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Comissão aprova nova política de saúde mental; conselho protesta

A norma cria nova modalidade de CAP voltada à assistência de urgência e emergência e à oferta de linhas de cuidado em situações de uso de drogas

Hospital: Nova política rompe com a lógica de desestruturação de manicômios, segundo conselhos (Thomas Northcut/Thinkstock/Thinkstock)

Hospital: Nova política rompe com a lógica de desestruturação de manicômios, segundo conselhos (Thomas Northcut/Thinkstock/Thinkstock)

AB

Agência Brasil

Publicado em 14 de dezembro de 2017 às 20h48.

A Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou, em reunião nesta quinta-feira (14), mudanças na política de saúde mental. O Ministério da Saúde destaca que a resolução aprovada veta a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais especializados e amplia a rede de atenção. No entanto, durante a votação, o Movimento da Luta Antimanicomial manifestou-se em repúdio à nova política, alegando que ela rompe com a lógica de desestruturação de manicômios, mesmo posicionamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).

A norma cria nova modalidade de Centro de Atenção Psicossocial (CAP) voltada à assistência de urgência e emergência e à oferta de linhas de cuidado em situações de cenas de uso de drogas, especialmente nas chamadas "cracolândias". Também institui as equipes de Assistência Multiprofissional de Média Complexidade em Saúde Mental, que tem por objetivo prestar cuidados multiprofissional em nível secundário, como por exemplo em policlínicas, apoiando de forma articulada a atenção básica e demais serviços das redes de atenção à saúde.

A polêmica reside em outros dois pontos: a forma como a política trata do processo de desinstitucionalização e a inclusão das comunidades terapêuticas no rol de componentes da Rede de Atenção Psicossocial (RAP). Na base das questões está a reforma psiquiátrica em curso no Brasil desde 2001, que orienta que a abordagem de pessoas com transtornos mentais ocorra com a menor intervenção possível, valorizando a atenção de base comunitária e não a segregação em hospitais ou o tratamento em manicômios.

A resolução aprovada hoje veda "qualquer ampliação da capacidade já instalada de leitos psiquiátricos em hospitais especializados", "reafirmando o modelo assistencial de base comunitária", e aponta para o apoio técnico e financeiro do processo de desinstitucionalização de pacientes em hospitais psiquiátricos. Por outro lado, amplia a oferta de leitos hospitalares para aquele tipo de internação e estimula a "qualificação e expansão" deles. Além disso, reajusta o valor de diárias pagas por paciente.

Retrocesso

Para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o conjunto de medidas desfigura a política de saúde mental. O conselheiro do CFP Pedro Paulo Bicalho explica que, apesar das vedações, há ataques à lógica adotada no Brasil hoje "porque a proposta da reforma psiquiátrica antimanicomial é de progressiva extinção dos leitos. Então, quando o ministério deixa de falar em extinção, ele deixa brechas para que os leitos sejam mantidos. Nesse sentido, é um retrocesso", avalia.

O coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do ministério, Quirino Cordeiro Junior, no entanto, disse à Agência Brasil que "não há nenhum retrocesso". Ele explica que a ampliação do número de leitos responde ao diagnóstico feito por um grupo do ministério, que constatou que metade dos 1.164 leitos destinados à internação de pessoas com doenças mentais em hospitais comuns não têm registrado ocupação, enquanto 44 hospitais psiquiátricos tiveram atendimento acima da capacidade. Diante desse quadro, o órgão optou por, a partir de agora, "investir na ampliação apenas dos leitos que estão dentro de enfermarias especializadas".

Ao ser questionado sobre a possibilidade dessa ampliação significar a manutenção da exclusão desses pacientes, Cordeiro argumentou que, do ponto de vista técnico, existem dificuldades concretas de manejar um quadro psicótico agudo em uma enfermaria geral. "[O Ministério] está se valendo de dados que a gente tem para ofertar à população serviços mais adequados", disse ele ao acrescentar que será exigido que as equipes especializadas acompanhem os pacientes.

O coordenador destacou que a resolução propõe a habilitação de duzentos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) até o fim de 2018 e estabelece que os valores de custeio deles devem ser reajustados. "Nós não queremos mais moradores em hospitais psiquiátricos. O processo de desinstitucionalização vai continuar e ganhar potência", disse. De acordo com Cordeiro, quase mil pessoas foram desinstitucionalizadas em 2017, com a criação de cerca de 100 serviços.

Comunidades terapêuticas

Em relação à inclusão das comunidades terapêuticas como integrantes da Rede de Atenção Psicossocial, o coordenador de saúde mental do ministério explica que hoje o governo federal já credencia esse tipo de instituição por meio do Ministério da Justiça (MJ). Agora, a previsão é de que uma portaria interministerial envolvendo os ministérios da Justiça, da Saúde e de Desenvolvimento Social trate do tema e viabilize a expansão.

Para o Conselho Federal de Psicologia, as comunidades terapêuticas não podem ser consideradas estabelecimentos de saúde. Os conselhos federais de Psicologia e de Serviço Social (CFESS) inspecionam esses locais e tem registrado situações de violações de direitos humanos que se assemelham às que eram vistas em manicômios.

O conselheiro Pedro Paulo Bicalho acrescenta que encontros nacionais do setor de saúde, como a Conferência de Saúde Mental, reiteraram o posicionamento crítico às comunidades. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também já se manifestou sobre o tema, em nota que apontou as práticas violadoras de direitos registradas em locais desse tipo.

Já para o corrdenador do Ministério da Saúde, não é possível generalizar esse quadro. Cordeiro explica que as comunidades terapêuticas que serão credenciadas precisarão estar de acordo com normas de respeito aos direitos humanos e serão de livre adesão dos pacientes.

Conselhos

A nova política conta com o apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que acreditam que ela fortalece a política de saúde mental.

Já o Conselho Nacional de Saúde (CNS) também critica a proposta e pede o debate público sobre ela seja ampliado. Na reunião da Comissão Tripartite de hoje, de acordo com o órgão, o presidente do Conselho, Ronald dos Santos, tentou se manifestar sobre a proposta, mas não foi autorizado a falar. "A decisão foi tomada sem escuta da sociedade", declarou, em nota, o CNS.

A nova resolução já está em vigor e, para complementá-la, deverão ser regulamentadas diretrizes clínicas para linhas de cuidados e critérios de acompanhamento e monitoramento das RAPs, que estão previstos na resolução aprovada.

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