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Como a psicologia explica o porquê de haver pessoas que negam a ditadura

A psicologia explica que os mecanismos de defesa servem para nos proteger do que achamos desagradável. Mas no caso da ditadura o resultado pode ser nebuloso

Ato em memória aos 50 anos da Ditadura Militar no Brasil, na sede do DOI-CODI em São Paulo (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

Ato em memória aos 50 anos da Ditadura Militar no Brasil, na sede do DOI-CODI em São Paulo (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

AJ

André Jankavski

Publicado em 31 de março de 2019 às 08h00.

Última atualização em 31 de março de 2019 às 11h34.

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro foi categórico: não houve ditadura militar no Brasil. A declaração foi dada na quarta-feira (27) ao jornalista José Luiz Datena e o presidente disse que durante o regime houve apenas "probleminhas".

Assim como o presidente, diversos brasileiros não acreditam que o período de 21 anos em que os militares estiveram no poder, sem eleições diretas para a presidência, possa ser visto como uma supressão da democracia brasileira, mesmo com fatos provando isso. E a psicologia ajuda a explicar esse fenômeno.

“As pessoas criaram uma blindagem e uma espécie de mecanismo de defesa para a proteção de sua referência e opinião. As vezes torcendo um pouco a forma da verdade”, diz o professor Hélio Deliberador, da PUC-SP.

O médico neurologista Sigmunt Freud explica. Ele foi o criador da psicanálise e um dos responsáveis pela ênfase dos mecanismos de defesa.

Resumidamente, temos o “superego”, que é o responsável por colocar a nossa moral aprendida em nossas relações pessoais em prática, o “id”, que é o nosso inconsciente e origina os nossos impulsos mais primitivos de sobrevivência, e o “ego”, que tem a função de administrar os dois primeiros para que a pessoa se adapte à realidade que o cerca.

Já os mecanismos de defesa podem ser definidos como uma tentativa inconsciente do ego amortecer os impactos negativos e fazer com que as pessoas se expressem de maneiras menos afoitas. Um desses mecanismos é o da negação. É o que acontece com aqueles que não admitem a existência da ditadura militar no Brasil.

Neste caso, a negação serve para não se perder uma narrativa política. Para Deliberador, em tempos de discursos tão radicais, todo o espectro político se agarra em suas próprias “verdades” para justificar uma ação – mesmo que ela seja facilmente refutada pelos fatos.

Uma ditadura, seja ela ligada à esquerda ou à direita, normalmente se mantém com a utilização da violência para coibir e reprimir opositores. Não foi diferente no caso brasileiro. Por aqui, diversas reportagens e outras formas de se expressar, como canções e filmes, foram censuradas. Logo, diversos problemas foram escondidos pelos militares durante o regime.

Daí surge a tentativa de parte dos conservadores negar que houve excessos cometidos por militares. Nos 21 anos de regime militar, 4,8 mil pessoas tiveram seus direitos políticos cassados, 2,2 mil casos de tortura foram denunciados e 423 pessoas foram mortas ou simplesmente desapareceram.

Crimes não podem ser escondidos

Um dos fatores que pode ter desencadeado essa onda de brasileiros duvidando dos crimes foi a falta de exposição e o tamanho desses problemas para as gerações seguintes. Essa é opinião de Fernando da Silveira, psicólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“Esses eventos traumáticos precisam ser humanizados e debatidos pela sociedade para se entender a violência e os motivos de ela ter acontecido. Somente assim é possível criar um lugar suficientemente pacífico”, afirma ele.

Ou seja, é necessária uma real discussão sobre o assunto – e não, simplesmente, tudo descambar para uma briga política. Neste caso, a Alemanha é um exemplo do que pode ser feito.

Os alemães não negam o seu passado e nem a sua história – nem mesmo momentos vergonhosos como o Holocausto. Lá, campos de concentração não ficam abertos com o objetivo de atrair turistas, mas para mostrar a todos o tamanho do estrago que o ser humano pode causar.

Nas escolas, o tema também é debatido sem filtros. Por lá, a abordagem pedagógica é feita de uma maneira para estimular uma reflexão crítica dos alunos ao passado do país. Eles recebem aulas sobre o período nas 9ª e 10ª séries – quando os alunos estão com 14 e 15 anos, respectivamente.

Para complementar o estudo, há professores lutando para que sejam obrigatórias as visitas a campos de concentração – e custeadas pelo Estado.

“No Brasil, esse tema não foi elaborado e por isso sempre retorna em tempos de crise. Há uma falta de conversa e diálogo”, diz Silveira. “Outros países na América Latina fizeram um trabalho melhor, como Argentina e Chile.”

Não foi à toa, portanto, que o presidente do Chile, Sebastián Piñera, rechaçou as frases de Bolsonaro elogiando ditaduras latino-americanas, incluindo o ditador chileno Augusto Pinochet. “São declarações tremendamente infelizes. Não compartilho muito do que Bolsonaro diz sobre o tema”, disse Piñera, que também é um político ligado à direita.

Por isso, discutir o tema é importante. Relativizar a violência cometida por um outro, geralmente, gera mais violência no futuro. Aqueles que não conhecem o próprio passado estão propensos a repetir os mesmos erros anteriores.

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