Financiamento para inovação na indústria atingiu recorde histórico de R$ 22 bi em 2024 na Finep
Repórter
Publicado em 12 de fevereiro de 2025 às 06h39.
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), prevê a captação de R$ 15 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em 2025, o que deve consolidar mais um recorde histórico de investimentos. Isso, segundo o presidente do órgão, Celso Pansera, impulsionará projetos de inovação para as cadeias de Combustível Sustentável de Aviação (SAF), minerais estratégicos, terras raras e semicondutores
"Novamente, iremos em 2025 bater outro recorde, porque os recursos estão disponíveis, fizemos concursos, contratamos funcionários, automatizamos o sistema de gestão, estamos usado muita inteligência artificial, ganhando tração e as empresas sentem-se seguras para apresentar projetos", afirmou Pansera em entrevista à EXAME.
As contratações de crédito entre 2023 e 2024 para novos projetos industriais impulsionadas pela Finep somaram cerca de R$ 29 bilhões —R$ 22,3 bilhões somente ano passado — pulverizados em 2.166 iniciativas.
O recorde tem por trás alguns fatores, como o descontingenciamento de cerca de R$4,2 bilhões do FNDCT e a sanção da Lei 14.554/2023, que retornou para a Taxa Referencial a base de indexadora nos financiamentos via Finep. Mas o principal fator está no lançamento da Nova Indústria Brasil (NIB), de acordo com Pansera.
A iniciativa do governo federal, lançada em janeiro de 2024 para a "neoindustrialização" do país, tem sido "o plano de voo" do principal braço para a inovação brasileira.
"Ela [NIB] orienta.Não só tivemos os bons resultados no ano passado, – um volume enorme de recursos para entidades e centros de pesquisa, para melhorarmos a infraestrutura de pesquisa no Brasil, recuperar o que existia e ampliar, ao mesmo tempo colocando um plano claro de voo para a indústria brasileira, e a Finep dentro disso, – como geramos uma perspectiva também de mercado para os nossos pós-graduandos", disse o presidente.
A Nova Indústria Brasil (NIB) tem a Finep como uma de suas principais financiadoras. Qual foi o saldo de 2024? Quanto já foi aprovado e disponibilizado em termos de financiamento e projetos por parte da Finep?
A FINEP e o BNDES são os maiores atuadores dentro da Nova Indústria Brasil. E estamos bem engajados e tendo bons resultados. O primeiro ponto é a constatação de que a indústria brasileira tem bons projetos pensados, alguns já montados, outros a serem montados, e faltava uma oportunidade com uma estratégia clara do governo para financiá-los. A segunda constatação é que a Finep virou de fato um ponto de referência para as empresas que querem inovar. Nós já aprovamos mais de 2 mil – 2.166 — projetos nas mais diversas modalidades de financiamento. É bem interessante esse processo que as empresas, as indústrias brasileiras estão vivendo agora com esse impulso do governo.
Uma das chamadas públicas com maior destaque em 2024 foi a de produção de combustíveis sustentáveis em parceria com o BNDES. Qual foi o resultado desse processo?
Tanto a Finep quanto o BNDES recebiam eventualmente empresas que traziam projetos na área de SAF, para entender como seria esse processo e decidimos lançar um edital. O resultado nos surpreendeu muito positivamente. Achamos projetos no Brasil inteiro, um volume enorme, o que indica de fato a uma propensão, se o governo colocar recurso disponíveis, de criarmos uma cadeia de indústria de SAF no Brasil inteiro. Agora mesmo recebi uma ligação do Rio Grande do Sul, queria tirar algumas dúvidas sobre o resultado. Mas foi uma uma sinalização muito importante do setor industrial brasileiro, especialmente na área de SAF.
O edital dessa seleção foi encerrado no ano, quais foram as iniciativas selecionadas?
Teve uma primeira clivagem, a maior parte dos projetos foram mantidos e restaram pouco mais de 40 projetos, que nessa primeira análise foram vistos como sustentáveis, que podem se manter em pé. Agora nós, as equipes do BDNES e da FINEP, estamos chamando cada um dos projetos para analisá-los, entender melhor as perspectivas. São todos projetos de médio a longo prazo e um volume enorme de recursos a serem disponibilizados. É uma área em que os investimentos precisam ser fortes, mas as perspectivas são boas, porque é o caminho. No Brasil, temos uma base de veículos híbridos, movidos a etanol, bem larga, então precisamos também trabalhar com a área de avião.
Logo no início de janeiro, a Finep e o BNDES lançaram edital de chamada pública para fomentar planos de negócios que visem a transformação de minerais estratégicos. Quais outros projetos estão previstos para 2025?
A nossa relação com o BNDES está muito boa, alinhada. Desde o início da gestão eu e o [presidente do banco de fomento, Aloizio] Mercadante alinhamos bem as ações. Obviamente o tamanho do BNDES é muito superior ao nosso. Mas a nossa atuação é mais focada na parte de inovação. Temos diversos planos, não darei spoiler porque ainda precisamos fechá-los, mas temos diversas iniciativas a serem anunciadas nesse caminho ao longo de 2025 .
E qual será o foco delas?
Teremos em questão o SAF. A gente sabe que o Brasil pode ser um importante polo de produção de SAF no mundo, tem a melhor indústria de etanol do mundo, a melhor tecnologia. Sabíamos que tínhamos bons projetos, mas não tínhamos a dimensão. A mesma questão é dos minerais estratégicos e terras raras. Vamos utilizar muito nos próximos anos os minerais estratégicos chamados de terras raras. E o Brasil tem muita coisa. O Nordeste, por exemplo, tem muitos estudos. Inclusive estamos dialogando com o Consórcio Nordeste para lançarmos um edital de estudos científicos sobre os minerais estratégicos disponíveis na região. Esse edital com o BNDES nos dará uma dimensão do que as empresas estão pensando. O que elas estão planejando e os que elas precisam para colocar esses projetos em pé. E vamos trabalhar em outras áreas e setores. Na área de Semicondutores, por exemplo, devemos anunciar algumas iniciativas ao longo de 2025. Estivemos agora pedindo um aporte da CEITEC do Rio Grande do Sul, de R$ 220 milhões, para retomar e usar a rota tecnológica da CEITEC. A área de semicondutores terá a nossa atenção em 2025.
O BNDES ao longo do ano passado por diversas vezes destacou que o protagonismo da indústria na oferta de crédito. E para a Finep, o setor industrial é uma prioridade?
A NIB é um plano de voo para a gente nessa gestão do presidente Lula. Ela orienta. Não só tivemos os bons resultados no ano passado – um volume enorme de recursos para entidades e centros de pesquisa, para melhorarmos a infraestrutura de pesquisa no Brasil, recuperar o que existia e ampliar, ao mesmo tempo colocando um plano claro de voo para a indústria brasileira, e a Finep dentro disso – como geramos uma perspectiva também de mercado para os nossos pós-graduandos.
Mas isso é suficiente para impedir a chamada fuga de cérebros?
Por que acontece essa tal de fuga de cérebro? Formamos de 24 a 25 mil mestres, doutores e pós-doutores no Brasil. Mas temos vagas de emprego para 14 a 15 mil por ano. Então as pessoas acabavam se formando e qualificando e saindo do Brasil. E a Nova Indústria Brasil abre essa empregabilidade, porque, na medida que as empresas inovam, elas criam centros de pesquisas e precisam manter a inovação constante. Contratam engenheiros, químicos, físicos, matemáticos, um conjunto de categorias, biomédicos, médicos. E isso vai gerando um mercado de trabalho para a pós-graduação brasileira. Por isso a NIB é um plano de voo para a gente; não só resolve um problema de modernizar e inovar nossa indústria, gerando mais e melhores empregos, como também dá um sentido para a pós-graduação brasileira, uma das melhores do mundo, mas que precisa formar essa pessoa e ela ter onde trabalhar, sem precisar sair do Brasil para arranjar um bom emprego.
Por que acontece essa tal de fuga de cérebro? Formamos de 24 a 25 mil mestres, doutores e pós-doutores no Brasil. Mas temos vagas de emprego para 14 a 15 mil por ano.
Ao longo desse período que a Finep vem atuando na NIB, quais os desafios observados? Um balanço de outubro do ano passado da instituição mostrou uma expressiva assimetria de investimentos no país. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por exemplo, tinham 11% dos recursos até aquele momento. Essa falta de equilíbrio persiste? Ou foram encontradas alternativas?
Essa falta de equilíbrio existe. É real, histórica e precisa ser combatida. O nosso objetivo, na área de crédito, é atingir no mínimo, para cada região, o tamanho do PIB, a proporção do PIB de cada região. Por exemplo, o PIB do Nordeste é mais ou menos 14% do PIB brasileiro. É razoável imaginar que conseguimos estruturar projetos de financiamento inovadores do tamanho da proporção do PIB. Então essa é uma busca, a nossa meta. Para isso temos andado bastante na região, feito reuniões com a iniciativa privada, eventos, feiras, encontros, conversado com os governadores e com consórcios, com as universidades, buscando superar essa assimetria. Por exemplo, estruturando centros de inovação nos estados, principalmente nas grandes cidades, para que construam centros de inovação. O que são os centros de inovação? Colocar essa juventude inteligente, mais ligada e antenada com as tecnologias atuais, e ajudando a estruturar projetos para as empresas.
E como o setor privado pode se aproveitar disso?
A empresa privada tem uma ideia [de inovação] e não sabe como fazê-la. Ela vai ali [no centro de inovação] e busca especialistas que vão estruturar o projeto e apresentá-lo à Finep, para buscar financiamento. Esse é um trabalho feito com bastante empenho. Eu viajei no ano passado mais de 20 estados, mais de 100 cidades, para dar palestra, fiz reuniões com o setor empresarial. Temos na Finep um esforço grande para reduzir esse problema de assimetrias regionais. Lançamos editais específicos para as universidade do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para a Amazônia de bioeconomia e desenvolvimento de bionegócios. Em março, faremos com o setor de agricultura familiar um seminário, provavelmente na Bahia, para discutir agroindústria voltada para a agricultura familiar, especialmente para a produção de equipamentos.
Por que esse foco no pequeno produtor da região?
Na agricultura familiar no Nordeste, menos de 2% tem algum tipo de equipamento. Ainda é muito rudimentar. Isso faz com que os jovens, filhos de agricultores familiares, não queiram mais trabalhar no campo e, ao mesmo tempo, a produtividade é muito baixa. Então lançaremos três editais esse ano, especificamente voltados para desenvolver tecnologia para a agricultura familiar, por exemplo, e estamos indo agora em março fazer um seminário na Bahia e conversar sobre como produzir equipamentos agrícolas para melhorar a qualidade da produção e da agricultura familiar no semiárido. Essa iniciativa é um exemplo de movimento de inovação no Nordeste. A mesma coisa na questão do Norte, aproveitar essa riqueza natural que temos lá, para extrair esses óleos e essências raras e transformá-las, industrializar, não apenas vender a planta bruta ou a essência bruta para o exterior.
Trata-se também de uma alinhamento com uma das missões da nova política industrial, que é focada na agroindústria, agricultura familiar e na bioeconomia?
Isso, está alinhada, 70% das propriedades de agricultura familiar no Brasil estão no Nordeste, então se conseguirmos construir na região uma cadeia, um ecossistema que produza insumos, defensivos, adubos orgânicos, naturais, equipamentos adaptados para o tipo de solo, de clima e tamanho das propriedades locais, isso pode trazer um salto para a inovação na região. E para o Norte, a bioindústria, aproveitar o potencial que a Amazônia tem, preservando a natureza e, ao mesmo tempo, pensando no campo e nos agricultores, dando um incentivo de preservação e ao mesmo tempo extrair bem-estar e qualidade de vida.
A Finep registrou um marco histórico em 2024 ao atingir, em dezembro, o montante de R$ 10,7 bilhões em recursos financeiros liberados, praticamente dobrando o resultado de 2023, que foi de R$ 5,4 bilhões. O desempenho representa um crescimento três vezes superior em relação ao resultado de 2022. Ao que a financiadora atribui esse recorde?
A primeira é a uma mudança na lei do FNDCT que o transformou em um fundo financeiro e tirou o contigenciamento dele. Ele foi aprovado em 2021, mas o governo anterior não colocou em prática a lei, criou truques. E o presidente Lula, ainda na transição, depois de uma conversa conosco, aplicou a lei na totalidade. Então nós tivemos quase R$ 10 bilhões de reais do FNDCT em 2023 e R$ 12,7 bilhões em 2024, o que nos permitiu ter recursos para disponibilizar. A segunda foram os programas como a NIB, o Brasil Mais Produtivo e os editas com as universidades. Avançamos muito nos editais, fomos para as empresas, fizemos palestras, seminários, encontros setoriais para que as empresas apresentassem projetos.
O senhor também comento sobre o contigenciamento do FNDCT entre 2019 e 2021. A Finep tem uma dimensão de como isso afetou os investimentos em inovação?
É difícil dizer porque isso não foi feito um estudo. Mas nos dois anos do governo [de Michel] Temer e nos quatro anos do governo [ de Jair] Bolsonaro, a Finep praticamente ficou em letargia, especialmente no governo Bolsonaro. O recursos foram cortados drasticamente. Quando olhamos os cortes de orçamento, a execução orçamentária foi lamentável. Havia um crescimento do investimento em ciência e inovação no Brasil de 2005;2006 até 2015. A partir dai quando a gente olha os gastos, nota-se uma queda drástica nos investimentos. Houve uma recuperação pequena em 2022, por obrigação dessa lei, que não foi plenamente utilizada e agora uma alavancada muito forte nos últimos dois anos.
E qual a previsão para este ano?
Nós ainda não temos o orçamento aprovado, mas a previsão está em torno de R$ 15 bilhões do FNDCT em 2025. Novamente nós iremos nesse ano bater outro recorde, porque os recursos estão disponíveis, fizemos concursos, contratamos funcionários, automatizamos o sistema de gestão, estamos usado muita inteligência artificial, ganhando tração e as empresas sentem-se seguras para apresentar projetos. Em dezembro, assinamos, somente com universidades para recuperar laboratórios de pesquisas, R$ 2,6 bilhões. Eles serão liberados nos próximos anos e devem ter um impacto muito grande na produção de ciência do Brasil, porque foram anos de falta de investimento, laboratórios parados, equipamentos deteriorados e isso está sendo recuperado agora. Essas iniciativas promovem produção de conhecimento e isso chega para as empresas de uma forma ou de outra. E muitas vezes a própria empresa procura pelas universidades. Tudo isso trará um impacto muito forte nos próximos anos na economia brasileira.
As contratações de crédito direto atingiram aproximadamente R$ 14,3 bilhões, possibilitando o financiamento de quase 1,1 mil novos projetos. E possível detalhar o quanto disso foi para a indústria?
Aprovamos até agora R$ 29 bilhões em projetos entre 2023 e 2024 apenas para a indústria. Desse total, R$ 24,5 bilhões são de dinheiro da Finep e R$ 4,5 bilhões de contrapartidas das empresas para 2.166 projetos. Mas esse recurso não é liberado todo de uma vez. À medida que o projeto é executado, a equipe da Finep vai até ele, faz uma avaliação da empresa e do projeto, e comprovando que ela cumpriu a etapa, nós liberamos o crédito seguinte. O prazo de carência é o tempo de aplicação do projeto, são mais seis meses. Ou seja, se o projeto tem 24 meses de aplicação para construir, ela ainda tem mais 6 meses para começar a pagar a Finep.
Esse volume de recursos para a indústria é recorde? Qual é o impacto desse resultado em termos práticos para o país?
Sim, é recorde. Não tem parâmetros no Brasil. O Joe Biden [ex-presidente dos Estados Unidos] lançou no início do governo US$ 2 trilhões para retomar a industrialização no país. E é dinheiro público mesmo porque, se o governo não fizer isso, o setor industrial não consegue se financiar, é muito caro. Imagina tirar US$ 2 trilhões de seu caixa? As empresa não têm recursos para tanto e isso acontece no mundo todo. Aqui no Brasil, se a gente comparar com o tamanho do investimento da China, dos Estados Unidos, é pouco, mas se a gente comparar com o que faz com o restante na América Latina ou a África, é bastante. Se compararmos com o que fazíamos anteriormente é muito mais. Não tinha um plano estruturado ativo para a indústria brasileira, esse plano foi lançado com a Nova Indústria Brasil.
E quais são as expectativas para 2025? No setor industrial, a perspectiva não é tão positiva pela tendência de aperto monetário e de um ambiente externo mais desafiador. Esse receio da indústria de alguma forma afeta a Finep?
A nossa avaliação de governo dentro da Nova Indústria Brasil é que a expansão do PIB industrial brasileiro continua neste ano. Talvez não expanda tanto como poderia se estivesse em um momento melhor do mundo, mas temos uma base de consumo no Brasil ainda muito forte para atender e espaço para aumentar o fluxo comercial com parceiros do Mercosul, o próprio acordo com a União Europeia. Estive em Minas Gerais [em janeiro] e recebi a a sinalização de que a indústria mineira vai continuar investindo fortemente. Esse me parece que é um retrato do Brasil inteiro. Esse possível contexto global ruim, que ainda não está claro se será isso mesmo, talvez provocará uma redução de expansão, mas não um quadro de recessão. Ele vai atingir o Brasil de uma forma ou de outra, não sei qual, mas com certeza não será tão forte na indústria. Temos instrumentos e projetos andando para garantir a situação do PIB industrial.