Fundação Palmares: Sérgio Camargo foi afastado e reconduzido ao cargo durante o governo Bolsonaro (Facebook/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 12h18.
Sérgio Camargo, que se apresenta nas redes sociais como "negro de direita e antivitimista" e que disse que não há racismo no Brasil, ou, em suas palavras, que há "racismo Nutella", e que a escravidão foi benéfica aos descendentes, está de volta à Fundação Palmares e, às vésperas da nomeação de Regina Duarte na Secretaria Especial da Cultura, que pode trocar mais uma vez a presidência da Fundação Palmares, está formando um "novo corpo de gestão conforme seu pensamento", segundo sua assessoria.
Há a informação, não confirmada pela assessoria do órgão nem publicada no Diário Oficial da União, da demissão de membros de sua diretoria.
Entre os demitidos por Sérgio Camargo, que também se posicionou contra as cotas raciais e o Dia da Consciência Negra, estariam Sionei Leão, diretor de Proteção Afro-brasileira e promovido no dia 24 de dezembro a presidente substituto da Fundação Palmares no período em que Camargo foi impedido pela Justiça de ficar na função. E também Kátia Cilene Martins, coordenadora geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, além de Clovis André Silva da Silva, diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira.
Segundo nota da Fundação Palmares, "as indicações estão cumprindo, neste momento, os trâmites para os procedimentos legais e administrativos necessários às nomeações deste corpo técnico especializado".
A indicação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares foi imediatamente criticada sobretudo pelo movimento negro e iniciou-se uma disputa judicial acerca de sua permanência no cargo. Ele reassumiu na última semana.
Em seus posts mais recentes, Camargo retomou algumas de suas posições polêmicas tentando se justificar. Disse que nunca negou que exista racismo no Brasil. Porém, para ele, o racismo "não é 'estrutural' nem 'institucional' como sustenta tese furada da esquerda". Ele completa: "O racismo no Brasil é circunstancial! O negro que se declara vítima do racismo 'todos os dias' é um vitimista e mentiroso a serviço da agenda racialista".
O jornalista também saiu em defesa de Jair Bolsonaro, quando o presidente disse que o deputado Hélio Negão era negro porque tinha demorado a nascer. Bolsonaro usou a expressão: "Deu uma queimadinha". Em suas redes sociais, Sérgio Camargo, que comemorou em outro momento que Bolsonaro o estava seguindo no Twitter, escreveu: "Obviamente não houve racismo algum na expressão usada pelo presidente. Foi apenas uma brincadeira entre velhos amigos. Porém sobram má-fé, burrice politicamente correta e canalhice na mídia militante, que não perde uma oportunidade de cair no ridículo e no descrédito!"
Assim que Sérgio Camargo foi nomeado, e vieram à tona seus comentários considerados racistas, Bolsonaro disse não conhecia o novo presidente da Fundação Palmares, escolhido na gestão de Roberto Alvim, que foi demitido um pouco depois por usar trecho de discurso nazista ao apresentar um novo projeto para a cultura. Mais recentemente, depois que o Superior Tribunal de Justiça liberou a volta de Camargo para a Fundação Palmares, Bolsonaro disse que "o garoto" era "uma excelente pessoa".
Sérgio Camargo foi nomeado presidente da Fundação Cultural Palmares no dia 27 de novembro de 2019 e teve sua nomeação suspensa poucos dias depois, em 4 de dezembro, pelo juiz federal substituto Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal de Sobral (CE).
Segundo Guerra, a nomeação "contraria frontalmente os motivos determinantes para a criação" da Fundação Palmares e põe a instituição "em sério risco", visto que a gestão pode entrar em "rota de colisão com os princípios constitucional da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira".
No dia 12 de dezembro, o governo acatou a decisão do juiz e suspendeu a nomeação de Camargo enquanto recorria em outras instâncias.
A decisão veio no dia 12 de fevereiro, quando o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, acolheu pedido da Advocacia Geral da União e derrubou a liminar que suspendeu a nomeação de Sérgio Camargo. Na avaliação de Noronha, os "eventuais excessos" de Camargo nas redes sociais "não autorizam juízo de valor acerca de seus valores éticos e morais ou mesmo de sua competência profissional".
No dia 19 de fevereiro, a Defensoria Pública da União recorreu da decisão do presidente do STJ. Os defensores apontam que a condução de Camargo "desafia a própria Constituição Federal" e "abre flanco permissivo" à implantação de políticas públicas "voltadas à desconstrução dos avanços da sociedade brasileira". Para o defensor público federal Antônio Maia e Pádua, um dos nove defensores que assinam recurso contra indicação de Camargo, a "livre nomeação não é carta em branco do presidente da República".
No dia 20 de fevereiro, Camargo postou sua primeira foto no gabinete da presidência da Fundação Palmares. A ver se ele permanece no cargo após a nomeação de Regina Duarte como secretária especial da Cultura, prevista para ocorrer na próxima semana.