Profissional do setor de mineração (Ian Waldie/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 30 de novembro de 2023 às 06h47.
Por Thiago Rodrigues Maia*
A busca por uma economia de baixo carbono passa necessariamente por uma transição energética, uma vez que o setor energético responde por aproximadamente 40% das emissões de carbono, de acordo com estudo publicado pelo Banco Mundial em 2020.
Por sua vez, se uma matriz energética mais verde depende de uma maior utilização de fontes renováveis de energia em substituição ao consumo intensivo de combustíveis fósseis, é fato que as tecnologias relacionadas a produção e utilização de tais energias renováveis são muito mais intensivas na utilização de determinados minerais.
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Minerais como lítio, grafite, terras raras e cobalto são amplamente utilizados, tanto para produção de energia (como em turbinas eólicas e placas solares), quanto para seu armazenamento (como em baterias).
Por exemplo: para que as metas de redução de carbono fixadas no Acordo de Paris sejam atingidas, a OCDE estima que, até o ano de 2040, a demanda de lítio aumente em 42 vezes, enquanto a de grafite em 25 vezes.
Durante o último século, o acesso ao petróleo e ao gás foi determinante na construção de riqueza e poder entre as nações, determinante tanto em relações de conflito quanto de cooperação internacional. Se a “geopolítica do petróleo” teve papel absolutamente relevante na formação do atual cenário mundial, para o futuro, o acesso aos minerais críticos, bem como o controle de determinadas cadeias produtivas a ele associadas tende a assumir um protagonismo cada vez maior.
De acordo com os dados mais recentes publicados pelo Departamento de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, a China, por exemplo, concentra atualmente 70% da produção mundial de terras raras e 65% da produção mundial de grafite.
Segundo estudo elaborado pela OCDE, durante a última década, restrições globais na exportação de minerais críticos para a transição energética (como lítio, cobalto, grafite e terras raras) mais que quintuplicaram.
O ano de 2023, inclusive, está sendo marcado por uma escalada em tensões internacionais, onde a restrição na oferta de determinados minerais estratégicos tem sido utilizada como instrumento de pressão dentro do contexto de disputas geopolíticas.
No último mês de outubro, por exemplo, a China anunciou novas medidas restritivas aplicáveis à exportação de grafite. Ainda que a razão alegada tenha sido relacionada a questões de defesa e segurança, fato é que tal componente é utilizado em praticamente todas as baterias de veículos elétricos.
Neste mês de novembro, o governo chinês anunciou novos controles de exportação para terras raras - utilizadas na produção de armamentos, mas também de veículos elétricos. Tais restrições foram implementadas ao abrigo de uma Lei de Controle de Exportações aprovada pelo governo chinês no fim de 2020.
Por essa razão, grandes potências importadoras de tais materiais, como é o caso dos Estados Unidos e da União Europeia, têm intensificado seus esforços para remover barreiras de exportação, bem como para estabelecer fontes alternativas de suprimento.
Em 2022, o próprio governo dos Estados Unidos já havia aprovado uma série de medidas estatais (como subsídios, empréstimos, garantias e compromissos de compra) destinadas ao fortalecimento da sua capacidade industrial para fabricação de baterias de alta capacidade, bem como para a mineração, processamento e beneficiamento de minerais críticos utilizados em sua cadeia produtiva, tais como grafite, lítio, níquel e cobalto.
Já a Comissão Europeia formulou, no início deste ano, a proposta para o EU Critical Raw Materials Act, visando fortalecer a sua cadeia de suprimento para setores estratégicos, dentre os quais o de energia eólica e o de produção de baterias. Tal iniciativa, inclusive, objetiva a segurança de suprimento também por meio da diversificação das nações fornecedoras.
O contexto posto acima nos leva a refletir sobre o potencial mineral do Brasil e sobre como o Brasil está se posicionando para aproveitar as oportunidades para a indústria mineral derivadas da transição energética.
De acordo com os últimos dados divulgados pelo Departamento de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, o Brasil concentra aproximadamente 22% das reservas mundiais de grafite, mas é responsável por menos de 7% do fornecimento global.
Com relação a terras raras (que tem visto uma demanda cada vez maior para a indústria de energia eólica e carros elétricos), apesar de estar entre os quatro países do mundo em reservas (junto com China, Rússia e Vietnã), o Brasil ainda tem participação insignificante na cadeia global de fornecimento de tal matéria.
Olhando para nosso arcabouço regulatório, em março de 2021, foi publicado o Decreto nº 10.657, o qual institui a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos - Pró-Minerais Estratégicos.
Mais tarde, em junho de 2021, foi publicada a Resolução nº 2 da SGM/MME (Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, vinculada ao Ministério de Minas e Energia), a qual aprova a relação de minerais considerados estratégicos para o Brasil, dentre eles o lítio, terras raras e a grafita.
Contudo, seriam tais medidas suficientes para criar o ambiente propício e atrativo para investimentos para que o Brasil assuma em uma posição protagonista não só na exploração de minerais críticos, mas também das tecnologias necessárias à transição energética? Acreditamos que a resposta majoritária seja “não”.
Segundo informações divulgadas no último mês de agosto, o governo estaria preparando um plano para agilizar a exploração de minerais estratégicos, o que poderia incluir a ampliação do financiamento para pesquisa e exploração de tais minerais, por meio de recursos do novo Plano de Aceleração do Crescimento.
Nos parece que qualquer plano estratégico para o setor também deveria se preocupar em sanar problemas há muito conhecidos e debatidos – como o fortalecimento da Agência Nacional de Mineração (ANM), cujos servidores se encontravam em greve até o mês de outubro e a desburocratização. É notório para aqueles que atuam no setor que a ANM e seus servidores não contam com uma estrutura minimamente compatível com a importância que o setor mineral tem para a economia brasileira.
Tornar o setor mineral atrativo para investimentos vai muito além da identificação de novas reservas (ainda que este seja um passo necessário). Para que o Brasil possa efetivamente aproveitar as oportunidades advindas do aumento da demanda por minerais críticos, diversos pontos ainda precisam ser trabalhados, como a implementação de uma Política Nacional de Minerais Críticos que seja efetiva, a estruturação da ANM para que seja capaz de dar vazão e celeridade ao desenvolvimento dos empreendimentos, especial atenção aos aspectos fiscais (uma sensível preocupação do setor), além de investimentos de PD&I pelo setor publico e privado.
Esperamos que as políticas para explorar as tantas oportunidades divulgadas e as tão defendidas vantagens brasileiras efetivamente saiam do papel e sejam impulsionadoras do desenvolvimento nacional, criando as condições efetivas para posicionar o Brasil e a sua indústria de uma forma estratégica, dentro desse novo contexto global.
* Thiago Rodrigues Maia – é sócio da área de Direito Societário e M&A do Demarest Advogados. É graduado em Direito pela PUC-Rio, certificado em Administração de Empresas pela Kellogg Graduate School of Management (Estados Unidos) e mestre (LL.M) pela Northwestern University School of Law (Estados Unidos).