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Onde os melhores atletas do Brasil atingem nível olímpico

Núcleo de Alto Rendimento recebe 1,5 mil atletas de nível olímpico em mais de 70 modalidades ao ano para treinamento e avaliações físicas

Testes do NAR: Somália Galdino, velocista que compete nas provas de 100m e 200m, realiza treino de overspeed (Lucas Parolin/NAR)

Testes do NAR: Somália Galdino, velocista que compete nas provas de 100m e 200m, realiza treino de overspeed (Lucas Parolin/NAR)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 3 de março de 2016 às 12h18.

Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 16h09.

São Paulo – A cada três meses, em média, a rotina da Seleção Brasileira Paralímpica de Judô é interrompida por uma programação especial: uma bateria de testes de força e desempenho dos atletas, cujos resultados servem para nortear os treinamentos futuros.

A seis meses dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, é através dos números das avaliações neuromusculares que o grupo saberá se precisa de mais tempo na academia ou nos tatames na busca pelo ouro em agosto.

Grande nome do esporte, o peso médio e tetracampeão paralímpico Antônio Tenório saiu satisfeito com a força do peitoral, região importante para o judô. Foram 150 kg "de empurrão" medidos no teste de força isométrica máxima, principal indicativo de potência muscular.

O bom resultado é fruto de duas sessões diárias de treinos — uma focada em condicionamento físico e força, outra em técnica da arte marcial —, montadas especificamente para tirar do atleta seu melhor desempenho. O planejamento é feito pelo técnico da equipe, complementado pelo time do Núcleo de Alto Rendimento (NAR), um centro especializado em avaliação e preparação de atletas de nível olímpico.

Criado em 2011 como projeto sem fins lucrativos de formação olímpica do Grupo Pão de Açúcar (GPA), a proposta do NAR é, em resumo, ser uma consultoria para levar ao limite a performance de atletas que tenham nível para representar o Brasil em competições internacionais.

Com quatro anos e meio de operação, o centro chega a atender mais de 1,5 mil atletas de 70 modalidades ao ano com esse objetivo.

“O centro tem um papel impar, que todos os atletas deveriam ter acesso”, diz o judoca Antônio Tenório. “É o que molda a base do treinamento diário e acrescenta demais no impulso e técnicas usadas no esporte.”

Tetracampeão: o judoca paralímpico Antônio Tenório mede 150kg de força em seu empurrão no NAR (Tadeu Casqueira/CBDV)

Logo ao entrar no complexo esportivo de 20 mil metros quadrados, montado na Zona Sul de São Paulo, a impressão é de estar em uma vila olímpica tamanho o número de atletas com uniformes oficiais do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Além dos judocas, as Seleções Brasileiras masculina e feminina de basquete e handebol são alguns exemplos de quais equipes fazem avaliações regulares no NAR antes das competições. Outros gigantes como Sarah Menezes (medalhista de ouro no judô em Londres 2012), Keila Costa (atleta do salto triplo), Alan Fonteles (campeão paralímpico dos 200m em Londres), Esquiva Falcão (prata no boxe em Londres) e Douglas Brose (bi-campeão mundial de caratê) estão por lá frequentemente.

Não é, portanto, incomum encontrar rostos conhecidos da elite do esporte: cumpriam suas atividades na tarde de quinta-feira (31) a velocista Ana Cláudia Lemos (dois ouros no Pan de Guadalajara em 2011) e o lutador de taekwondo Diogo Silva (ouro no Pan do Rio de Janeiro em 2007).

A pluralidade de estrelas não é a toa: a estrutura conta com um campo de futebol e pista de atletismo de medidas oficiais, corredor para testes de velocidade, octógono de MMA, tatame para outras artes marciais e academia do mais alto nível. Além do ambiente, a equipe, de nove pessoas, é expert em treinamentos de força, potência e velocidade, algo que não se encontra em qualquer CT.

Essa estrutura toda, porém, só foi possível há pouco menos de dois anos, quando o principal apoiador do projeto, o bilionário Abílio Diniz, retirou-se do GPA e levou consigo o NAR. Depois de aprovar um projeto de R$ 20 milhões para a construção da sede atual, o Instituto Península (controlado pela família Diniz) financia 50% da operação do núcleo — o NAR não abre valores.

Dinheiro público tem também: entre os patrocinadores está a Caixa Econômica Federal. P&G e Under Armour também têm cotas de incentivo financeiro.

Douglas Brose, bi-campeão mundial de karatê e atual número 1 do ranking, faz teste de salto no NAR (Lucas Parolin/NAR)

O CORAÇÃO DO NEGÓCIO

Apesar de membros da equipe nacional de atletismo e a Seleção Brasileira de Rugby terem adotado o local como sede fixa dos treinamentos, a grande maioria passa por lá pelas avaliações. O contato é feito sempre pelo técnico da equipe, que busca orientação para melhora de performance.

Em suma, o primeiro passo é saber quais as necessidades e demandas do treinador. Com testes feitos, os dados coletados pela equipe do NAR são compilados e apresentados ao comandante e, com isso, cria-se (sempre em conjunto) um sistema e uma rotina de trabalho pelo período desejado. Novos testes são realizados em alguns meses e há nova troca de experiências sobre a evolução dos esportistas.

“Os atletas estão aqui, usam a estrutura, mas estamos o tempo todo melhorando a expertise do técnico”, afirma Irineu Loturco, diretor técnico do centro. “Com os testes que fazemos, ajudamos a concepção de um plano de treinamento e elevando o nível de ambos. O que fez o sucesso do NAR é o respeito ao treinador.”

O know how teórico do NAR é vocação do próprio Loturco, bacharel em Esporte pela USP e doutor em alto rendimento. O atual diretor já trabalhou no Corinthians, Palmeiras e Atlético Mineiro e dedicou-se exclusivamente à pesquisa na área neuromuscular, até chegar ao GPA, onde foi consultor esportivo e pôde apresentar a Abílio o NAR como projeto embrionário.

O diferencial que conquistou o mandatário foi justamente a criação de um núcleo de pesquisas científicas em esporte de alto rendimento junto ao centro de treinamento. Trataria-se de uma fonte de material humano de altíssimo nível, conectada aos estudantes de um curso de pós-graduação — hoje, as disciplinas são ministradas lá mesmo, em auditório no segundo andar do prédio.

“Sempre se diz que há um gap muito grande entre a ciência e a prática”, diz Loturco. “Como eu vivenciei profissionalmente esses dois mundos, consegui diagnosticar essa necessidade e criar uma forma de aproximar um do outro.”
O resultado é um modelo único, que resultou em um dos maiores centros de publicação em pesquisas de esporte de alto rendimento no mundo.

Lucas Muller, Diego Lopes e Arthur Bergo: atletas da Seleção Brasileira de Rugby durante teste de força isométrica máxima no NAR (Lucas Parolin/NAR)

O FUTURO DO ESPORTE

Apesar de ter sido criado como um "projeto olímpico" de Abílio Diniz, para Loturco, o NAR é pouco para impactar o desempenho geral do Brasil como unidade olímpica. Os resultados esperados para a Rio 2016 são, então, semelhantes aos conquistados em Londres 2012.

Para o diretor, falta de um plano real de incentivo ao esporte, que identifique o potencial ainda na infância e impulsione o atleta adiante. “Melhorar treinadores e a produção científica dentro do esporte é um problema muito menor do que aumentar o número de praticantes”, afirma.

“O que mais falta no Brasil é um programa de desenvolvimento de talento esportivo, por parte do governo federal. Temos que decidir um modelo. Vai ser igual na Jamaica, de incentivar esporte na escola? Nós precisamos chegar em milhões de crianças para produzir campeões olímpicos”, arremata.

Ainda que limitado no âmbito do problema do país, a seu jeito, o NAR tem o projeto para o futuro de montar um time próprio de atletas de base. Em ano de crise, no entanto, os planos foram postergados até que se veja disposição de empresas em patrociná-lo — uma cifra tão alta quanto escassa em tempos de recessão.

Esta reportagem faz parte da série Bastidores do Brasil.

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