Alunos durante homenagem às vítimas do tiroteio na escola Raul Brasil em Suzano, no dia da reabertura da escola (Ueslei Marcelino/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 09h10.
Há dois anos trabalhando na Escola Estadual Primo Bitti, a professora de português Priscila Queiroz nunca imaginara ficar na mira de disparos no colégio. Mas foi o que aconteceu há duas semanas, nos ataques a duas escolas em Aracruz, no interior do Espírito Santo, por um adolescente de 16 anos. Baleada nas costas e no braço, a educadora indígena recebeu alta e, apesar de não acreditar na segurança armada como solução, diz que medidas de prevenção contra massacres em escolas não podem mais ser um tema tabu.
— Infelizmente, foi preciso acontecer uma barbárie para que se pensasse sobre o caso. De forma geral, as escolas estão muito vulneráveis — diz Priscila, ressalvando que a guarda patrimonial da escola não foi suficiente para impedir o atirador, que foi aluno da Primo Bitti até o ano passado, de matar quatro pessoas e ferir 12 com uma pistola e um revólver.
— Temos prédios com um pátio externo muito grande. Isso torna difícil monitorar as entradas. Nem todas as escolas têm câmeras. Penso que a segurança na infraestrutura é urgente e de igual urgência à parceria com a família, no ensino da empatia, do amor ao próximo, do respeito e de todas as virtudes que possam ajudar a edificar uma sociedade melhor.
Os dois ataques deixaram o alerta aceso entre autoridades, professores, alunos e seus parentes. Para pesquisadores do tema, o crescimento de grupos extremistas que disseminam discurso de ódio na internet e o aumento do acesso a armas são causas e facilitadores desse fenômeno.
Hoje, o debate sobre segurança nas escolas não se restringe mais a assaltos no entorno e hostilidades em salas de aula. Após o caso de Aracruz, o presidente eleito Lula determinou que medidas de prevenção fossem planejadas pelo grupo de Educação da transição.
— É necessário ir à raiz do problema. Assumir que hoje há grupos no Brasil que são radicalizados, que têm crescido na internet com prática de aliciamento de jovens, e estudar medidas de proteção para as escolas — explica Daniel Cara, professor da faculdade de Educação da USP e que, como integrante do grupo de Educação, coordenará o relatório sobre os atentados.
Cara destaca que a pandemia facilitou o recrutamento desses jovens por grupos extremistas que se organizam na internet. Além do maior tempo online, são alunos que tiveram perda de convivência social, explica. O especialista acrescenta que o fenômeno é mundial e que se insere num contexto de “masculinidade tóxica”.
— No mundo isso começou na década de 1970, no Canadá, e foi escalonando — afirma o professor, que ainda estuda como esses atentados funcionam como propaganda para outros grupos e se concentram em escolas e universidades.
O adolescente foi condenado a três anos de internação por crime análogo a quatro homicídios, além da tentativa de outros assassinatos. Uma nova investigação foi aberta para apurar o envolvimento e a responsabilidade de outras pessoas no caso, como o pai do garoto, policial militar dono das armas usadas no crime.
A professora da Faculdade de Educação da Unicamp Telma Pinho defende que segurança ostensiva não é a solução. Ela lembra que outro ataque nesse ano, em que uma aluna foi assassinada, foi em uma escola cívico-militar, em Barreirinhas (BA), e as respostas bélicas nos Estados Unidos não solucionaram o problema.
— Podemos aumentar a segurança externa, patrimonial, e a proteção à escola, principalmente em regiões vulneráveis. Mas isso não significa presença de policiais na escola. O colégio deve ser um espaço social do Estado — define Telma, para quem é preciso o maior controle das armas de fogo e a ampliação do serviço de apoio saúde mental, além de medidas preventivas dentro das escolas. — Temas atuais devem ser objetos de reflexão, em disciplinas. Por exemplo, tratar em sala o discurso de ódio ou a construção de projeto antibullying.
Há dois meses, um ataque na unidade de São Cristóvão do Colégio Pedro II, no Rio, foi evitado após prints de mensagens do aluno, que planejava o atentado, terem vazado. O aluno foi afastado, e a direção acionou a polícia e o conselho tutelar. Além disso, indicou acompanhamento psicológico e psiquiátrico ao estudante; solicitou um carro da PM na porta da escola por 180 dias e iniciou medidas preventivas, como parcerias com instituições e profissionais que trabalham com saúde mental e emocional.
Pai de uma aluna da mesma escola, o professor Guilherme Matos, que dá aulas no Cefet-RJ, diz que o ambiente em sala de aula nunca foi tão hostil quanto hoje.
— Estou há 13 anos no colégio, e nunca tinha visto uma briga até a pandemia. Desde que voltaram as aulas presenciais, separei duas brigas dentro de sala — conta Matos. — Eu acho que ficaram muito tempo sem conviver juntos, então retornaram com dificuldades escolares, de concentração, e não conseguem mais se portar como alunos em sala. Acabam convivendo como se tivessem na rua, e questões externas podem resultar em ódio. Além disso, passaram a viver mais em bolhas virtuais.
O mercado privado tenta vender soluções. Startup criada em 2015 na Suécia, a Cosafe oferece há três anos no Brasil um sistema de segurança, baseado em uma plataforma de comunicação rápida, criado para empresas. O sistema integra professores e diretores com um alerta que pode ser enviado às autoridades e aos pais. A mensagem acompanha as instruções e protocolos para enfrentar situação.
— Quem identificar alguém armado aciona o aviso. A escola desenvolve seu protocolo — explica a CEO da Cosafe Latam, Ana Flávia Bello.