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Comitê do Sírio-Libanês não concorda com compra de vacinas pelo setor privado

Para os especialistas, isso representaria um comprometimento da lógica de uma campanha de vacinação

Vacina: especialistas não concordam com compra pelo setor privado (Ricardo Moraes/Reuters)

Vacina: especialistas não concordam com compra pelo setor privado (Ricardo Moraes/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 08h03.

O Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês emitiu nesta sexta-feira, 29, parecer sobre a ética da compra privada de vacinas contra a covid-19. Para os especialistas, isso representaria um comprometimento da lógica de uma campanha de vacinação, que é o de proteger a população de maior risco para evitar o colapso do sistema de saúde.

A compra privada poderia significar, reforçam, o privilégio do individualismo, uma escolha "que não atinge seu maior benefício de saúde pública".

O documento de seis páginas lembra que a compra privada de vacinas está sendo ventilada no Brasil nas últimas semanas. Recentemente, veio a público a iniciativa de um grupo de empresários que objetivava adquirir doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, empreitada que acabou não se concretizando. A AstraZeneca disse que não venderia a vacina para grupos privados, mas o próprio presidente Jair Bolsonaro vê o caminho como válido.

O comitê do Sírio-Libanês então se debruçou sobre o assunto com o objetivo de oferecer uma resposta à pergunta: é ético realizar a compra e distribuição privada de vacinas durante situação de pandemia e escassez de vacinas? A resposta enfática foi de que a alternativa não é condizente com os valores bioéticos. Essa interpretação é sustentada diante dos valores do Sistema Único de Saúde (SUS), dos benefícios para a saúde pública e do cenário socioeconômico brasileiro.

"A compra e distribuição de doses de vacina pela iniciativa privada, gerando a vacinação de indivíduos fora dos grupos prioritários que mais se beneficiam, fere os princípios fundamentais da equidade, da integralidade, da universalidade e da justiça distributiva, ferindo não só os próprios fundamentos do SUS, mas também a própria lógica que gera o benefício de uma campanha de vacinação", escreveu o comitê em seu relatório. 

 

Os especialistas lembram que é o efeito decorrente da imunidade de rebanho conferida pela vacinação que leva à redução mais significativa da mortalidade da doença. Portanto, quanto maior for o porcentual de imunidade da população de maior risco, maior será o benefício da população, pontuam. A vacinação privada fará com que doses sejam ofertadas a quem tem privilégios econômicos, enquanto os de maior vulnerabilidade terão de permanecer aguardando sem saber quando a imunização ocorrerá.

"A falta de confiança de diversos setores privados no protagonismo do poder público para agir de forma eficaz e oportuna no acesso e distribuição das vacinas durante a pandemia cria, junto a uma sensação de insegurança, um risco generalizado de ações individualistas em detrimento de ações cooperativas que busquem prioritariamente o bem comum", destaca o comitê.

O relatório ressalta que, em um momento de escassez de vacina, oferecer doses para a população que terá maior benefício epidemiológico (idosos, por exemplo) deve se sobrepor ao individualismo imposto pelo poder econômico.

Consensos e programas governamentais nacionais e internacionais, lembra o documento, estabelecem como prioritária a vacinação para grupos populacionais com maior risco de morte, maior exposição profissional e maior vulnerabilidade social.

"Iniciativas desta natureza (vacinas privadas), neste cenário tão sensível como o atualmente vivenciado por nós, podem não só comprometer princípios, mas também acentuar ainda mais desigualdades e injustiças já excessivas hoje no Brasil", reforça.

Uma alternativa proposta é que eventuais compras privadas sejam integralmente doadas aos SUS. "Ações solidárias desta natureza, além do benefício tangível ao sistema de saúde e à população, inspiram uma sociedade a ser melhor e a buscar o bem comum", pontua o comitê.

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