de 22 anos segura uma garrafa de plástico cheia de mercúrio tóxico com as mãos sem nenhuma proteção e diz estar ciente dos perigos do trabalho.
De bermuda, regata e chinelo, ele acende um maçarico e direciona uma chama azul em um pedaço de minério que a balsa retirou do fundo do rio Madeira, no Estado de Rondônia, na fronteira com a Bolívia.
Centenas de balsas semelhantes --fabricadas com madeira compensada, metal e movidas por motor a diesel-- cavam os rios da maior floresta tropical do mundo, deixando rastros de destruição por onde passam, de acordo com funcionários do governo.
"Eu sei que isso é um pouco perigoso, mas o que mais eu vou fazer para ganhar a vida aqui?", disse o jovem garimpeiro, que conversou sob condição de anonimato devido ao seu envolvimento em atividades ilegais. Quando perguntado sobre equipamentos de segurança, ele apenas riu.
Dezenas de milhares de garimpeiros ilegais se lançam na floresta amazônica no Brasil, Peru, Bolívia, Venezuela e Colômbia, na esperança de ficarem ricos.
A corrida pelo ouro tem dizimado partes da floresta amazônica e envenenado pessoas que dependem dos alimentos com mercúrio dos rios e outras toxinas utilizadas no processo de mineração.
A indústria ilícita é alimentada pelo tráfico de pessoas para extrair o ouro e mulheres para trabalhar como prostitutas para os garimpeiros, de acordo com procuradores da Justiça.
Com bilhões de dólares em jogo e complexas redes de contrabando e lavagem de dinheiro do ouro extraído ilegalmente através das fronteiras, funcionários do governo admitem que têm dificuldades para combater o problema.
"Temos dificuldades imensas", disse Ranilson Monteiro Câmara, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia, à Thomson Reuters Foundation, em Porto Velho.
Dezenas de barcos sem registro retiram ouro do rio a apenas 2 quilômetros de seu escritório.
Câmara afirmou que é o único funcionário do DNPM no Estado de Rondônia responsável pelo monitoramento dos garimpeiros e da indústria de bilhões de dólares.
"Os níveis de atividade irregular (de mineração) no rio são altos", disse Câmara. Funcionários de diversos órgãos estão trabalhando para tentar barrar barcos ilegais, enquanto outros estão sendo registrados formalmente para que possam operar legalmente, segundo Câmara.
Não é tarefa fácil.
Em um determinado ano, garimpeiros ilegais enviaram 40 toneladas de ouro extraído da Amazônia para os Estados Unidos, de acordo com um estudo de 2016 da Verité, órgão de monitoramento com sede em Massachusetts. Esse montante representa quase o dobro das exportações legais de ouro das cinco nações amazônicas cobertas pelo estudo.
Entre 2006 e 2016, 68 toneladas de ouro foram extraídas ilegalmente da Amazônia e contrabandeadas para fora da região através da Bolívia, de acordo com a Global Initiative Against Transnational Organized Crime, um grupo de monitoramento com sede em Genebra, na Suíça.
Garimpeiros ilegais despejam mais de 30 toneladas de mercúrio letal nos rios da Amazônia todos os anos, envenenando peixes e causando danos cerebrais a pessoas que vivem a quilômetros de distância a jusante, de acordo com o Carnegie Amazon Mercury Project, um grupo de estudos científicos dos EUA.
Os produtores de ouro, por sua vez, dizem que muitos trabalham dentro da lei e são estigmatizados injustamente como bandidos.
"Somos vistos como bandidos pela sociedade, mas na verdade trabalhamos, pagamos impostos e apoiamos a economia local", disse Fabiano Sena Oliveira, membro sênior de uma cooperativa de produtores de ouro em Rondônia.
Apenas 20 por cento dos garimpeiros operam ilegalmente, disse Oliveira à Thomson Reuters Foundation em uma loja com janelas gradeadas, onde ele compra e vende ouro.
As cooperativas de proprietários de barcos de mineração estão desenvolvendo um trabalho para melhorar o monitoramento ambiental e estimular outros proprietários a legalizar seus barcos e pagar impostos, disse Oliveira, usando uma corrente de ouro.
"No passado, é verdade que os garimpeiros usavam muito mercúrio", disse Oliveira, mas hoje eles usam muito menos, pois é caro.
Como parte do processo de mineração, o mercúrio é misturado aos sedimentos retirados do fundo do rio. A mistura de mercúrio e sedimento é então aquecida, ajudando a separar o ouro dos outros elementos.
Visitas da Thomson Reuters Foundation a barcos de garimpo, porém, parecem contradizer os comentários de Oliveira.
Sidney Magrão exerce a atividade de garimpeiro há 35 anos. Ele trabalha em um grande barco de garimpo com um tubo poderoso que suga sedimentos do fundo do rio Madeira. Na sequência, os garimpeiros do barco batem os tapetes usados para reter os sedimentos e separam a sujeira, em busca de pequenas pepitas de ouro.
Magrão começou no garimpo como mergulhador em rios pequenos, com um tubo de mão, e agora é um operador sênior em um barco no valor de 3 milhões de reais.
"Ganhei 23 mil reais no mês passado", disse. "Um salário alto para um homem da classe trabalhadora na Amazônia", disse Magrão, de 62 anos, à Thomson Reuters Foundation, enquanto manobrava a alavanca para dirigir o tubo de sucção, com um cigarro na boca.
O barco de dois andares com ruído estrondoso parece ter saído de um filme de ficção científica como "Mad Max" ou "Waterworld". No segundo andar, há vários quartos com beliches e uma cozinha que funciona em período integral.
Os trabalhadores dizem que o barco está formalmente registrado com as autoridades brasileiras e que emitem nota fiscal sobre todo o ouro retirado, o que significa que eles têm que pagar imposto sobre os seus ganhos.
"Nós somos pagos em ouro", disse Valda Mendes, de 60 anos, cozinheira do barco, enquanto preparava arroz e bife na brasa para o almoço.
Enquanto alguns barcos obedecem à lei, grande parte do ouro da Amazônia é extraída de áreas onde a mineração é proibida, disse um professor que estuda o comércio ilícito de ouro no Amazonas.
Em outros casos, o ouro é retirado de terras ou águas onde a mineração é permitida, mas depois é contrabandeado do Brasil para a Bolívia para evitar impostos, disse Aurelio Herraiz, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas.
"Muitos compradores vão nos barcos para comprar ouro... Isso é invisível", disse Herraiz à Thomson Reuters Foundation. "Não há registro em nenhum lugar."
Segundo Herraiz, a contaminação por mercúrio é uma das maiores ameaças ambientais do mercado de ouro, e o produto químico tóxico é barato e fácil de ser obtido na vizinha Bolívia.
Funcionários da polícia na fronteira de Rondônia com a Bolívia dizem que é difícil rastrear ouro ilícito e produtos químicos entre diferentes países da Amazônia.
"Como todas as fronteiras, há problemas e questões a serem resolvidos aqui", disse Heliel Martins, delegado da Polícia Federal em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia.
De volta ao barco de mineração ilegal, o garimpeiro de 22 anos abre uma garrafa de plástico de mercúrio antes de derramá-la em uma pepita de ouro.
A dona do barco começou como cozinheira no garimpo há 18 anos e juntou dinheiro para ter sua própria balsa.
"É burocrático e caro registrar o barco", disse ela, acrescentando que teve que pagar uma multa alta por operar ilegalmente. Para pagar as multas, ela tinha apenas uma fonte de receita: ouro.
* A Society of Environmental Journalists (SEJ) forneceu suporte financeiro de viagem para essa reportagem