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Com vocês, o novo Renan Calheiros

O senador alagoano não se acostumou com a nova situação longe dos holofotes após de deixar a presidência do Senado e agora se comporta como oposição

RENAN CALHEIROS: o ex-presidente do Senado se concentra em Alagoas de olho nas eleições de 2018  / Marcelo Camargo/Agência Brasil

RENAN CALHEIROS: o ex-presidente do Senado se concentra em Alagoas de olho nas eleições de 2018 / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 7 de abril de 2017 às 18h11.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.

Quando o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) pediu a palavra durante a sessão plenária da última quarta-feira 5, senadores da oposição ao governo Temer cutucaram-se para prestar atenção. Sabiam que vinha pedrada, como havia acontecido em um jantar de parlamentares do partido na noite anterior, na casa da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).

“No jantar, eu fiz uma manifestação a partir da minha percepção e pela convivência que tive com os dois – com a presidente Dilma e com o presidente Michel Temer. A presidente Dilma sempre me passou a impressão de que não sabia para onde ir. E o presidente Michel Temer, com essa política econômica de arrocho, de juro alto, de aumento de imposto, de recessão, de desemprego, se não mudar, ele está passando a percepção, de que não tem para onde ir”, disse.

A fala pública vinda do líder do partido do presidente na Casa tinha objetivo óbvio de constranger Michel Temer, de quem Renan vem cobrando participação nas decisões de política fiscal e condução das reformas. “Muito bem, Renan! Apoiado!”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) aos risos. “Estou pensando aqui em ceder a minha vaga de líder da oposição ao senador Renan”, afirmou em seguida o senador Humberto Costa (PT-PE).

O senador alagoano não se acostumou com a nova situação longe dos holofotes após de deixar a presidência do Senado. Há quatro anos ele ocupava a cadeira central da Mesa Diretora. A falta de traquejo para o lugar comum se evidencia em uma história que ficou conhecida nos corredores de Brasília. A primeira votação de Renan longe da Mesa ficou marcada pelo fato de o peemedebista simplesmente não saber usar o sistema eletrônico para dar seu voto. Teve de ser ajudado pelo colega Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A frustração, em parte, entende-se. O antigo posto obrigava Renan a sentar à mesa com Temer e o colocava no holofote das negociações no Congresso. Tinha entre as funções dar celeridade às pautas de reforma, como foi o caso com a PEC do teto, pauta fundamental para o governo aprovada no fim de 2016. Renan era figura central nos planos da presidência e estava acostumado a ser seguido por um batalhão de assessores, circundado por outra multidão de jornalistas. Tudo mudou em fevereiro, quando convocou as eleições que colocaram Eunício Oliveira (PMDB-CE) em seu lugar.

Agora, Renan anda diferente. Com Romero Jucá (PMDB-RR) na liderança do governo e Eunício na presidência, Temer pôde se dar ao luxo de simplesmente deixar de lado suas opiniões. O senador, pela tradição política, ainda exerce influência em um grupo de parlamentares. Entre eles estão senadores dissidentes das políticas de Temer dentro do PMDB, como Kátia Abreu e Roberto Requião (PMDB-PR), ou da própria oposição. Constantemente, durante a semana que passou, Renan era visto ao pé do ouvido com Jorge Viana (PT-AC), que, apesar de petista, compunha a Mesa Diretora no último mandato e sempre dialogou bem com o PMDB.

“Renan é um senador experiente e sabe que quando o governo apresenta uma proposta enorme e vai reduzindo, o custo fica com o Congresso. Essa estratégia é uma forma de nos proteger e fazer frente ao Henrique Meirelles [ministro da Fazenda, que coordenou o texto inicial]”, afirma Viana.

Restou a Renan fazer barulho. O senador está mais aberto aos adversários e dialogando mais com jornalistas. Na quarta-feira, depois da sessão plenária, gastou mais de uma hora na área do cafezinho do Senado conversando com uma roda de repórteres. Outros parlamentares, em especial opositores, estranhavam a cena. “Há muito tempo não via Renan fazendo isso. Mas é preciso aparecer, não é?”, afirma um senador.

O “desespero”, como define outro parlamentar, tem no horizonte as eleições de 2018 – seu mandato termina no ano que vem. Renan terá pela frente a mais disputada eleição de que se tem memória. Ainda que estejam abertas duas vagas para o Senado, sua rejeição é ímpar em relação aos pleitos anteriores. Alvo central em esquemas de corrupção, inclusive da Operação Lava-Jato, o senador responde a 11 inquéritos e a uma ação penal, por peculato (trata-se do famoso caso em que é acusado de usar recursos repassados pela construtora Mendes Júnior para pagar pensão de uma filha fora do casamento).

A situação deve ficar ainda mais grave neste mês, quando será derrubado o sigilo das delações dos 77 executivos da Odebrecht. Caso Renan não se reeleja, seus processos caem para a primeira instância, com a perda do foro privilegiado. Para garantir alguma popularidade, o mandamento é se afastar das medidas impopulares que vêm na esteira das reformas de Temer. A estratégia agora é reforçar o trabalho em Alagoas, onde procura votos para si e seu filho, o governador do estado, Renan Filho.

Renan tem longa história na política e no Parlamento. Filiou-se nos anos 70 ao MDB, por onde foi eleito deputado estadual em Alagoas. Em 1983, chegou a Brasília para cumprir dois mandatos na Câmara dos Deputados. Começou a ganhar notoriedade durante os primeiros anos de Fernando Collor de Mello na presidência, ao assumir a liderança do governo no Congresso. Elegeu-se senador em 1995 e foi escolhido para Ministro da Justiça em 1998, sob Fernando Henrique Cardoso. De volta ao Senado, foi reeleito em 2002. Deixou o cargo em 2007, por conta do escândalo do pagamento de pensões pela Mendes Júnior. Como se nada tivesse acontecido, disputou o Senado nas eleições de 2010 e foi premiado com a vaga que detém hoje no Congresso.

Agora, porém, a vida será mais difícil. No Congresso, seu rival, o senador Benedito de Lira (PP-AL), também pleiteia vaga ao Senado e os ex-governadores Ronaldo Lessa (PDT) e Teotônio Vilela (PSDB) são nomes fortes. O ministro do Turismo, Marx Beltrão (PMDB), também quer uma vaga. Acuado, Renan não descarta concorrer a deputado federal para não perder o foro. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, tenta inclusive abrir um canal de diálogo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem popularidade no Nordeste. O PT e o PMDB em Alagoas formavam base aliada, mas estavam rompidos desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Ainda é difícil mensurar os efeitos e consequências das ações de Renan e se sua conduta dará frutos. “Para saber se a postura de Renan pode causar um efeito contundente no governo, é preciso ver o que Renan está escondendo”, afirma Thiago Vidal, coordenador de análise política da Prospectiva Consultoria. “Na Lava-Jato, ele pode ter segredos comprometedores, mas que o comprometeriam junto. O que vai decidir então são as reformas. Se passarem por pouco na Câmara, ele ganha força, pois o grupo de senadores contra a reforma ganham um prestígio extra, que pode complicar a aprovação”. O Senador não concedeu entrevista a EXAME Hoje.

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