Plenário do Senado Federal, em Brasília (Adriano Machado/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 9 de abril de 2021 às 12h44.
Última atualização em 9 de abril de 2021 às 13h11.
Na noite da última quinta-feira, 8, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a contragosto, anunciou que instalará a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, para investigar a atuação do governo na pandemia. A notícia acende o sinal de alerta no Planalto, que já tinha muito com o que se preocupar nos últimos tempos, e inflama os ânimos no Congresso.
Além de lidar com agravamento da pandemia, crise econômica, dificuldades no Orçamento, pressão pela compra de vacinas e outros muitos problemas, inclusive políticos, o presidente Jair Bolsonaro e boa parte das pessoas próximas a ele agora precisam se preparar para as defesas que certamente terão que apresentar na CPI. Os senadores, certamente, não estão dispostos a pegar leve.
Não por acaso, a reação do Planalto foi enérgica. O próprio Bolsonaro veio a público nesta sexta-feira, 9, dizer que "falta coragem moral" ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que obrigou Pacheco a abrir a CPI. A apoiadores, o presidente disse que "sobra ativismo judicial". As críticas foram além, no Twitter. "Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Senado Federal", escreveu o presidente.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, um dos principais interlocutores com o Congresso, também criticou a decisão no Twitter, nesta quinta. "Num momento em que todos pedem união entre os poderes, nos surpreendem decisões sobre uma CPI que em nada contribuirá para vencer a pandemia. Nossos esforços não deviam estar concentrados em combater a Covid-19 e vacinar os brasileiros? É hora de união, não de politização e caos", escreveu.
É natural que haja preocupação, diz o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa. A investigação sobre eventuais omissões e atuação equivocada do governo durante a pandemia permite retrospectivas profundas em cada fala e em cada medida tomada no último ano, não só por Bolsonaro, mas também pelos filhos e ministros. "Uma CPI é um universo muito amplo, é quase um Congresso dentro do Congresso", afirma.
Os parlamentares também sabem que o assunto principal será a CPI, enquanto ela durar. No Legislativo, as atenções estarão voltadas às apurações e novos fatos sobre a atuação do governo na pandemia, o que significa, na visão de César, que é a hora de esquecer reformas econômicas. Com uma investigação em curso sobre o tema mais importante para o país, devem ficar para depois mudanças no funcionalismo público e na cobrança de tributos.
“Do plano da agenda legislativa reformista, é melhor esquecer qualquer mudança de grandes proporções. Já está difícil de tocar há um tempo, mas agora vai dar uma freada razoável”, avalia César. Para ele, até mesmo a agenda micro deve perder força, ou pelo menos velocidade, por conta das inevitáveis tensões criadas por uma CPI. Um baque direto na agenda de Paulo Guedes.
Além disso, a pressão em cima do governo vai ser enorme, diz o cientista político. "Inclusive em relação a quem vai ser chamado para falar, quem vai ser investigado", aponta. "A CPI tem um assunto específico, a questão da pandemia e correlatos, mas sempre acontece de pedirem quebra de sigilo de pessoas que não têm a ver diretamente com o assunto. Isso deve gerar trabalho para o governo derrubar e muito desgaste", afirma César.
E não dá para prever como o Centrão, aliado de Bolsonaro, vai se comportar. "É importante monitorar o bloco, que é pragmático por natureza. A CPI traz incertezas sobre as relações com o governo", avalia o cientista político. Segundo ele, não há nada que garanta que o grupo continuará apoiando o presidente, ainda mais com a proximidade das eleições. "Se a CPI avançar de maneira que se perca o controle no âmbito do Planalto, o Centrão não vai se apegar ao Bolsonaro", diz.
Essa movimentação toda, apesar de iniciar no Senado, se estende à Câmara. Pedidos de abertura de uma CPI não devem demorar a chegar também na Casa presidida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), diz César. É possível que, nos próximos dias, surjam requerimentos e assinaturas tanto para uma comissão entre os deputados quanto para uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com representantes das duas Casas.
É o chamado “efeito demonstração”, conta César, que lembra haver espaço na Câmara para a instalação de uma CPI. O regimento permite que funcionem até cinco comissões do tipo ao mesmo tempo na Casa e, no momento, só tem uma em atividade, a que investiga derramamento de óleo no Nordeste. "Podem criar uma própria ou sugerir unificar em uma CPMI", explica o cientista político.