Brasil

Caso Aécio expõe crise entre Congresso unido e Supremo rachado

Afastamento do mandato do tucano reacendeu os presságios de crise institucional entre Judiciário e Legislativo

O caso Aécio é sintomático tanto de como a Justiça demora a funcionar, como pelo fato de o Congresso virar as costas aos indícios de corrupção. (Ricardo Moraes/Reuters)

O caso Aécio é sintomático tanto de como a Justiça demora a funcionar, como pelo fato de o Congresso virar as costas aos indícios de corrupção. (Ricardo Moraes/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 30 de setembro de 2017 às 08h13.

Última atualização em 2 de outubro de 2017 às 19h16.

“Já que ele não teve gesto de grandeza, vamos auxiliá-lo a se portar tal como deveria se portar, sair do Senado para poder comprovar à sua ausência de culpa nesse episódio”. A frase do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) escancarou na última terça-feira o conflito entre poderes que esquentou no Brasil.

O afastamento do mandato do tucano na última terça-feira reacendeu com força os presságios de crise institucional entre Judiciário e Legislativo. Fux foi assunto durante toda a semana porque viu em sua caneta a oportunidade de fazer o que o Senado não fez: afastar Aécio do mandato após uma das mais claras evidências de que um político usava seu cargo e influência para praticar atos de corrupção. Senadores e ministros falastrões não perderam a chance de protestar.

Não é demais o lembrete, o senador tucano foi flagrado nos áudios de Joesley Batista, sócio do grupo J&F, pedindo 2 milhões de reais. Ações controladas da Polícia Federal flagraram a entrega de parte do montante em dinheiro vivo. A Procuradoria-Geral da República entende o caso como solicitação de propina e havia pedido a prisão preventiva do senador. Em maio deste ano, sob ordem do ministro Edson Fachin, a prisão foi negada, mas houve um primeiro afastamento do cargo. Ficou acertada a licença para que o senador evitasse contato com outro investigados e pudesse se explicar. O tucano, contudo, foi reintegrado ao quadro do Senado depois que o caso foi redistribuído ao ministro Marco Aurélio Mello.

Na esteira do escândalo, um pedido de cassação de Aécio chegou a ser protocolado no Senado, mas foi sumariamente arquivado pelo presidente da Comissão de Ética da Casa, senador João Alberto Souza (PMDB-MA). Houve recurso para tirar o pedido da gaveta que também acabou derrotado por 12 votos a 4. Dentro do PSDB, Aécio se manteve influente mesmo com as sérias acusações nas costas. Presidente do partido, apenas se licenciou em vez de renunciar. A posição estratégica lhe dava margem para continuar como figura fundamental na articulação dentro do PSDB para que se mantivesse na base aliada do presidente Michel Temer.

Aécio teve novamente a prisão negada nesta semana, mas, para não deixar barato, a Primeira Turma do Supremo determinou medidas cautelares contra o senador: a comunicação com outros investigados ficou proibida e Aécio precisa se submeter a recolhimento noturno, além de, novamente, ter sido afastado do mandato de senador. Foi o suficiente para um levante coordenado entre ministros e parlamentares, que tentam reverter a decisão. Há duas frentes de combate. Argumentam que o afastamento não está ipsis litteris previsto na Constituição de 1988 e o recolhimento noturno é comparável à prisão, que deveria ser aprovada pelo Senado para ter validade. Nos três votos vencedores da Primeira Turma, os ministros entenderam que o artigo 319 do Código de Processo Penal define o afastamento como “medida cautelar diversa à prisão”, dispensando decisão dos parlamentares.

A explicação não foi suficiente para acalmar os ânimos do Congresso, que, nessa celeuma, destaca-se pela contradição em relação a casos anteriores. O presidente de Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), havia dito em maio que “o que houver” de decisão judicial seria cumprida pela Mesa Diretora do Senado. Agora, diz que o afastamento não está previsto nas leis. O tucano Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) afirmou que a Constituição não permite afastamento por parte do Supremo, mas, quando o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi licenciado, chamou a decisão de “intromissão necessária”. Ainda na turma de protestantes estão nomes de peso das listas de inquéritos no Supremo, como Renan Calheiros (PMDB-AL), com 17 inquéritos, e Romero Jucá (PMDB-RR), 19.

O onipresente ministro Gilmar Mendes chamou de “suspeita” a decisão dos ministros da “câmara de gás”, como já chamou a Primeira Turma. “Nós devemos evitar eu acho que a todo custo o populismo constitucional e institucional. Devemos nos balizar pela Constituição. Quando começamos a reescrever a Constituição é algo preocupante”. Entre os mais polidos, está o ministro do Supremo Marco Aurélio, relator da ação, que cravou: “Estamos diante de uma crise institucional, mas será suplantada porque a nossa democracia veio pra ficar. É grave”.

Os ânimos se exaltam conforme cresce a judicialização da política. De olho em suas biografias, as ações dos três ministros e de Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo, têm alguma ligação com a ineficiência do tribunal em julgar casos de corrupção. Enquanto o juiz Sergio Moro, da primeira instância em Curitiba, já determinou 165 condenações, o Supremo não saiu do zero. Querem afastar a todo custo a pecha de que o Supremo está envolvido no “grande acordo nacional” mencionado por Romero Jucá (PMDB-RR) em sua conversa com Sérgio Machado, anexada aos autos da Lava-Jato. Fica evidente essa percepção pela fala do ministro Luís Roberto Barroso em seu voto. “Tornei a me convencer que autoria e materialidade neste caso são induvidosos. Houve inequivocamente e documentadamente a solicitação de 2 milhões de reais. O que aconteceu no Brasil, de uma maneira geral, foi uma naturalização das coisas erradas”.

O caso Aécio é sintomático tanto de como a Justiça demora a funcionar, como pelo fato de o Congresso virar as costas aos indícios de corrupção. “É um exemplo perfeito da judicialização da política. A consequência de se recorrer ao Supremo para resolver questões que deveriam ser internas do Legislativo é o que leva a uma crise como essa, que leva a interferência entre poderes e influência maior do ambiente político no judicial”, diz Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “É preciso discutir a crise de poderes. Não se confia mais no Legislativo e no Executivo, por isso se vai ao Judiciário o tempo todo, que agora dá mostra de titubear perante a população”.

Ainda que a judicialização seja um ponto crítico, há membros da classe política que estão do lado do tribunal. “O Supremo Tribunal, como guardião da Constituição, tem a decisão final. Ele decide e é isso”, disse nesta semana o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em evento em Washington. “No passado, confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atuação dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós não sabe nem seus nomes, enquanto os nomes dos 11 juízes do STF são nomes familiares”.

O principal problema, contudo, é que no embate de forças, o Supremo pode sair prejudicado pelas divisões internas. Enquanto o quarteto Fachin, Fux, Weber e Barroso parecer trabalhar alinhado, há do lado oposto Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, com ligações recentes com o mundo político, interessado nas decisões do tribunal. Gilmar é constantemente consultado pelo presidente Michel Temer para questões jurídicas. Moraes foi ministro da Justiça até chegar ao Supremo e foi filiado do PSDB, atuando como secretário de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin, entre outros. A fragmentação se intensificou ainda mais desde a morte de Teori Zavascki, no início do ano. Foi no mesmo momento em que a Lava-Jato atingiu transversalmente os partidos e iniciou-se um lobby político pela indicação do novo ministro. Agora, a divisão drena as forças da Corte para embates com Legislativo e Executivo, que estão unidos. Nesta semana, até o PT defendeu a inconstitucionalidade das sanções a Aécio, sabendo que pode acontecer com qualquer um de seus membros. “É uma situação que força a politização e uso estratégico dos processos pelos membros do tribunal”, diz Rubens Glezer, constitucionalista da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do projeto Supremo em Pauta. “A politização percebida pela população gera percepção de que não há imparcialidade, que não é um órgão tecnico, que é político como os demais, minando a credibilidade e enfraquecendo a instituição”.

Momentos como esse são decisivos. Mesmo com as boas intenções, é preciso ter cuidado em meio ao campo minado que se tornou a relação entre poderes para que não comprometa a Lava-Jato, ainda mais quando o adversário parece mais organizado.

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