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Por que a convocação do auditor do TCU dá novo fôlego à CPI da Covid

Depoimento de Alexandre Figueiredo pode sinalizar novo rumo de investigações sobre a dimensão do gabinete paralelo do presidente Jair Bolsonaro

Sessão da CPI da Covid 19 no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Sessão da CPI da Covid 19 no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 11 de junho de 2021 às 06h00.

Última atualização em 11 de junho de 2021 às 10h36.

Sessão da CPI da Covid 19 no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em um momento que alguns consideram de relativa estagnação da CPI da Covid-19, a convocação do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Alexandre Figueiredo para depor como testemunha e a quebra do sigilo telefônico de quase 20 pessoas, incluindo ele, podem sinalizar um avanço nas investigações, especialmente sobre os limites do gabinete paralelo do presidente Jair Bolsonaro

O depoimento de Figueiredo ainda não tem data marcada, mas a aprovação do requerimento, na última quarta-feira, 9, pode ser considerada um primeiro passo para que o colegiado apure qual é a real dimensão do grupo que assessora o presidente de forma extra-oficial, fora dos holofotes, e se ele vai além dos arredores do Palácio do Planalto.

A CPI quer saber: por que um auditor, filho de um amigo de Bolsonaro, compilou informações distorcidas para negar metade das mortes por covid-19 no país? E que relação isso tem com o gabinete paralelo, formado por pessoas que corroboram as teses do presidente, mesmo quando elas contrariam dados e a ciência — como essa, de que o número de mortes foi "supernotificado"?

“É um novo novelo que começa a ser puxado”, diz o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa. O caso expande os olhares da CPI, que, por mais de um mês, se debruçou sobre a recomendação indevida do uso de cloroquina para covid-19 e a demora na aquisição de vacinas. A respeito do medicamento, o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), declarou na semana passada: “esse assunto já acabou”.

Com 45 dias de trabalhos, o colegiado chegou à metade do prazo de duração. E, nas últimas semanas, gastou muito tempo com polêmicas como a possibilidade de chamar governadores a depor e a necessidade de ouvir especialistas. Senadores comentam que, agora, é preciso avançar em outros temas, como o uso da máquina pública para propagar desinformações sobre a pandemia e sustentar a retórica do presidente.

Punição exemplar

A situação envolvendo Figueiredo é ainda mais simbólica — e preocupante — por ter ocorrido em um órgão independente, responsável por fiscalizar as finanças do governo federal. O TCU, mais do que verificar as contas anuais de presidentes, pode julgar e até impor sanções administrativas a gestores de recursos públicos. Foi lá que teve início o processo que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

O TCU não é, de forma alguma, vinculado ao presidente da República. Na última quarta-feira, 9, em plenário, o ministro Benjamin Zymler disse ter presenciado com "grande dor" a atitude de Figueiredo e deixou claro que “o tribunal é formado por servidores que têm posições políticas, mas deixam na sua casa, não transferem para a tarefa de controle externo”. 

Dentro e fora do plenário, a atitude do auditor tem sido reprovada no TCU por desmoralizar a instituição e, em algumas avaliações, por levantar suspeitas de politização. “Acho gravíssimo um auditor fazer uma tabela e colocar no sistema como se fosse do TCU. É da maior gravidade. Se não houver punição, vira moda”, disse uma fonte que atuou nos altos níveis do tribunal. Um escândalo como esse, segundo ele, “nunca aconteceu na Corte”.

No caso de Figueiredo, que foi afastado do cargo por 60 dias, a punição ainda vai ser decidida em processo que levará em conta se ele tentou induzir o tribunal a uma linha de fiscalização com base em convicções políticas. O servidor também pode ter que responder criminalmente. A presidente do TCU, Ana Arraes, já pediu à Polícia Federal que inicie uma investigação. 

Se os fatos forem comprovados, a punição deve ser “exemplar”, disse o ministro-corregedor do TCU, Bruno Dantas, na quarta-feira, em plenário. O ministro reconheceu que a situação causou “um abalo à imagem do tribunal”. Enquanto isso, no Senado, a dimensão dos desdobramentos do "estudo" forjado só reforça dúvidas sobre o porquê de um auditor se colocar na mira do TCU, de uma CPI e, talvez em breve, da Polícia Federal.

Sinal de alerta

O caso acende um alerta por mostrar que "não são só integrantes do Executivo que estão empenhados em atender à retórica do presidente, mesmo que ela esteja errada", diz a cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social Mackenzie e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. A influência chega a outros níveis da administração pública.

A convocação pode ampliar o escopo da discussão, “mas não é a reviravolta que falta na CPI”, avalia o analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva. Para ele, o que realmente pode render material importante para as investigações é a aprovação da quebra de sigilo de pessoas envolvidas no gabinete paralelo, inclusive de Figueiredo, aprovada nesta quinta-feira, 10.

A CPI pediu a quebra de sigilo telefônico e telemático do auditor do TCU e de outras pessoas que têm algum tipo de relação com o presidente, como ex-ministros e secretários. Além de todas as ligações feitas e recebidas desde abril de 2020, os senadores terão acesso a lista de contatos, e-mails, fotos, localizações salvas e backup de conversas de aplicativos, como WhatsApp.

A medida é “de fundamental relevância” para que a CPI possa apurar “se, de fato, houve orientação por parte de pessoas ligadas à cúpula do governo federal ou por meio de familiares do presidente da República para que o servidor elaborasse o referido ‘estudo paralelo’”, diz o senador Humberto Costa (PT-PE), no pedido de quebra de sigilo. Para ele, tudo indica que o documento "deve ter sido conversado com gente do governo".

Essa linha de raciocínio se sustenta por vários motivos, a começar pelo fato de que Figueiredo inseriu o “estudo” falso no sistema do TCU no último domingo, 6, apenas algumas horas antes de Bolsonaro ir às ruas fazer declarações negacionistas a apoiadores, com base nesse documento. E, mesmo depois de admitir o que chamou de "erro", o presidente continua afirmando que governadores "fizeram supernotificação em busca de mais dinheiro".

O entendimento da fonte do TCU é de que a falta precisa ser punida de forma exemplar, mas pelo menos Bolsonaro fez o mínimo: “admitiu o erro” e, embora tenha repetido a mensagem, não tentou defender ou dar palanque para o auditor, como fez com Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, após polêmicas envolvendo o general. Se tivesse agido de forma parecida nesse caso, seria um cenário de afronta ao TCU.

Até o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente, fez questão de dizer que não conhece Figueiredo, depois de saírem notícias sobre eles serem amigos. É inegável, porém, a relação entre Bolsonaro e o pai do auditor, o coronel reformado do Exército Ricardo Silva Marques, que tem até um cargo na Petrobras. Os dois estudaram juntos na academia militar.

Essa relação é um dos pontos essenciais que serão levantados na CPI da Covid. “A gente quer saber com quem o auditor falou. É muito provável que ele tenha passado aquelas informações para alguém do governo ou parente do presidente", diz Humberto Costa. O mais importante, para ele, é que a comissão consiga se aprofundar na motivação e não deixe que a fraude passe em branco.

"Além de criar um conflito interfederativo desnecessário, porque é criminosa a tentativa de atribuir uma supernotificação a governadores, tentar vender essa ideia desnorteia completamente o processo de enfrentamento à pandemia", ressaltou Costa. A fraude ataca um dos pontos fundamentais para a execução de políticas de saúde: a informação. "Estatísticas fraudadas fatalmente levam a decisões equivocadas", apontou o senador.


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