CPMI: Os apoiadores de Lula, anteriormente contrários ao requerimento, agora querem buscar responsáveis pela omissão que levou aos atos de vandalismo (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Agência de notícias
Publicado em 27 de abril de 2023 às 08h57.
Após dois meses de pressão, o presidente do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu nesta quarta-feira, 26, o requerimento de criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. A CPI deixa o governo Luiz Inácio Lula da Silva cada vez mais dependente do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), uma vez que, embora a comissão seja formada por parlamentares das duas Casas, é entre os deputados que residem os maiores desafios do Palácio do Planalto para conquistar maioria em votações consideradas importantes.
À noite, Lira fez a leitura de mais três CPIs e abriu caminho para investigações sobre o Movimento dos Sem Terra (MST), que neste mês realizou uma série de invasões no chamado "Abril Vermelho", a crise das Americanas e a manipulação de resultados de apostas esportivas. As comissões dos atos golpistas e do MST eram indesejadas pelo Planalto e põem o governo em situação vulnerável.
O pedido da investigação sobre o 8 de janeiro foi feito pelo deputado André Fernandes (PL-CE). O deputado Arthur Maia (União Brasil-BA) é cotado para presidir colegiado. O outro nome citado é o de André Fufuca (MA), líder do PP. Os dois são ligados a Lira - porém, Maia é oposição ao governo petista. Depois da leitura, é feita a indicação dos integrantes pelos líderes partidários. A instalação da comissão - quando se dá início aos trabalhos - está prevista para a próxima semana. O colegiado vai apurar a depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). A relatoria ficará com o Senado.
A pauta polariza o Congresso. Os apoiadores de Lula, anteriormente contrários ao requerimento, agora querem buscar responsáveis pela omissão que levou aos atos de vandalismo e procuram também culpar deputados alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - autores da proposta e defensores da CPI. Aliados do ex-mandatário chegaram a convocar manifestantes para os atos e ainda ironizaram as cenas de vandalismos enquanto radicais destruíam os prédios da Praça dos Três Poderes.
"A gente não tem nada a esconder", disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente. "Estamos querendo dar visibilidade àquilo que o ministro da Justiça, Flávio Dino, pode estar querendo esconder", afirmou o parlamentar. Flávio quer convocar Lula para depor na CPI, enquanto aliados do governo dizem que vão chamar Bolsonaro.
O governo cometeu erros ao longo do processo, agiu para desarticular uma apuração só no Senado, em ambiente mais controlado, e agora terá de pagar fatura ainda mais alta aos "aliados", para evitar que as investigações se transformem em uma "CPI do Fim do Mundo". No momento em que governo petista precisa aprovar medidas como a nova âncora fiscal e a reforma tributária, a CPI tem potencial para desgastá-lo. Embora o presidente da Câmara apoie o marco fiscal, interlocutores políticos de Lula sabem que terão de ceder ainda mais ao Centrão na liberação de verbas extraordinárias para emendas parlamentares e de cargos na máquina pública. "O governo não tem como controlar quatro CPIs", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica.
Na prática, Lula só passou a apoiar a CPI dos atos golpistas porque não tinha mais alternativa depois que vieram à tona imagens do circuito interno do Planalto. As gravações revelaram o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, sem comando diante dos golpistas. O general caiu na semana passada. Enquanto a gestão petista resistia à CPI, porém, deputados da base ligados ao Centrão vinham assinando o requerimento de autoria de Fernandes. Agora, os petistas pretendem usar a CPI como uma "ofensiva política".
"O governo não tem o que temer, mas essa CPI é um dispêndio de energia desnecessário, uma vez que já há investigação em andamento na Justiça e no Ministério Publico. Quem vai sair perdendo é a oposição, quando mostrarmos quem pagou os ônibus e as diárias de hotel daquelas pessoas que promoveram o vandalismo na Praça dos Três Poderes", disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Como mostrou o Estadão, dos 32 integrantes da CPI (16 deputados e 16 senadores), governistas calculam conseguir indicar 20 nomes e ter a maioria. Enquanto pela Câmara despontam Maia e Fufuca para a presidência em um impasse, outro se repete pela relatoria entre senadores. Membros da CPI da Covid desejam participar das investigações e Renan Calheiros (MDB-AL), relator do colegiado durante o governo Bolsonaro, é novamente citado para assumir lugar de prestígio na nova comissão. Ele enfrenta a resistência de Lira, seu inimigo político no Estado.
Há ainda uma incerteza sobre como o União Brasil se portará na CPI. Fraturada, a legenda passa por uma profunda divisão: além de uma debandada ter ocorrido entre parlamentares do Rio - entre eles a ministra do Turismo, Daniela do Waguinho -, na Câmara há deputados alinhados ao governo, à oposição e até há os mais neutros. Na votação do requerimento de urgência do projeto de lei (PL) das Fake News, um dos primeiros testes do governo, parlamentares do União Brasil votaram contrariamente em sua maioria. O partido terá direito a indicar um integrante e um suplente.
Dino também articula para que o PSB, que faz parte do "blocão" de Lira na Câmara, indique Duarte Junior (MA), seu aliado, que teve experiência em CPIs na Assembleia Legislativa no Estado e que se mostrou um provocador da base bolsonarista neste começo de mandato. Foi ele um dos que tumultuaram durante a segunda ida de Dino para falar com deputados, interrompida após um tumulto generalizado na Comissão de Segurança Pública.
Duarte também acusou a deputada Carla Zambelli (PL-SP) de o mandar "tomar no c..." durante as inúmeras confusões. O PSB protocolou uma representação na Comissão de Ética da Casa. Na semana passada, Duarte esteve com André Janones (Avante-MG), o parlamentar mais ativo do governo e de maior engajamento nas redes, para falar de CPI. O governo deseja que Janones tenha lugar para atuar. Após a leitura do requerimento, Janones mobilizou seguidores no Twitter: "Eu tô aqui na Câmara trabalhando e vendo vocês aí postando: Janones na CPMI".