Jank e Giannetti: visões diferentes sobre commodities e desindustrialização (Fotomontagem/EXAME)
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2011 às 19h14.
São Paulo – O debate em torno de um processo de desindustrialização que estaria em curso no Brasil ressurge de tempos em tempos. Hoje foi mais um desses dias em que um tiroteio de palavras não ajuda a esclarecer o tema.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é um ótimo exemplo dessas divergências. Os empresários do setor manufatureiro vivem reclamando que a balança comercial brasileira está muito dependente das commodities agrícolas e minerais.
"A gente não pode olhar para o Brasil com a dimensão territorial, populacional, com as questões sociais que tem, e pensar que a gente vai continuar exportando soja em grão, ao invés de óleo e farelo, exportando algodão em vez de vestuário, carne in natura ao invés de cortes especiais embalados. O mesmo serve para a área de minério", afirmou Roberto Giannetti da Fonseca, que comanda o Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp.
A mesma entidade tem um Conselho Superior do Agronegócio, presidido pelo ex-ministro Roberto Rodrigues, que é um ferrenho defensor da tese de que o agronegócio no Brasil está cada vez mais industrializado e que o bom desempenho do setor de commodities impulsiona outros segmentos, como o de máquinas e equipamentos.
O presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única), Marcos Jank, seguindo a mesma linha de raciocínio, disse nesta sexta-feira que "para um grão de soja é preciso uma quantidade imensa de máquinas, químicas, processamento”. E arrematou: “Tende a se achar que a commodity é desindustrialização, o que não é verdade. Isso me deixa profundamente incomodado."
Do ponto de vista da balança comercial, é inegável que os preços elevados das commodities no mercado internacional garantem o nosso superávit. Como bem lembrou recentemente Nathan Blanche, sócio-diretor da Tendências Consultoria, “em números redondos, as exportações de commodities – alimentos e minério de ferro – são responsáveis por um superávit comercial de US$ 100 bilhões no Brasil, enquanto os outros setores são deficitários em US$ 72 bilhões, o que dá uma balança positiva em US$ 28 bilhões.”
Giannetti da Fonseca disse hoje que a crise pode derrubar os preços das commodities, deixando o Brasil em uma situação difícil do ponto de vista das contas externas. Marcos Jank lembra, no entanto, que adicionar valor agregado aos produtos nem sempre leva à lucratividade. “A Vale ganha muito dinheiro com minério de ferro e logística, mas talvez não ganhasse tanto com o aço, porque há excedente no mundo. Há distorções que beneficiam o produto básico. O manufaturado nem sempre é tão lucrativo."
É inegável que alguns setores da indústria nacional estão sofrendo com a forte concorrência – muitas vezes desleal – dos importados. Porém, criar barreiras à entrada dessas mercadorias pode gerar efeitos danosos à economia, segundo os especialistas, como aumento de preços ao consumidor e estagnação tecnológica.
Os especialistas dizem que, de uma forma geral, a desindustrialização acontece em alguns setores específicos que, podem (ou não) ser incentivados ou protegidos pelo governo. É preciso analisar caso a caso, evitando generalizações.
Parece fazer muito mais sentido os industriais lutarem por melhores condições de produção (carga tributária menor) e de infraestrutura (portos, aeroportos, estradas etc) do que hastearem a bandeira contra as commodities. O governo – em que pesem as críticas – tem dois programas nesse sentido: o Brasil Maior, lançado recentemente, e o PAC, em sua segunda fase.
Na questão cambial, que também é pontada pelos empresários como uma das causas da desindustrialização, não há muito a ser feito em um contexto de juros baixíssimos nos países desenvolvidos.
A atual realidade econômica mundial, muito bem resumida pelo pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, Samuel Pessoa, em reportagem publicada pela revista EXAME, não permite que o foco no Brasil seja apenas para os manufaturados. “Hoje, o mundo que cresce – a Ásia – puxa o preço dos produtos primários para cima. E o mundo que não cresce – os países ricos – joga o preço dos produtos manufaturados para baixo.”
O Brasil é referência mundial em commodities, tem indústrias fortíssimas em vários segmentos e não pode se dar ao luxo de escolher um ou outro. É preciso ter vencedores nas duas áreas – e, bem ou mal, já os temos. O embate “commodities x indústria” alimenta uma polêmica sem sentido.